São já visíveis os sinais do outono, que traz consigo os caprichos do inverno. Tempo de intensidade emocional, com a aproximação e a vivência da festa de Todos-os-Santos e Fiéis Defuntos. Incontornável comemoração, que nos coloca face ao mistério da morte, da vida eterna e da santidade.
Uma estranha voz volta a fazer eco dentro de cada um de nós, num confronto direto com esses dois extremos que se tocam e que de certa forma balizam a existência; por muito que a ciência evolua no prolongamento da vida, o desfecho é sempre a morte! Tão natural como nascer, dizem tantos filósofos.
Este é de facto um tempo propício a uma reflexão diferente; mais recolhida e intensa. É acima de tudo essa sentida homenagem que prestamos aos que nos precederam e que deve provocar em nós, o desejo sincero e coerente de prezar os que vivem a nosso lado e que connosco fazem história.
Também nas comunidades portuguesas se faz a devida pausa, num feriado que nos submete para essa realidade comum. Há cada vez mais quem faça a deslocação ao país e ao lugar onde repousam os ente-queridos de cada um. Com fé e tradição, mas sobretudo com a força de uma oração sincera, na comunhão dos Santos; os que já partiram e todos os que continuam a marcha peregrina sobre a terra.
Na festa de Todos os Santos e de Fiéis Defuntos, é inevitável esquecer um familiar ou amigo que tenha deixado o nosso convívio, tantas vezes prematuramente!
As comunidades cristãs mobilizam-se, proporcionando momentos fortes de recolhimento e compenetração. As celebrações litúrgicas, a romagem aos cemitérios, a entrega e deposição das flores, as fervorosas preces, a chama viva das velas, as lágrimas, os sentimentos… Tanta amizade e emoção, tanto afecto e saudade! Todo um conjunto de sinais, que atestam uma força e um testemunho extraordinários!
Esta predisposição tem que estar associada a um coerente comportamento em relação ao nosso semelhante, em atenção ao nosso próximo. É frequente verificar a “devoção” de muita gente aos defuntos, com muitas orações e adornos… Quando simultaneamente se favorece e se promovem comportamentos desconexos e contraditórios em relação aos vivos!
Como é possível encontrar-me em oração diante de um túmulo e ao mesmo tempo não sentir a comunhão fraterna de um meu semelhante e/ou tantas vezes familiar próximo? Anda por aí tanta gente desvairada, em contínua fuga aos seus deveres próprios. Vezes demais, quase sempre sem razão plausível. Esbanjam-se tantas oportunidades de aproximação e de encontro!
E não precisamos de ir muito longe para depararmos com aviltantes situações, que nos deixam perplexos. Sabemos o quanto é dolorosa a separação que provoca a perda de um amigo ou familiar; sob que razões ou pretextos se promovem tantas ruturas nas relações entre uns e outros, entre amigos e tantas vezes entre as próprias famílias? Chega, rápido demais, o entardecer da vida, surge repentinamente o incontornável desfecho final… De que servem depois as lágrimas, os gestos e os sinais exteriores de comiseração, se em vida optamos deliberadamente pelo desdém, pela indiferença e desprezo?
Aproveitemos bem este tempo para nos ajudar a compreender o quanto somos frágeis na condição humana e nos faça optar por caminhos novos de libertação. Nesta memorável manifestação de fé e saudade, devemos acima de tudo estimar e respeitar aqueles com quem lidamos quotidianamente; eis a melhor forma de honrar a vida e a memória daqueles que já deixaram o nosso convívio!
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