Albano Seabra emigrou para os EUA com apenas 9 anos de idade acompanhando os pais e seis irmãos. Por esta altura estava longe de imaginar aquilo que a sua família viria a construir no outro lado do Atlântico, o Grupo Seabra.
Hoje dedica-se a honrar a vontade do patriarca da família, Américo Seabra, que apesar de ter emigrado em 1967 acalentou sempre o sonho de produzir vinho na sua terra natal, Vila Nova de Tazem. Um sonho tornado realidade e que recebeu o nome Casa Américo, em sua homenagem. De um pequeno projeto, os vinhos Casa Américo cresceram também em prol do desenvolvimento do município e da região, facto que não passou despercebido pela Câmara Municipal de Gouveia que condecorou Albano Seabra com a Medalha de Honra Municipal.
Ainda se lembra da partida para os EUA?
Em 1967 emigrámos para os Estados Unidos. Fui com o meu pai, a minha mãe e seis irmãos. O mais velho tinha 18 anos e o mais novo, o Américo, tinha 6 anos. Eu sou o penúltimo filho, tinha 9 anos de idade.
Ainda me lembro de algumas coisas. Lembro-me de ter saído de Portugal com quase nada. Levámos praticamente a roupa que tínhamos vestida e os sapatos que trazíamos calçados. Lembro-me que o meu pai tinha um cunhado e uma irmã em Lisboa. Eles vendiam roupas e calçado e antes de embarcarmos parámos na loja onde o meu pai comprou algumas roupas para nós.
Nunca tinha saído de Vila Nova de Tazem, quando cheguei a Lisboa lembro-me de olhar e achar que era tudo muito diferente. Na altura fui passear com um primo que me levou a passear pela zona do rio. Demorámos tanto tempo que quando voltámos estavam todos á minha espera porque tínhamos que embarcar nesse dia e nós nunca mais aparecíamos. O meu pai aborreceu-se comigo, mas lá embarcámos, no dia 1 de Março de 1967.
Uma vez lá como é que foi?
Quando chegámos aos Estados Unidos fomos ter com um tio, irmão do meu pai, que como trabalhava na Marinha Mercante, acabou por ‘a salto’ ter ficado pelos Estados Unidos. Entretanto tinha-se casado com uma senhora americana e depois de se legalizar chamou todos os irmãos, incluindo o meu pai com os seus seis filhos.
O meu pai começou a trabalhar no dia seguinte á nossa chegada, num talho frequentado pela comunidade judaica, em Newark. Lembro-me que ele foi o único, porque os outros irmãos dele e nós, filhos, éramos todos muito novos. Nós fomos para a escola.
A escola não era fácil, apesar de na matemática, com a terceira classe de Portugal, eu ser melhor que os outros todos. Naquela altura já sabia os números, multiplicar e dividir, nos Estados Unidos ainda estavam a aprender o 1+1. A língua é que não foi fácil. Na altura até achei aquilo estranho, pensava que na América eram muito mais avançados. Comecei a perceber que não seria assim tão difícil a adaptação.
Quando chegámos aos Estados Unidos não fomos logo para o Ironbound, que era a zona dos portugueses, fomos viver para o North 9th Street.
Como é que começaram com as empresas?
Não fui eu o impulsionador das empresas. Esse mérito pertence ao meu pai e ao meu irmão José, o terceiro filho. O José sempre foi o mais rebelde e não se deu bem com a escola nos EUA.
Alguns anos depois de nos instalarmos nos Estados Unidos o meu pai já estava a trabalhar noutro lugar. Foi então que o meu irmão José o convenceu a comprar uma loja na Ferry Street. Não vivíamos naquela zona, mas frequentávamos a Ferry Street para adquirir os produtos à portuguesa como o presunto, o queijo ou o bacalhau. O dono da loja que frequentávamos era português e a esposa era americana, já eram um pouco idosos e o meu irmão José com cerca de 17 anos, em 1970 começou a falar com o senhor e convenceu-o a vender essa loja. Foi assim que começou, nessa loja pequena, com cerca de 250 m2 no 109 da Ferry Street.
