Desta vez, a “ida e vinda” será a um passado já algo distante, que vivi com uma certa expectativa e o entusiasmo próprio de quem dobrara, havia pouco, a casa dos 30 e começara a colaborar na chamada “grande imprensa” da capital. Nessa altura, uma autêntica “lenda” do desporto automóvel mundial, o piloto argentino Juan Manuel Fangio, cinco vezes Campeão do Mundo, veio correr a Portugal. Foi há 60 anos, no Verão de 1957, quando Lisboa dispunha de um belo “circuito”, que não tardaria a perder-se. Porque começara a colaborar na revista do ACP com temas turísticos, fui a Monsanto viver de perto o VI Grande Prémio de Portugal. Fotografei Fangio em grande plano junto do seu potente “Maserati” e a partir de então “entrei” na imprensa automobilística da época e de um bom número de épocas que se seguiram.
Porque foi apenas dessa vez que Fangio correu em Portugal, creio que o facto merece ser evocado, recordado a uns e revelado a muitos mais. Uma multidão imensa, entusiasta, acorreu à improvisada pista citadina. Milhares e milhares de pessoas, incluindo muita gente que nunca assistira a uma corrida de automóveis, rumaram a Monsanto, esgotaram bancadas e encheram todos os locais de peão, acastelando-se por toda a parte de onde o espetáculo podia ser presenciado. Era Fangio que ia correr, o maior entre os “grandes” do automobilismo desportivo, e todos quiseram ir ver em ação o imbatível campeão. Foi a maior enchente que Monsanto registou e, sem dúvida, o maior êxito que o desporto automóvel alcançou entre nós. Há sessenta anos!

Juan Manuel Fangio correu em Portugal uma única vez há 60 anos
O VI Grande Prémio de Portugal, organizado pelo ACP, reuniu 18 concorrentes, de diversas nacionalidades, entre os quais, além de Fangio, se poderão citar os norte-americanos Masten Gregory e Phil Hill, que também viria a ser campeão mundial, o espanhol Godia Sales, o argentino Carlos Mentidiguy, o belga Conde de Changy, o francês François Picard e o inglês Collin Murray, que disputaram a corrida de “sport”. Nas corridas de “turismo” e “grande turismo”, entre outros, alinharam Rui Marinho de Lemos, José Nogueira Pinto, J. Correia de Oliveira e José Manuel Simões.
Logo nos treinos, alcançando a média de 143 km/h, Fangio foi o melhor em pista e “conquistou” de imediato o imenso público. Depois, durante a corrida, a sua mestria, a sua arte de condução, impuseram-se, volta após volta. Na primeira posição a partir da 10ª volta (e as voltas foram 55), Fangio foi o senhor absoluto da prova. Justo, no entanto, será referir a igualmente excelente atuação de Masten Gregory, que moveu ao campeão do mundo uma valorosa perseguição e veio a classificar-se em 2º lugar. Uma perseguição que mais magnífica ainda tornou a corrida de Fangio, que terminou com uma vantagem de 16 segundos sobre o jovem norte-americano, batendo largamente o recorde da prova. Quando o Grande Prémio terminou, toda a imensa multidão que enchera Monsanto estava satisfeita, pois o super-homem do volante proporcionara-lhe um espetáculo fantástico, nunca visto.
Apesar de Fangio ter prometido voltar a correr em Portugal, tal não aconteceu; só voltou de visita. A sua retirada das pistas mundiais, em plena glória, verificou-se no ano seguinte. Abandonou a atividade desportiva com quase 50 anos de idade. E o seu recorde de cinco vitórias como Campeão Mundial só viria ser batido bem mais tarde pelo alemão Michael Schumacher, que obteve sete vitórias e está há quatro anos entre a vida e a morte, devido a um grave acidente sofrido quando esquiava.
A fotografia que obtive há 60 anos em Monsanto e ilustra esta crónica retrospetiva, fez uma certa história: publiquei-a pela primeira vez no jornal ‘Sporting’ de 24 de Julho de 1957 com um artigo sob o título ‘Provas de Velocidade’ e mais tarde ofereci-a ao Museu Fangio, em Balcarce, a cerca de 400 km de Buenos Aires. Muito lamentei que uns certos imperativos não me tivessem permitido ir a Balcarce, quando da minha viagem à Argentina. Com a “histórica” fotografia de Fangio em Monsanto ilustrei a capa de ‘50 Anos de Memórias do Desporto Automóvel’, publicado em 2007.
Vasco Callixto