Ainda que não tenha vivido nos bairros de lata, em janeiro de 1970, com 20 anos, Manuel do Nascimento também rumou a França “a salto”, numa viagem negociada clandestinamente e a “três contos de reis, três meses de ordenado”. O objetivo era evitar a guerra colonial.
Manuel do Nascimento nasceu em 1949, na vila de Sendim entre Moimenta da Beira e Tabuaço no distrito de Viseu e chegou a França em 1970. Conta que “a maioria dos nossos emigrantes que vieram naqueles anos tinha um sonho de encontrar uma vida melhor em França, mas encontraram outras surpresas porque foram morar para as barracas dos bairros de lata. Para muitos, esse sonho foi muito triste”, lembrou, exemplificando com os ‘bidonvilles’ de Champigny-sur-Marne, Saint-Denis e Aubervilliers,que foi a região para onde veio viver e onde morava o “passador”. Ainda que não tenha vivido nos bairros de lata, em janeiro de 1970, com 20 anos, Manuel do Nascimento também rumou a França “a salto”, numa viagem negociada clandestinamente e a “três contos de reis, três meses de ordenado”. O objetivo era evitar a guerra colonial. “Com essa idade sabe bem porque vim para França”

Livro sobre Batalha La Lys
Manuel do Nascimento, conte-nos quando veio para França veio trabalhar para que trabalho ou emprego?
Manuel Nascimento- Eu quando vim de Lisboa, vinha com contrato para trabalhar para uma fábrica, e foram as condições que tinha pedido ao passador, só que quando cheguei a França deu tudo errado, e ao fim de um mês não havia trabalho nem nada, o dinheiro começou a acabar, tive de pedir ajuda à família a Portugal e depois fui para uma região onde só havia trabalho nas obras de construção. Durante 11 meses trabalhei na construção civil e entretanto encontrei um companheiro meu que estava em Lisboa comigo e que veio para França e levou-me para a região de Paris. Em Paris fui trabalhar como eletrecista uns cinco meses e depois respondi a um anúncio como fotógrafo.
Como é que um homem que veio trabalhar para as obras, depois para eletrecista e concorre a uma emprego para fotógrafo? São artes completamente diferentes e que exigem técnica e conhecimentos, muito diferentes?
MN- Eu era fotógrafo em Lisboa, pois sai da minha terra com 11 anos para continuar os meus estudos, dado na aldeia não ser possível e trabalhava de dia e estidava de noite. Fui trabalhar para o Instituto Superior Técnico, para seção de fotografia, da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico, e aí aprendi a revelar a preto e branco, trabalho de laboratório e fotografia de estúdio e fotografar os estudantes para cartões identificação e reportagens de actividades, para os estudantes. Em 1968/69 começou a aparecer a fotografia a cor inspirou-se na emigração para lançar primeiro romance. Isso ajudou-me em França, pois quando respondi ao anúncio e dado ter carteira profissional de Portugal, quando respondi ao anúncio, disse – eu falo pouco francês, mas da arte fotográfica já sei umas coisas e fui admitido na Biblioteca Nacional de França que na altura era de Paris. Aí só fazia microfilmagem da imprensa, que era tudo microfilmado, e que exigia conhecimentos fotográficos. A imprensa toda depois de microfilmada e era assim disponibilizada aos utentes. O leitor deixava de ter acesso aos jornais e revistas, mas sim à microfilmagem. Aqui estive a fazer este serviço durante 15 anos o que veio a despertar a minha veia de escritor.
Ao folhear tanto jornal, livro e revista, nasceu a veia do escritor?
MN- Eu sempre gostei muito da história de Portugal e da geografia. E quando comecei a ler livros antigos da história de Portugal, dos Séculos XV, XVI e XVII , lia que Portugal tinha uma vista muito positiva em França, muito cultural, muito intelectual; hoje é um pouco ao contrário. Eu era o único estrangeiro neste emprego, entre 35 pessoas e quando falava aos meus colegas da história de Portugal aos meus colegas, referindo que o nosso primeiro Rei de Portugal era filho de pai francês, eles ficavam surpreendidos. Quando referia que Napoleão, invadiu Portugal por três vezes ficavam surpreendidos, ou seja havia um desconhecimento da história de Portugal junto dos franceses e diziam – nós na história de França não aprendemos isso. Isso motivou-me a escrever o meu primeiro livro, bilingue – “Cronologia da história de Portugal”, o de fiz uma resenha ano após ano, resumidamente da nossa história desde D. Afonso Henriques. Ainda hoje este livro é um sucesso e numa linguagem clara e simples escrevi oito séculos de história e em português e francês que ajuda muito os filhos dos emigrantes e se destina aos franceses, interessados pela temática. Este livro está em várias bibliotecas em França e para a feitura do mesmo li muitos livros na Biblioteca Caloustre Gulbenkian em França
Isto no ano de 2001 e ao que se sabe a partir daí nunca mais parou?
