Uma tradição de carnaval e uma forma daquela comunidade fazer sátira popular, os caretos de Lazarim resistiram aos anos repressivos do Estado Novo.
É um dos entrudos mais genuínos de Portugal. O carnaval em Lazarim, pequena vila do concelho de Lamego (distrito de Vizeu), volta a sair à rua de 2 a 5 de março.
À semelhança dos anos anteriores, a localidade espera a visita de milhares de turistas “para verem a desfilar as máscaras diabólicas e carrancudas, fruto de um trabalho muito minucioso de cerca de uma dúzia de artesãos que lutam para preservar a memória histórica das suas gentes”, refere uma nota de imprensa divulgada pelo município de Lamego.
No carnaval, a população sai às ruas com a cara escondida atrás de belas máscaras artesanais de madeira. Fatos de palha, peles de animais ou tecidos cobrem o resto dos corpos.
Conhecido pelos populares caretos, esculpidos em madeira de amieiro, o Entrudo de Lazarim é uma representação única de encenações antigas da cultura portuguesa.
Recorde-se que a autarquia está a candidatar estas máscaras a Património Cultural Imaterial da Humanidade com o objetivo de preservar uma tradição que assume maior protagonismo por altura do carnaval.

No carnaval, a população sai às ruas com a cara escondida atrás de belas máscaras artesanais de madeira. Fatos de palha, peles de animais ou tecidos cobrem o resto dos corpos.
O ponto alto é a leitura dos testamentos da comadre e do compadre na terça-feira de carnaval. “Neste dia, tapam-se os ouvidos aos mais sensíveis, pois é o momento das verdades guardadas durante todo o ano se fazerem escutar, uma missão a cargo de dois jovens que, desenrolando lengalengas, criticam os rapazes e as raparigas da terra”, explica a nota da autarquia de Lamego.
A regra de ouro impõe que os solteiros possam criticar e ser alvo de chacota. Após os testamentos serem pronunciados, há espaço para a realização de um cortejo até ao local onde o casal, representado por bonecos, é queimado simbolicamente.
No final, para encerrar as comemorações é oferecido caldo de farinha e a feijoada, ao som de uma intensa animação musical.
“Organizado em parceria pela Junta de Freguesia de Lazarim e pela Câmara Municipal de Lamego, com o apoio do Centro Interpretativo da Máscara Ibérica (CIMI), haverá este ano muita animação de rua, barraquinhas e uma zona de restauração”, prometem os organizadores.

O Centro Interpretativo da Máscara Ibérica tem patente uma exposição dedicada ao Entrudo de Lazarim
Uma afirmação da identidade cultural
No artigo ‘Carnaval em Lazarim: Máscaras, Testamentos e Práticas Carnavalescas’, Dulce Simões, doutorada em Antropologia e prefessora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa afirma que Lazarim “encontrou no Carnaval um tempo de excepção para afirmar a sua identidade cultural, reinventando a tradição”.
“Em Lazarim, três gerações de artesãos, com diferentes expressões artísticas, transfiguram um tronco de amieiro, árvore que nasce nas margens do rio Varosa, em figuras representativas da tradição local. Cada um destes homens regista simbolicamente nas suas máscaras, o seu universo cultural e o seu imaginário”, revela.
A professora e antropóloga explica que os Caretos de Lazarim exibem através das suas máscaras “representações de figuras históricas como bispos, reis e romanos, de figuras místicas como bruxas e diabos, de figuras grotescas, e ainda figuras de animais, como o burro, a corsa, o mocho e o porco”.
“Na mão, transportam quase sempre um objecto de uso agrícola, como uma enxada ou uma forquilha, havendo alguns que usam um cajado de nogueira, que nos remetem para o sistema simbólico do mundo rural”, explica ainda.
Lazarim foi vila e sede de concelho entre o século XII e 1834, pertencendo ainda ao concelho de Tarouca até 1895. Para além da bela igreja paroquial, dedicada ao Arcanjo São Miguel, e dos famosos caretos, a vila ganhou há poucos anos outra atração.
Inaugurado em fevereiro de 2015, o Centro Interpretativo da Máscara Ibérica integra uma área de exposição dedicada ao Entrudo de Lazarim, um espaço para exposições itinerantes e quatro salas que apresentam os rituais da máscara ibérica.
Com a inauguração do Centro Interpretativo da Máscara Ibérica, a pequena Lazarim, encostada à serra do Montemuro, passou a integrar o roteiro da cultura tradicional da região do Douro.
Ana Grácio Pinto