No passado dia 7 de Julho assistimos ao Cortejo Etnográfico, inserido nas XV Grandes Festas do espírito Santo de Ponta Delgada nos Açores e perante, alguns quadros etnográficos, saltava à vista à dramatização da fábula “O velho, o rapaz e o burro” de Jean de La Fontaine, em que o presidente da Junta de Fenais da Luz- Victor Carlos de Arruda Almeida, com dotes teatrais, compôs um quadro vivo, que muitos dos milhares de pessoas que assistiam, não conseguiam interpretar, a representação.
Fenais da Luz é uma freguesia situada na costa norte do Concelho, que inclui os lugares do Bom Jesus dos Aflitos e do Farropo, e dista cerca de 14 quilómetros de Ponta Delgada. Confronta com o mar e com as freguesias de Fajã de Cima, São Vicente Ferreira, Calhetas (Ribeira Grande) e Pico da Pedra (Ribeira Grande) e tem 1902 habitantes. Esta fábula de Jean de La Fontaine (1621-1695) – Poeta e fabulista francês, autor das “Fábulas Escolhidas” (1668) e “Fábulas” (1694) . Fontaine, considerado o pai da fábula moderna, recorreu ao simbolismo como crítica moral, permitindo-se assim exprimir livremente, em versos com simples e divertidas rimas, coisa que outros escritores se viam impossibilitados. Nesta fábula conta que:
Era uma vez um velho simpático que vivia no cimo de um monte. Certo dia decidiu descer à vila em aventura, levou consigo um burro que pastava à deriva no mato e um rapaz seu vizinho.
Seguiam a pé, o rapaz à frente, seguido do burro, e atrás o velho. Ao passarem por uma povoação, logo foram criticados pelos que observavam a sua passagem.
– Olha aqueles patetas, com um burro e vão a pé.
O velho disse ao rapaz que montasse no burro e este assim fez, com os olhos esbugalhados e ar triunfante, pois nem nos seus melhores sonhos imaginou que lhe fosse possível participar em tal aventura. Um pouco mais adiante, passaram junto de outras pessoas que logo disseram:
– O garoto que é forte montado no burro e o velho, coitado, é que vai a pé.
– Então o velho mandou apear o gaiato e com alguma dificuldade lá montou ele o burro. Andaram um pouco mais até que encontraram outras pessoas e mais uma vez foram censurados:
– Olhem para isto! O pobre rapaz a pé e ele repimpado no burro…
Ordenou então o velho a contragosto ao catraio:
– Sobe, rapaz. Seguimos os dois montados no burro.
O rapaz, que era tudo o que queria, obedeceu de imediato e continuaram a viagem, mas um pouco mais adiante um grupo de pessoas enfrentou-os com indignação:
– Apeiem-se, seus abusadores! Querem matar o burrinho?
Descendo do burro, com ar aliviado, disse o velho ao rapaz:
– Desce. Continuamos a viagem como começamos. Está visto que alguma coisa está errada e não podemos calar a boca do Mundo.
Então o burro, já derreado, zurrou de alívio, pois a carga era pesada…
Diz-se que nunca mais voltou a ser o mesmo.
Moral da história: cada cabeça, sua sentença…
O presidente da Junta de Fenais da Luz Victor Carlos de Arruda Almeida, com dotes teatrais, compôs um quadro vivo, que a grande maioria dos milhares de pessoas que assistiam, não sabiam interpretar.
Nos antigos livros da escola primária, editados pelo Estado Novo a fábula aparecia descrita em poesia e assim dizia:
“O Mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Quero contar uma história
Em prova desta asserção.
Partia um velho campónio
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado:
Encontra uns homens que dizem:
“Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé.”
“Tapemos a boca ao mundo”,
O velho disse: “Rapaz,
Desde do burro, qu’eu monto,
E vem caminhando atrás.”
Monta-se, mas dizer ouve:
“Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho,
E o pobre pequeno à pata.”
“Eu me apeio”, diz prudente
O velho de boa-fé,
“Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé.”
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
“Toleirões, calcando lama!
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?”
“Rapaz”, diz o bom do velho,
“Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se inda nos censuram”.
Montam, mas ouvem de um lado:
“Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu.”
“Vamos ao chão”, diz o velho,
“Já não sei qu’ei-de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que se não pode entender.
É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é,
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé:
De tudo me têm ralhado,
Agora que mais me resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos inda mais esta.”
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.
“Olhem dois loucos varridos!”,
Ouvem com grande sussurro,
“Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!”
O velho então pára e exclama:
“Do qu’observo me confundo!
Por mais qu’a gente se mate
Nunca tapa a boca ao mundo.
Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições;
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações.”
Não podíamos deixar de, nesta época em que nas redes sociais tudo se critica de deixar este quadro etnográfico e lembrar grandes escritores e, em como séculos passados a prosa se mantêm tão actual ou muito mas muito actual
ANTÒNIO FREITAS
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