Aqui passaram então a trabalhar o meu irmão José e o meu pai, depois a minha mãe.
Quando adquirimos a loja fazíamos entre 70 a 100 dólares por dia. O meu pai depois começou a ‘fazer a casa’ e em muito pouco tempo multiplicou o negócio.
Têm investido na criação de vinhos em Vila Nova de Tazem? Como é que surgiu esta vontade de investir na sua terra de origem?
A paixão pelos vinhos vem do meu pai. Ele foi para os Estados Unidos com a intenção de criar uma vida melhor para os filhos, mas o coração ficou sempre em Portugal. Depois de estarmos lançados nos Estados Unidos, deixou-nos os negócios e voltou para Portugal com a minha mãe onde sempre manteve umas vinhas, em Vila Nova de Tazem.
Naquela altura já tínhamos a maior empresa de importação de produtos alimentares de Portugal para os Estados Unidos e também tínhamos licença de importação de vinhos.
Em Portugal, o meu pai começou a tratar das vinhas e a entregar as uvas na Adega Cooperativa de Vila Nova de Tazem que, naquela altura, por volta de 2002, pagava muito pouco. Claro que depois reclamava connosco, porque importávamos os vinhos de todo o lado de Portugal e ele tinha que ir entregar as uvas na adega Cooperativa. Foi assim que nasceu o negócio dos vinhos, de certo modo para dar uma satisfação ao nosso pai. Em 2005 eu e o meu irmão António decidimos fazer a vontade ao nosso pai, em três meses montámos uma pequena adega em Vila Nova de Tazem, só para fermentar os vinhos dele. O objetivo foi vermos o nosso pai feliz e ficou. Adorou.
Qual foi o primeiro vinho que engarrafaram?
Em 2005 tratámos por volta de 25 mil quilos de uvas, deu uns 20 mil litros de vinho e foi o nosso primeiro ano. Para honrar o nosso pai pusemos-lhe o nome ‘Pai Américo’. Foi o nosso primeiro vinho, ainda que não tivesse corrido muito bem. O vinho não era muito bom. Mas quando nos metemos nas coisas, elas acabam por puxar por nós. Temos desenvolvido, até porque tinha mesmo que ser, não podíamos permitir continuar a produzir um vinho assim.
A decisão foi que ou fazíamos isto como deve ser, ou deixava-mos, o que estava fora de questão, porque todos temos uma enorme admiração para com o nosso pai e ele merecia de nós este esforço para o homenagear.
Então decidimos que havia que melhorar a fórmula e contratámos enólogos e engenheiros agrónomos. Neste momento temos um engenheiro agrónomo só para tratar das vinhas, temos uma enóloga a tempo inteiro na Adega, temos a nossa diretora que também é formada em enologia e temos o nosso enólogo residente.
Entretanto têm adquirido mais vinhas?
Hoje temos um elenco de vinhas alargado. Se usarmos Vila Nova de Tazem como centro, temos vinhas espalhadas num raio de 15km. Fica tudo na região do Dão e tudo do Mondego para a Serra da Estrela. Estamos a apostar no Dão, mas num vinho de altitude. Apesar de estarmos perto de Nelas, de Viseu e de Penalva do Castelo, esta margem do Mondego faz com que consigamos ter uvas com características muito próprias.
Acredito que os vinhos que nos vão diferenciar são os vinhos brancos provenientes dos solos graníticos de excelente qualidade. São vinhos frescos, com aromas maravilhosos e bastante encorpados. Normalmente temos a ideia de que os vinhos brancos devem ser bebidos de um ano para o outro, mas estes brancos conseguem ser bebidos 3 a 4 anos depois, têm uma longevidade muito maior.
E porquê a recente aquisição da Adega Cooperativa de São Paio?
As coisas são assim. Começámos por um pequeno projeto, mas depois achámos que para continuar a honrar o nosso pai também podíamos criar uma empresa que ajudasse a desenvolver o município e a região. Isto porque, apesar de ter ido para os Estados Unidos com nove anos, mantenho uma paixão enorme pela minha terra.
