(…) Oh! Céus! o que então vi e senti ainda hoje me arrepia toda e enche de calafrios, apesar de já lá irem tantos anos! As nuvens rasgaram-se repentinamente, apartando-se umas para um lado e outras para o outro, como que a abrir uma passagem, enquanto o sol corria loucamente a girar sobre si mesmo e dando a impressão de se desprender do horizonte e descendo vertiginosamente sobre nós (…)
Seriam umas 11H30 quando chegámos ao cimo da estrada, e o cocheiro apontou-nos o local das aparições onde se encontrava já uma multidão aglomerada e protegida por inúmeros guarda-chuvas…
As senhoras que iam connosco no carro, como iam animadas de verdadeira fé, desceram do carro e foram para lá; mas eu, que só levava curiosidade, disse para minha irmã: ” – Olha, se o sinal vai ser no céu, é para que todos vejam. Também se há-de ver daqui, e portanto para que nos havemos de ir meter à chuva?”. E ficámos abrigadas dentro do carro a contemplar tudo aquilo, à espera do meio dia, hora a que estava anunciado o milagre. E, enquanto aguardávamos, vimos um pequeno fenómeno, a que os livros sobre as aparições se não costumam referir: uma nuvenzinha ténue que se levantava de vez em quando do chão e se desfazia depois acima das cabeças das pessoas. Alguns minutos depois, o mesmo fenómeno noutro sítio distinto, e assim repetidas vezes. Sei que outras pessoas também notaram o mesmo, porque tempos depois o vi referido num artigo dum jornal.
No entanto, o tempo ia passando: meio dia, meia hora, uma hora e… nada de anormal se verificava.
Começavam então as pessoas a olhar umas para as outras desconfiadas e com um sorriso significativo que parecia admitir que se tivesse caído num logro. A multidão movimentava-se e algumas pessoas acertavam os binóculos, de que se tinham munido, e procuravam os lugares mais elevados donde mais facilmente pudessem observar o céu.
Nisto, de repente, pouco passava da uma e meia, que era o meio dia solar pela hora de então, notámos que toda aquela gente aglomerada ao longe, no local das aparições, fechava os guarda-chuvas, gritava, e se pôs a olhar para o Céu, para o local onde o sol estava encoberto pelas nuvens. Olhámos também e “!Oh! Céus!” o que então vi e senti ainda hoje me arrepia e enche de calafrios, apesar-de lá irem já tantos anos! As nuvens rasgaram-se repentinamente, apartando-se umas para um lado e outras para outro, como que a abrir uma passagem, caindo em turbilhões umas por cima das outras. Nem pareciam nuvens, nem sei bem explicar, era como se fosse uma enorme cascata de línguas em fecho de cores amareladas e com as pontas e contornos avermelhados, mas atirando-se verdadeiramente umas sobre as outras num verdadeiro desmoronar duma catástrofe, enquanto que o sol corria vertiginosamente girando sobre si mesmo, e dando a impressão de se desprender do horizonte e descendo vertiginosamente sobre nós.
Invadiu-me um autêntico sentimento de terror e tanto que eu me ajoelhei no carro toda compungida e apavorada a fazer o acto de contrição. Minha irmã tinha feito o mesmo, e creio que muitas outras pessoas teriam feito como nós, pois ouviam-se muitos gritos de pavor implorando misericórdia, uns ajoelhados, outros de pé, tirando instintivamente os chapéus, crentes e não crentes. A atmosfera tomou uma cor amarela. Muitos disseram ter visto várias cores no sol, mas eu, como me ajoelhei instintivamente para fazer o ato de contrição, não vi, e quando olhei novamente para o sol, já tudo se tinha normalizado, e o céu encontrava-se completamente limpo de nuvens, vendo-se ao longe apenas uma um pouco comprida e muito estreita semelhando um traço horizontal.
O povo borbulhava então como formigas a quem tivessem destruído o formigueiro, uns para um lado, outros para outro, procurando os seus meios de transporte que os levassem às suas procedências, manifestando nos rostos uma alegria que entre todos se comunicava. Cantava-se o “Avé Maria” de Lourdes, era voz constante que a Senhora tinha dito que acabava a guerra, que os nossos soldados viriam para junto de suas famílias e que tinha recomendado a recitação do terço.
Da mesma forma como todos tinham chegado, agora começavam a retirar, uns a pé, outros a cavalo, de bicicleta, ou carros, etc, etc, ansiando por chegar a suas terras onde cheios de alegria comunicariam o que tinham presenciado.
Se à ida se caminhava a passo, já por causa da chuva, já devido à subida da estrada na serra, agora que o sol brilhava e a estrada descia, caminhava-se velozmente e tudo parecia participar da alegria que todos traziam no coração manifestada pelos cânticos a Nossa Senhora que pelo caminho se elevavam ao Céu.
Pelo meu lado, ansiava agora pela hora em que, falando com o Sr. Padre Formigão, eu pudesse saber tudo o que se tinha passado e tudo o que poderia ter escapado à minha observação, assim como o que as crianças teriam dito nos interrogatórios que ele não deixaria de lhes fazer.
Por isso, assim que me foi possível, lá estava eu em casa daquele sacerdote que desta vez se apresentava com satisfação e tranquilidade, sorridente e como que aliviado dum ferro que o oprimia. Disse-me então que as crianças tinham sido unânimes como sempre nas suas respostas. Que efetivamente a Senhora tinha dito que a guerra acabava, que os soldados viriam, que recomendara a recitação do terço e que era a Senhora do Rosário. Disse-me também que as crianças tinham visto ainda no sol S. José com o Menino, e Nosso Senhor abençoando o povo, mas que, quando Nosso Senhor apareceu, S. José e o Menino não estavam.
Relatou-me também as respostas obtidas nos respectivos interrogatórios deste dia, dos quais o mais interessante é a que se refere às perguntas feitas para averiguar a idade do Menino no intuito de se convencer de que as crianças eram unânimes nas suas afirmações.