Em 2015 a ONU intermediou as partes em conflito na região, exigindo a retirada da capital e a retoma do processo de transição. Em vez disso os houthis desceram para o sul ampliando as suas velhas ambições políticas e ocupando o importante porto de Hodeida no Mar Vermelho. A partir daqui a Arábia Saudita intervém justificada no apoio ao governo do Iémen, mas há outros interesses…
O complexo xadrez político-religioso do Iémen
A Arábia Saudita e a coligação de países árabes intervêm militarmente no Iémen desde 2015, a pedido do governo iemenita, visando o inimigo comum: os xiitas houthis. Sunita, o reino saudita justifica sua intervenção como apoio ao governo legítimo do país. Mas a questão também é regional.
«A intervenção saudita realizada a partir de março de 2015 foi justificada à luz de uma possível interferência iraniana, que teria sido motivada pelo apoio aos houthis», afirmou David Rigoulet-Roze, um pesquisador ligado ao Instituto Francês de Análise Estratégica.
O movimento dos rebeldes xiitas, atualmente liderado pelo populista Abdel Malak al-Houthi, é acusado por seus críticos de trabalhar para Terão, servindo as ambições regionais dos iranianos. Seus oponentes também comparam os houthis ao libanês Hezbollah, o movimento político-militar xiita pró-iraniano.
Segundo declarações de Tawakkol Karman, jornalista iemenita e vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2011, o ex-presidente do país, Ali Abdallah Saleh, expulso do poder no contexto da Primavera Árabe, teria orquestrado um golpe de Estado em 2015 manipulando milícias armadas houthis, com apoio do Irão. “O Irão tenta dividir o país para aumenta seu poder na região, ele quer colonizar o Iémen”, afirmou Karman, na ocasião.
Violações dos Direitos Humanos no Iémen: atrocidades de ambos os lados
Segundo relatório publicado pela Anistia Internacional em 2018, todas as partes no conflito armado iemenita cometeram crimes de guerra e outras sérias violações do direito internacional. Para a entidade, as medidas de prestação de contas foram incapazes de assegurar justiça adequada e reparação às vítimas.
O documento afirma que a coligação militar liderada pela Arábia Saudita, que apoia o governo iemenita, continuou a bombardear infraestruturas civis e a efetuar ataques indiscriminados, matando e ferindo civis. “As forças Huti-Saleh bombardearam áreas residenciais civis de forma indiscriminada na cidade de Taiz e fizeram disparos indiscriminados de artilharia através da fronteira em direção à Arábia Saudita, ferindo e matando civis”, diz o relatório.
A Anistia afirma ainda que o governo do Iémen, os houthis e as forças iemenitas alinhadas aos Emirados Árabes Unidos (EAU) “engajaram-se em práticas de detenção ilegais”, como “desaparecimentos forçados, torturas e maus-tratos”.
Mulheres e meninas continuaram submetidas à discriminação e a outros abusos arraigados, como violência doméstica e casamentos forçados e precoces. A pena de morte continua em vigor no país, e nenhuma informação “foi disponibilizada sobre as execuções e sentenças de morte”.
Interferência internacional
Entretanto e mais recentemente a associação Human Rights Watch e a Amnistia Internacional foram autorizadas a intervir num processo que condena a venda de armas pelo Reino Unido à Arábia Saudita. O caso será ouvido pelo SupremoTribunal de Londres em abril de 2019. Evidências indicam que essas armas foram usadas em ataques a civis no Iémen.
Segundo Clive Baldwin, consultor jurídico da Human Rights Watch, “o Reino Unido contribuiu, através da venda de armas, para uma campanha militar da Arábia Saudita que matou ou feriu milhares de civis e mergulhou o Iémen numa catástrofe humanitária de consequências inimagináveis”.
Quem são os houthis?
Minoria xiita, originária das montanhas no nordeste do Iémen, na fronteira com a Arábia Saudita, os houthis representam cerca de 1/3 da população do país e receberam seu nome do guia espiritual e chefe religioso Badreddine al-Houthi e seu filho, Hussein, um pregador influente, morto pelo exército iemenita em 2004.
Envolvidos numa disputa com o governo central do Iémen desde o início da década de 2000, eles denunciam a marginalização da sua comunidade zaïdita (corrente xiita), além das desigualdades e do subdesenvolvimento dos quais seriam vítimas no noroeste do país, e em Saada, ao norte, sua base ancestral desde a Idade Média.
Além das exigências socioeconómicas e políticas, os houthis também declaram oposição a qualquer aliança do governo iemenita com o «inimigo norte-americano», e também à interferência do poderoso vizinho saudita. O braço político dos houthis é conhecido na região como “Ansarullah”.
Apesar da assinatura de um acordo de paz intermediado pela ONU em setembro de 2015, que exigia sua retirada de Sanaa e a retomada do processo de transição, os houthis desceram para o sul do Iémen, ampliando suas ambições políticas, confiscando o porto de Hodeida no Mar Vermelho e entrando nas províncias centrais do Dharma, Ibb e Baida. A tomada da capital Sanaa foi considerada pelos milicianos houthis como uma “revolução vitoriosa para todos os cidadãos”.
Desde então, os rebeldes expandiram sua influência para o leste do país, onde estão os principais campos de petróleo, e no sudoeste, em direção ao estreito estratégico de Bab al-Mandeb, que controla a entrada sul do Mar Vermelho.