A Lapa e Aquilino Ribeiro são duas marcas de Sernancelhe. Com mais de cinco séculos, a Lapa é reconhecida como um dos principais centros de romagem em Portugal, mantendo até hoje um sentido religioso notável; Aquilino Ribeiro é um dos mais reconhecidos escritores portugueses do século XX, que mereceu honras de Panteão Nacional, em 2007. Nos dias 2 e 3 de junho, na Lapa, o Município de Sernancelhe vai recriar, com rigor histórico e etnográfico, as romarias da Lapa do tempo de Aquilino Ribeiro, proporcionando aos milhares de visitantes um “regresso” ao passado, uma “viagem” pela identidade das nossas terras e das nossas gentes.
A Feira Aquiliniana é um evento temático que recria as Terras do Demo através das profissões, trajes, rituais, atividades e personagens, mantendo sempre o equilíbrio entre o sentido religioso e a questão profana do comércio, das tascas, dos comes e bebes, momentos que têm como inspiração a obra literária do escritor natural da freguesia de Carregal.
Assumindo o objetivo cimeiro de ser um tributo a Mestre Aquilino e à Lapa, o certame decorrerá no terreiro do Santuário, envolto pelo conjunto patrimonial constituído pela Igreja, Colégio, Pelourinho, Casa da Câmara e o casario tradicional daquela pequena comunidade pertencente à Freguesia de Quintela, Sernancelhe, enaltecendo a vertente religiosa sempre presente na Lapa, a fé e a lenda que comprovam os mais de 500 anos de história de uma localidade criada pelos Jesuítas.
A Feira contará com representações cénicas dos hábitos e costumes tradicionais por grupos etnográficos e de teatro, animação de rua e dramatização de excertos das obras de Aquilino Ribeiro, atuações de ranchos folclóricos e grupos de concertinas e fado à desgarrada e uma mostra permanente de artesanato e de produtos regionais, sempre enquadrados no ambiente que recria a Lapa de finais do século XIX, início do século XX.
Quem foi Aquilino Ribeiro
Aquilino Ribeiro nasce em 1885, no Caria, concelho de Moimenta da Beira , em 13 de setembro, filho natural (o último de quatro) do padre Joaquim Francisco Ribeiro e da camponesa Mariana do Rosário Gomes, tendo uma irmã mais velha (Maria do Rosário) e dois irmãos mais velhos (Melchior e Joaquim). Foi batizado na Igreja Matriz dos Alhais, no concelho de Vila Nova de Paiva.
Viveu uma infância plenamente inserida no meio rural. Brincava na rua com as outras crianças da sua idade, admirava os pássaros e, no limiar da adolescência, gostava de montar a cavalo e de caçar.
Em 1895, já a viver no concelho de Moimenta da Beira, realizou o exame de instrução primária e entrou no Colégio de Nossa Senhora da Lapa. Em 1900 entrou no Colégio de Lamego, em Lamego e, a seguir, foi mandado para o Seminário de Beja — para onde iam os ordenandos mais recalcitrantes, dirá o escritor, nas suas memórias — obedecendo a um desejo da sua mãe, que queria fazê-lo sacerdote.
Aquilino seria expulso do Seminário em 1904, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do padre Manuel Ançã, um dos diretores da instituição]. Regressado a Soutosa, daí saiu ao fim de dois anos, rumo a Lisboa.
Começava a sua conspiração contra a monarquia liberal desvirtuada por governos autoritários. Em 1906 começa a colaborar no jornal republicano A Vanguarda. Em 1907, em parceria com José Ferreira da Silva, escreve A Filha do Jardineiro, obra de ficção de propaganda republicana e de crítica às figuras do regime. Entra a seguir para a Loja Montanha do Grande Oriente Lusitano, em Lisboa, a convite de Luz de Almeida.
É também em 1907 que Aquilino é preso, acusado de ser anarquista, na sequência de uma explosão no seu quarto na Rua do Carrião, a 28 de Novembro, em Lisboa, na qual morreu inclusive um carbonário.
No ano seguinte, em 1908 Aquilino evade-se da prisão, em 12 de janeiro, e durante a clandestinidade em Lisboa mantém os contactos com os regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em frente do Tribunal da Boa Hora.
Estabelecido em Paris em 1910, estuda na Faculdade de Letras da Sorbonne. Vem a Portugal após o 5 de outubro e regressa a Paris, onde conhecera a alemã Grete Tiedemann. Após uma estada na Alemanha, virá a casar com Grete. O casal regressa a Paris e, em 1914, nasce-lhes o primeiro filho, Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro. Nesse mesmo ano ainda publicará um novo livro, Jardim das Tormentas.
Em 1915 a família é obrigada a regressar a Portugal na sequência dos conflitos da Primeira Grande Guerra. Aquilino, mesmo sem ter conseguido terminar a sua licenciatura, é admitido a lecionar no ensino secundário, sendo colocado como professor no Liceu Camões, onde ficará durante três anos.
Em 1918 publica A Via Sinuosa. No ano seguinte, em 1919, entra para a Biblioteca Nacional de Portugal, a convite de Raul Proença. Convive com o chamado Grupo da Biblioteca Nacional onde pontificam Jaime Cortesão e Raul Proença. Publica Terras do Demo, e a primeira versão do seu conto “Valeroso Milagre” na Revista Atlântida (nº 32), cuja trama se passa no Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa, situado na sua freguesia natal, aquando das invasões francesas. Em 1952 faz uma viagem ao Brasil onde é homenageado por escritores e artistas, na Academia Brasileira de Letras. Em 1956 é fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores.
Em 1957 publica A Casa Grande de Romarigães e, em 1958, Quando os Lobos Uivam. Neste mesmo ano é nomeado sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa. Milita na candidatura de Humberto Delgado à presidência da República.
Em 1960 é proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida, proposta subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros.
Em 1962 nasce-lhe a primeira neta, Mariana, a quem dedica O Livro da Marianinha.
Em 1963 é homenageado em várias cidades do país por ocasião dos cinquenta anos de vida literária. Morre no dia 27 de maio. Nessa mesma hora, a Censura comunicava aos jornais não ser mais permitido falar das homenagens que lhe estavam a ser prestadas. É sepultado no Cemitério dos Prazeres.
Em 1974 é publicado o livro de memórias Um Escritor Confessa-se. Como escreve José Gomes Ferreira no prefácio Aquilino sabe mentir a verdade.
Em 1982, a 14 de Abril, é agraciado a título póstumo com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade
Em 2007, por decisão unânime, a Assembleia da República decide homenagear a sua memória e conceder aos seus restos mortais as honras de Panteão Nacional. A cerimónia de trasladação para o Panteão Nacional ocorreu a 19 de setembro desse mesmo ano.