Não é pelo negócio que venha a gerar que eu e os meus irmãos estamos nisto, é mesmo por amor, primeiro a Vila Nova de Tazem, depois ao nosso concelho. Graças a Deus, os Estados Unidos têm-nos tratado muito bem.
Aqui o nosso objetivo é atuar em nome do nosso pai. Neste momento a nossa marca mãe é o ‘Casa Américo’ porque é o nome do meu pai, Américo Nunes Seabra.
Toda a minha vida me lembro de ver o meu pai de chapéu. Quando um chapéu ficava velho, o meu pai comprava outro exatamente igual àquele que já tinha. No início pensávamos que era sempre o mesmo chapéu. Se olhar para a marca sobre a frase ‘Family Tradition’ tem esse chapéu desenhado. Se vir fotografias dele está sempre com o chapéu na cabeça.
O objetivo deste projeto é ajudar a desenvolver a nossa terra natal. Começámos há algum tempo a adquirir vinhas, neste momento já temos produção própria, mas também alugamos vinhas aqui na zona e compramos uvas a terceiros. No ano passado processámos 800 toneladas de uvas. É uma evolução notável se pensarmos que no primeiro ano processámos 25 toneladas. Para além de termos conseguido atingir o nosso objetivo de melhorar a qualidade do vinho, para podermos melhorar também o preço médio de venda e poder criar riqueza e postos de trabalho para a região.
Posso dizer que neste momento entre a Adega e as vinhas temos cerca de 20 colaboradores e temos alturas durante o ano, como nas vindimas, onde trabalham aqui mais de 50 pessoas. A intenção é crescer ainda mais e contribuir ainda mais para apoiar a economia local. É uma grande honra podermos fazer isso e, o mais importante, que é podermos honrar o nosso pai e a nossa mãe.
Foi reconhecido pelo Município de Gouveia com a Medalha de Mérito? Como se sentiu?
Foi um pouco inesperado. Nunca foi esse o meu objetivo. O objetivo foi mesmo ajudar, mas nunca o fiz pelo reconhecimento. Sou uma pessoa simples. No contacto um para um tenho bastante à vontade em estar e conversar, mas em grupo sou bastante tímido. Os meus irmãos, o António e o Américo, esses sim, são relações públicas natos.
Primeiro tive a sensação de que não era merecedor da medalha de honra porque sinto que quero fazer mais e gostava de fazer mais. Ao mesmo tempo senti uma grande honra e um grande orgulho em ver o concelho reconhecer aquilo que fiz sem nenhuma intenção. Acho que ainda não era merecedor de tal distinção. O nosso grande objetivo para o futuro será fazer uma Fundação em nome do nosso pai e naquele dia, em que fui homenageado nos Paços do Concelho, pensei muito nele. Acordei a pensar nele, gostava que tivesse visto, porque ele é que merecia verdadeiramente esta medalha. Tudo o que o meu pai e minha mãe fizeram na vida foi por nós, pelos filhos. Nunca foram de férias, nunca fizeram nada que não fosse a pensar nos filhos.
Mas valeu a pena?
Como grupo, ultrapassamos neste momento os 400 milhões de dólares em vendas e temos para cima de 4000 funcionários. Hoje não atuamos só nos supermercados, temos restauração e uma empresa de logística que opera atualmente em 37 Estados.
Chega a um determinado ponto na nossa vida em que é nosso dever ajudar a desenvolver as coisas e criar empresas, porque, de alguma forma, nós fomos abençoados por Deus. Não podemos pegar nessa bênção e pensar só em nós. Torna-se lógico que esta é umas coisas mais importantes que podemos fazer, há até um ditado que diz “Não dês o peixe, mas sim uma cana para pescar” e eu sou apologista disso. O que é preciso é criar postos de trabalho, para que este trabalho possa sustentar famílias. O nosso dever social, chegado a este ponto na vida, será ajudarmos a cuidar dos deficientes e dos nossos idosos.
Os nossos governos têm a obrigação de nos proteger, de dar educação aos jovens e nós de ajudarmos onde pudermos, até porque nós não precisamos de tanto para viver.