Já há um certo tempo que não ia ao Porto. Gosto de lá ir e levar ao D. Pedro equestre da Praça da Liberdade uma saudação do D. Pedro das alturas da coluna do Rossio de Lisboa. As duas principais cidades do país homenagearam assim o ‘Rei Soldado’, que tão curta e agitada vida teve, política e amorosa. O Brasil levou-o de Lisboa para São Paulo. Mas o seu coração ficou no Porto. Em menos de três horas, fui de Santa Apolónia a S. Bento. E fui rever umas parcelas do Porto, desde a famosa Avenida dos Aliados à Lapa e à Boavista. E, finalmente, fui conhecer um muito pouco de Serralves, com a qual, na verdade, estava em falta. Tão badalada tem sido Serralves e eu a ignorá-la.
Mas, desta vez, o que me levou ao Porto, em determinado dia deste começo do ano, foi o 94º aniversário de uma portuense por adoção. Conhecemo-nos menina e menino numa distante Amadora dos anos trinta do século passado, onde eu nasci e vivo e ela então vivia, com seus pais e sua avó. Ambos alunos das primeiras classes da instrução primária, mas em escolas locais diferentes, um dia, quando andava pelos oito anos, a minha amiga da mesma idade (diferença de um ano) deixou a Amadora. Ficou, porém, o contato familiar, embora esporádico, naturalmente. Cada um casado e com filhas e filhos, tivemos ambos a desventura de ficar sós. E os dois estamos a cometer a proeza de avançar pelos 90, sem graves acidentes em tão longo percurso. Mas sabemos que o sinal de stop não deverá tardar a aparecer. Entretanto, algo em suspense, prosseguimos a caminhada. Esperamos que a minha amiga da meninice ainda um dia virá à Amadora, ver se descobre algo do seu tempo, que bem pouco é. Do muito que era, quase tudo “o vento levou”.
No Porto de hoje, deixada para traz a Lapa, com o coração do já citado D. Pedro, encontrei-me na Avenida da Boavista, o que me fez recuar a um passado distante e a outro mais recente. Recordei a época áurea das corridas de automóveis dos anos 50 e 60, as reportagens e entrevistas com Stirling Moss, Jack Brabham e outros pilotos famosos e recordei também os Grandes Prémios históricos dos primeiros anos deste século, que me levaram a reencontrar com satisfação Jack Brabham – já falecido, tinha a minha idade. Brooks e o nosso Mário Araújo Cabral foram outros reencontrados em 2007. Fotografei e dei então os parabéns ao empresário e desportista Miguel Pais do Amaral, que vencera a prova principal ali disputada. Em 2005 foi Rui Rio, então presidente da Câmara Municipal do Porto, que fez voltar as corridas à Boavista. Se ganhar as novas “corridas” políticas que o esperam, talvez volte a servir os interesses da sua cidade e do desporto automóvel em Portugal.
Serralves fica a curta distância da Avenida da Boavista. Quando se cruza a férrea entrada da instituição, não se imagina com que imensidade de arte moderna e natureza excecionalmente bem cuidada se vai deparar. Para se apreciar devidamente o que ali se apresenta ao visitante, para se viver devidamente Serralves, não chegam horas, são precisos dias, seguidos ou alternados. Principalmente a bela natureza, numa enorme vastidão, cativa, extasia, faz esquecer o passar do tempo, prende o mais insensível ao que se lhe vai desbobinando. Dali, em todos os sentidos, imana o belo e o perfeito, o que traduz bem-estar e prazer, levando a desejar voltar breve, uma e mais vezes, a repetir a visita a tão infindável paraíso. E também o passado se traz ao presente, mercê do historial familiar que ali se mantém, embora não se veja: somente os escritos no-lo revelam. Realmente, terá sido uma omissão não se dar a conhecer aos visitantes, em pétreas figuras, quem foram as pessoas que “fizeram” a Serralves de ontem.
Antiga propriedade que pertenceu sucessivamente a dois industriais nortenhos, Carlos Alberto Cabral (Conde de Vizela) e Delfim Ferreira, Serralves, com a arte aliada à agricultura e à jardinagem, foi essencialmente obra do primeiro proprietário, uma pessoa culta e viajada que trouxe ao nosso país famosos artistas da época, para fazerem da sua residência o que mais tarde transmitiu ao segundo proprietário, considerado o homem mais rico de Portugal nos anos 50/60 do século passado, que fez construir no Porto o melhor hotel de então, o ‘Infante de Sagres’. É a presença estatuária destes dois industriais que falta na Serralves de hoje. Somente as suas fotografias e umas breves linhas num guia descritivo, que nem todos os visitantes adquirem, não dão a conhecer à maioria os obreiros de Serralves: o que “fez” Serralves e o que a manteve e respeitou o compromisso assumido.
A concluir, citarei apenas, entre as invulgares ‘Esculturas do Parque’, a singular ‘Colher de Jardineiro’, apresentada na vertical, e entre as ‘Árvores Notáveis’, uma imponente araucária e uma sequoia gigante. Mas além de escultura e árvores, há muito mais para ver em Serralves. Quanto ao museu, traduz bem o espírito criativo dos artistas da transição do século.
Recordar as corridas na Boavista e conhecer Serralves
