A moda dos alimentos sem glúten e sem lactose fez disparar o seu consumo nos últimos anos, mas os nutricionistas alertam que estas substâncias só devem ser retiradas da alimentação quando existe uma razão clínica para o fazer. Nos últimos três anos, a venda destes produtos aumentou, havendo cadeias de supermercados que decidiram criar uma gama de produtos de marca própria.
Em alguns supermercados, as vendas de produtos biológicos cresceram 180%, as dos sem glúten 20% e as dos sem lactose 54%.
“O aumento da procura deste tipo de produtos” e o trabalho desenvolvido para “os disponibilizar a preços muito competitivos contribuem para este crescimento”, afirma a cadeia de supermercados.
Também o Continente registou um crescimento superior a 90% nas categorias de produtos sem glúten e lactose e produtos biológicos.
“Há, atualmente, um foco nestas duas categorias porque o mercado assim o exige: entre os consumidores que necessitam de produtos alternativos (por motivos de saúde, como doença celíaca) e os consumidores que, sem o mesmo grau de necessidade, consideram que estes produtos contribuem para um estilo de vida mais saudável, o aumento da procura tem sido muito expressivos nos últimos anos”, refere a empresa à Lusa.
Se este crescimento pode ser visto como um sinal de que a população está+ mais preocupada em ter uma alimentação saudável, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, alerta para o facto de haver “muita confusão e muito falso conceito” à volta desta procura.
Para a bastonária, a procura de “mais saúde para viver melhor” não implica retirar da alimentação qualquer tipo de alimento ou de nutriente.
“Pelo contrário, eliminar um determinado nutriente ou alimento sem uma patologia que o justifique, por uma crença ou por alguma passagem de informação que porventura não é credível”, ou por modas, “até pode aumentar o risco de vir a ter uma deficiência de algum nutriente”, adverte em declarações à Lusa.
A decisão de eliminar o glúten ou a lactose deve ser tomada de “forma consciente e orientada por um nutricionista”, ou seja, deve haver “uma razão clínica” para o fazer.
“As pessoas com intolerância ao glúten representam cerca de 5% da população. Todos os outros não devem estar a excluí-lo até porque não há evidência científica que suporte os benefícios para a saúde de uma dieta isenta de glúten”, defende a bastonária.
Uma posição corroborada pelo diretor da Faculdade de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Pedro Graça, que defende que as pessoas que receiam ter doença celíaca ou serem intolerantes à lactose devem contactar o médico de família.
A doença celíaca, uma patologia autoimune causada por reação ao glúten, muito presente no trigo, pode surgir em qualquer idade e tem efeitos penalizadores a nível gastrointestinais, sendo fundamental um diagnóstico atempado porque “o único tratamento disponível é uma dieta sem glúten para toda a vida”, disse o nutricionista.
Segundo Pedro Graça, as pessoas que não são intolerantes ao glúten e à lactose, mas que, por moda, começam a consumir produtos sem esses nutrientes arriscam-se a ficar com intolerância.
“A digestão da lactose necessita de uma enzima que está no intestino (lactase). Se as pessoas abandonam totalmente o consumo de produtos lácteos por receio de serem intolerantes à lactose, mas não forem, o que pode acontecer” é que essa enzima deixa de ser estimulada e pode ter tendência a desaparecer.
Por esta razão, só se deve eliminar a lactose e o glúten depois de o médico confirmar, através de testes específicos, que há intolerância, defende Pedro Graça.
O especialista sublinha que esta confirmação é “muito importante” porque os produtos sem lactose e sem glúten são mais caros e os consumidores “podem estar a pagar mais e a modificar a sua alimentação sem razão aparente”.
Além disso, muitos destes alimentos têm mais calorias: “Algumas pessoas que entendem que para fazer dieta devem retirar alimentos com glúten é um contrassenso porque até podem ter um valor energético excessivo”, acrescentou a bastonária dos nutricionistas.
Os dois nutricionistas salientam, no entanto, a importância de a indústria inovar e oferecer uma maior variedade para quem tem estes problemas.