MN- Nunca mais parei e ao todo tenho publicados 12 livros e tenho mais “três na prateleira” praticamente escritos. A minha editora quer editar um livro todos os dois anos.
Quem compra o seus livros. Os portugueses ou os franceses?
MN- Os meus livros são lidos pelos franceses e comprados. Todos os meus livros como disse estão em todas as bibliotecas e universidades de França.
E os leitorados ou o Instituto Camões dão-lhe alguma relevância?
MN- Nada, nada, zero e quando lancei o meu primeiro livro fui ao Instituto Camões a ver se me apoiavam na edição. Fui lá nunca me responderam!

Livro sobre primeira Guerra Mundial
E os diversos embaixadores que tem passado por França?
MN- Eu vou-lhe citar um embaixador, que para mim ficou no coração. Seixas da Costa! Esse fui um homem! Eu quando apresentei o meu livro do 25 Abril, numa café em Paris, enviei um convite para a Embaixada e consulado e, três ou quatro dias recebi um telefonema da embaixada a informar que o Sr. Embaixador ia à apresentação. Um Embaixador ir a um café, para mim já era surpresa e foi sozinho, sem motorista e a partir daí, soube que ele fui participante do 25 de Abril, que me contou e questionou se tinha outros projectos para outros livros. Referi que sim “As Invasões de Portugal de Napoleão” e ele disse-me – isso interessa-me e, lançou o convite – o mesmo vai ser apresentado na Embaixada e foi lá apresentado. Pediu para estar presente um especialista da História de Portugal, na apresentação e eu disse – conheço duas pessoas, mas é necessário pagar e, respondeu – deixe isso comigo.
Agora tem publicado livros com grande enfoque na I Guerra Mundial. Ao que se deve? À comemoração dos 100 anos?
MP- Foi algo que me fascinou. Eu não tive ninguém na família que tivesse participado e quando comecei a estudar a história da I Guerra Mundial, os franceses nada sabiam da participação portuguesa, não havia nada escrito e a minha batalha foi sempre – dar a conhecer Portugal de outra maneira cultural de outra forma daquela que os franceses viam a nossa emigração, os emigrantes da minha geração. Mostrar a nossa dimensão histórica, dos Descobrimentos e de ter vindo ajudar a França na I Guerra Mundial.
Aqui certamente teve alguma dificuldade, pois na literatura francesa a presença portuguesa na I Grande Guerra era inexistente?
MP- Tive que mandar vir livros de Portugal. Em França não existia nada e o primeiro livro que foi editado em França, sobre a participação dos portugueses na I Guerra Mundial fui eu que o escrevi em 2008. Chama-se a Batalha de la Lys. E fiz uma pequena cronologia em português e francês. Em 2014, sobre o centenário publiquei um livro em que na primeira parte foco a I Guerra e na segunda parte, dado não gostar da palavra “emigração” falo da mão de obra português em França e, dado o primeiro acordo nessa matéria ser de 1916 de 28 de Outubro, em que a França saber da participação de Portugal na primeira Guerra Mundial a pedido dos ingleses, bem certo, o Ministro da Agricultura francês disse na altura- visto Portugal ter sido nosso aliado, nós precisamos agora, de mão de obra português apara França e foi aí, que foi assinado o primeiro acordo de trabalho.
No centenário na Batalha de La Lys e em que o presidente da República- Marcelo Rebelo de Sousa, aqui fez as devidas comemorações, esteve presente?
MN- Há treze anos que vou às comemorações oficiais. Estive ao pé do nosso presidente Marcelo, fui cumprimentado pelo Macron, mas não me apresentei, eu não preciso de honras ou reconhecimento, quero sim que os meus livros sejam reconhecidos e se vendam. Tudo o que faço é por Portugal.
António Freitas