A guerra no Iémen já causou mais de 10.000 mortos, de entre os quais duas mil crianças e 53 mil feridos, mergulhando a população numa situação miserável de fome e doença, que mata por si só, mais de 100 crianças por dia. Mas pouco se sabe, ou pelo menos pouco se fala, porque as televisões não abrem telejornais num conflito que tem lugar num dos mais pobres países do planeta.
Segundo Hervé Verhoosel, porta-voz do Programa Mundial da Alimentação (PAM), cerca de 8,5 milhões de iemenitas não têm mais condições de se poder alimentar, incluindo quase meio milhão de crianças.
Segundo a ONG “Save The Children”, cerca de 100 crianças morrem por dia de fome e de doenças variadas, sem acesso a medicamentos. “Se a situação permanecer inalterada, podemos ter outros milhões de subnutridos nas próximas semanas no Iémen”, declarou Verhoosel, em entrevista à comunicação social.
A subnutrição e a fome, que vêm produzindo imagens que chocaram o mundo nas últimas semanas, têm uma causa em comum: o violento conflito armado entre a coligação árabe, apoiada pelo governo iemenita, e os rebeldes houthis. A ONU considera a situação no Iémen, o “primo pobre” do mundo árabe, como a maior crise humanitária do mundo.
Quase três milhões de pessoas já foram obrigadas a deixar as suas casas, segundo informações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, num relatório divulgado pela Anistia Internacional em 2017. O conflito divide o país desde 2014. Depois de anos de caos e violência, os rebeldes xiitas, conhecidos como houthis, tomaram a capital, Sanaa, forçando o governo a mudar-se para a cidade portuária de Áden, no sul.
Relatos do “inferno” chegam de várias cidades do Iémen, especialmente de Sanaa e Hodeida, esta última um porto estratégico no leste do país, controlada pelos rebeldes houthis, onde a coalizão árabe intervém com fortes bombardeios, a pedido do governo iemenita, numa tentativa de retomar o controle da cidade, onde se encontram os principais campos de petróleo do país.
Os habitantes preparam-se todos os dias para o pior. “É como se as pessoas aceitassem o seu destino. A internet foi cortada e não conseguimos mais ter notícias dos outros. Não sabemos mais o que acontece à nossa volta”, relatou uma sobrevivente na cidade.
“Os bombardeamentos têm-se intensificado. A artilharia começa a atirar quando o sol se levanta e continua durante todo o dia. Podemos escutar os helicópteros o tempo todo, é aterrorizante”, relata a jovem. “Desta vez, apesar da intensidade dos combates, as pessoas preferiam permanecer em suas casas. Temos medo de nunca mais podermos sair de Hodeida. Alguns afirmam que a única rota para deixar a cidade foi intercetada, não sabemos se é verdade”.
Fome e cólera
Além da guerra, dois outros fantasmas pairam sobre a população: a fome e a epidemia de cólera. A 18 de outubro, o vice-secretário geral da ONU, Mark Lowcock, declarou que 8,5 milhões de pessoas no Iémen sofriam de uma situação de “insegurança alimentar grave”, entre elas 400 mil crianças, e que necessitavam urgentemente de ingerir nutrientes. Em 2017, dezessete milhões de pessoas já sofriam com a escassez de alimentos e sete milhões passavam fome. Segundo a Anistia Internacional. Desde o começo do surto de cólera em 2016, quase 2.000 pessoas já morreram em consequência da doença.
Mas, segundo Caroline Seguin, coordenadora de operações da ONG Médicos sem Fronteiras (MSF), estes números estariam defasados. “A realidade do Iémen está totalmente distorcida, em parte porque o acesso de jornalistas ao país é rigidamente controlado pelas autoridades e, portanto, muito limitado”, afirmou a especialista em entrevista de 24 de outubro ao site da organização. “Muitas áreas do país são inacessíveis. Isso se deve a questões de segurança, como ataques aéreos e conflitos, mas também a razões administrativas e políticas, pois o acesso a essas regiões depende da boa vontade das autoridades locais”, detalhou.