Mais de 10 por cento da população do Havai, arquipélago no Oceano Pacífico e um dos estados norte-americanos, descende de portugueses, “uma realidade quase desconhecida” e que é o foco do novo documentário do realizador Nelson Ponta-Garça.
“Pouca gente imagina que existem tantos portugueses no Havai”, disse à Lusa o realizador açoriano radicado na Califórnia. A estimativa é de que “mais de 10%” da população do arquipélago, que totaliza 1,428 milhões de habitantes, seja lusodescendente.
Com duração de 42 minutos, o documentário tem produção executiva da lusodescendente Marlene Hapai, diretora do Imiloa Astronomy Center, e inclui mais de 40 entrevistas, desde líderes comunitários ao comediante Frank De Lima e o cantor Glenn Medeiros.
A estreia do documentário, a 24 de setembro, coincidiu com a celebração dos 140 anos da chegada da primeira grande vaga de imigrantes portugueses ao Havai, que aconteceu a 30 de setembro de 1878 a bordo do navio SS Priscilla.
A maioria dos imigrantes era proveniente da Madeira e dos Açores, chegou entre 1878 e 1913 e foi para o arquipélago, então reino independente, trabalhar em plantações da cana de açúcar.
“Em junho de 1878, o navio alemão “Priscilla” zarpava do porto do Funchal, com 114 portugueses a bordo, a maioria madeirenses, com destino às ilhas. Aportou em Honolulu, capital da ilha de Oahu, 4 meses depois. Foi a primeira emigração maciça portuguesa para tão longe, mas ali já viviam (em Maui, Ohahu, Kauai e Hawaii) entre quatrocentos a quinhentos portugueses, ao que parece em muito boas condições. Eram na sua maioria baleeiros e descendentes de baleeiros da frota da Nova Inglaterra, todos de origem açoriana”, refere uma publicaçãod a Direção Regional das Comunidades dos Açores.
Distância fez esquecer a língua
Ao contrário do que acontece com outras comunidades lusoamericanas, a diáspora portuguesa no Havai não manteve ligação com o território nem com a língua portuguesa, algo que se deve ao facto de o arquipélago ser “muito longe”, explicou Nelson Ponta-Garça.
A influência portuguesa na ilha é visível no ‘ukulele’ – instrumento musical que foi baseado no cavaquinho – e na gastronomia: é possível encontrar as típicas malassadas (bolo típico madeirense) com a grafia adaptada (‘malasadas’) e também há ‘pãó dôcé’. Na cadeia de fast-food McDonald’s, o menu inclui salsichas portuguesas.
Mas a ifluência também se vê na presença política: em Maui os três ‘mayors’ são de origem portuguesa. “Uma curiosidade é que, com tanta influência e tanta história, só há um salão português em todo o Havai, o Heritage Hall”, sublinhou Ponta-Garça.
“Eles nunca mais vieram a Portugal nem falaram português e aquilo vai-se diluindo”, afirmou, ainda que na ‘big island’ haja a ideia de que “metade” da ilha é de ascendência lusa.
O documentário ‘Portugueses no Havai’ é uma co-produção RTP e será emitido na televisão portuguesa nos próximos meses, ainda sem data de estreia. Nelson Ponta-Garça contou ainda com o patrocínio da FLAD – Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e do Governo Regional dos Açores.
O Imiloa Astronomy Center, palco da estreia do documentário, está ligado à Universidade do Havai e faz parte da ‘Night Sky Network’ da agência espacial NASA. Liderado por uma lusodescendente, Marlene Hapai, é “um dos mais conceituados de observação de estrelas em todo o mundo”, disse Nelson Ponta-Garça.
O primeiro imigrante português de que há registo no arquipélago é João (John) Elliott de Castro, que segundo a Biblioteca do Congresso norte-americano chegou em 1814 e foi médico do rei Kamehameha.
Este filme é a terceira produção ‘Portuguese In’, que começou em 2014 com uma série documental de nove episódios sobre a diáspora na Califórnia, onde Ponta-Garça reside, e teve continuidade no ano passado com quatro episódios dedicados à imigração portuguesa na Nova Inglaterra.
O realizador pondera ainda rumar à Flórida para se debruçar sobre a comunidade imigrante naquele Estado, algo que não está decidido, antes de terminar a série com uma produção de maior envergadura, ‘Portuguese in America’.