Voltei recentemente ao Poço de Santiago. Há muitos anos, consagrara uma capa de revista a este local do Vale do Vouga, onde a técnica de uma época dos nossos avós se aliou à obra pródiga da natureza, do que resultou um quadro paisagístico admirável, que tem vencido o tempo, embora o progresso lhe tenha subtraído um elemento primordial. Com efeito, o encerramento da linha ferroviária da região, que estabelecia ligação entre o litoral e o interior não só prejudicou o Vale do Vouga sob mais do que um aspeto, como afetou os propósitos de quantos apreciavam o prazer de uma viagem ferroviária que fazia desbobinar os mais cativantes cenários de montes e vales, plenos de arvoredo e vegetação.
E, naturalmente, afetada foi também a população local, que se viu privada do seu mais preferido meio de transporte, que, aliás, muito estimava. Mas não houve benevolência e o ‘Vouguinha’ – assim fora popularmente chamado o comboio a vapor que ali circulava – deixou um dia os carris, ao fim de mais de meio século de bons serviços prestados. E no Poço de Santiago perdeu-se a apetecida imagem do pequeno comboio fumegante que transpunha uma das mais altas pontes de pedra ferroviárias que existem no nosso país. Ficou, porém, a ponte. Valha-nos isso.
É a tortuosa estrada nacional 16, antecessora do atual IP5, que dá acesso direto ao Poço de Santiago e à região do Vale do Vouga. Desvia-se em Albergaria-a-Velha da N1 e, curva após curva, depara-se com a “Imagem de marca do concelho de Sever do Vouga”, como muito bem alguém designou o surpreendente quadro paisagístico que ali se apresenta ao recém-chegado e do qual os naturais muito justamente se orgulham. A ponte do Poço de Santiago, com uma apreciável altura e o arco maior assente em cada uma das margens do rio Vouga, se em primeira imagem surpreende, logo leva a impressionar perante a ousadia da obra em pedra que foi possível ali erguer. E, por fim, é a beleza da paisagem em que a obra se enquadra, que leva a desviar a atenção da técnica. Uma aliança deveras atraente.
Construída em 1913, a ponte do Poço de Santiago teve como diretor de construção técnico francês Francois Mercier (1858-1920), que em França fizera construir uma obra idêntica, o viaduto de Pélusin, na região Ródano-Alpes. Com uma altura de 28 metros e um tabuleiro com 165 metros de comprimento, a ponte do Poço de Santiago é constituída por 12 arcos desiguais de volta plena; o vão é de 55 metros.
Foi a importância de Viseu que deu origem à construção da linha ferroviária do Vale do Vouga, a partir de Espinho, com uma extensão total de 175 km, incluindo um ramal de Aveiro. Tinha 21 túneis, 17 pontes e 23 estações. Era uma linha de bitola reduzida. Aprovado o projeto em 1903, em Outubro de 1908 foi inaugurado o troço Espinho-Oliveira de Azemeis, com a presença do rei D. Manuel II. Em 1911 a via férrea alcançou Sernada e em 1914 atingiu Viseu. Durante mais de meio século, como já foi dito, o caminho de ferro serviu a região. Em 25 de Agosto de 1972 circulou o último comboio a vapor entre Aveiro e Viseu, após a linha do Vouga ter transportado centenas de milhares de passageiros. Afirmando-se que os incêndios florestais da época eram provocados pelo comboio a vapor, foi este substituído por automotoras. Mas o encerramento da linha não tardou, em 1990. E do ‘Vouguinha’ ficou a saudade e a sua possível ligação ao cantar popular “Indo eu, indo eu a caminho de Viseu”.
Tendo sido considerada “uma das mais belas pontes ferroviárias em pedra”, a ponte do Poço de Santiago faz hoje parte de uma ecopista com cerca de 6 km, inaugurada em 2007. Com início no edifício da antiga estação de Paradela, a ecopista desenvolve-se pela margem do rio Vouga e acompanha a estrada nacional 16 até ao lugar da Foz. No Poço de Santiago há, porém, que cuidar do acesso à ecopista, que se apresenta bem pouco convidativo.
Merece referência a existência do Restaurante Santiago no Poço de Santiago, com uma excelente situação, proporcionando aos clientes uma visão magnífica da ponte, enquadrada num cenário de eleição. Fundado há 50 anos por um açoriano da ilha de S. Miguel que se fixou no Vale do Vouga, é dirigido por um seu filho. E tem fama o arroz de lampreia ali servido. Oportuno será também referir que o rio Vouga, com 148 km de extensão, nasce na serra da Lapa, a 930 metros de altitude, no concelho de Sernancelhe, indo as suas águas formar a Ria de Aveiro.