Ao longo de 2017 celebram-se os 70 anos da primeira oferta oficial de um curso em Português naquela instituição de ensino superior canadiana…
Dois mil e dezassete é um ano especial para a Língua Portuguesa, para quem a ministra e para quem a aprende na Universidade de Toronto, no Canadá: celebram-se os 70 anos da primeira oferta oficial de um curso em Português, naquela instituição de ensino superior canadiana. O Programa de Estudos Lusófonos tem sido objeto de mudança e evolução desde a sua implementação há sete décadas, e novas mudanças irão ocorrer. Tudo para continuar a proporcionar um ensino de excelência e dar continuidade ao programa que mais alunos inscritos tem em todo o Canadá…
São sete décadas a ensinar uma língua estrangeira a nível universitário em Toronto, e milhares os alunos que a têm aprendido nos cursos de língua, literatura e história entre outros. Foram vários os escritores, conferencistas, músicos, artistas plásticos e académicos lusófonos que ali transmitiram conhecimento. Inúmeras exposições, conferências, simpósios, colóquios, semanas de Língua Portuguesa, publicações de livros, festivais de cinema, entre outras atividades, complementaram, naquela universidade, a aprendizagem de uma língua que se mantém dinâmica e de ‘olhos’ postos no futuro.
“O futuro é construído sobre o passado; acredito que nas últimas três décadas fortalecemos a fundação do Programa de Estudos Lusófonos. Minha convicção é que a importância do Português não diminuirá nos próximos anos, só pode prosperar. Cada estudo mostra que esta língua ‘romântica’ está entre as dez mais faladas no mundo, sendo utilizada por 250 milhões de pessoas. Esta tendência continuará num futuro previsível”, defende Manuela Marujo, diretora associada do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto, numa publicação que elaborou e onde resume os mais importantes momentos do Programa de Estudos Lusófonos nestes 70 anos de atividade.
Em 1997, durante um simpósio realizado no Colégio Universitário para celebrar 50 anos de Português na Universidade de Toronto, Manuela Marujo entrevistou Kurt Levy, profundo conhecedor dos primeiros passos do ensino do Português naquela academia. Segundo o professor, a primeira oferta oficial de Português aparece no ano académico de 1947-1948, com um curso de três horas. O seu conteúdo foi apresentado como “pronúncia, gramática, prática oral e leitura de textos prescritos”, como recordou o docente.
Língua de projeção mundial
Entretanto, desde 1978 o Departamento de Espanhol e Português dinamiza “um Specialist in Portuguese, um Four Honours Program, o que corresponde de certa maneira a uma licenciatura em Estudos Portugueses”, explica a professora universitária, que dedicou 32 anos da sua carreira académica ao ensino do Português naquela universidade. No âmbito desta licenciatura, há cursos de língua, cultura, história, literatura, cinema, entre outros, e que têm variado ao longo dos anos conforme as especialidades dos professores.
Sobre as causas para a longevidade do Programa de Estudos Lusófonos, Manuela Marujo aponta, entre outras, a sua “boa reputação” junto dos departamento e dos alunos e ainda o facto do Português “ter cada vez maior projeção no mundo”, para além da presença de uma grande comunidade de imigrantes portugueses em Toronto e do o crescimento económico do Brasil. “São muitas as razões”, defende.
A comprovar o sucesso deste programa estão os números. Ao longo dos seus 32 anos a lecionar naquela universidade, a professora refere entre 150 a 200 os alunos que o têm frequentado anualmente, distribuídos pelos vários cursos. Sobre o perfil desses estudantes nas últimas três décadas, acredita, com base em estudos feito com frequência pelos Leitores do Camões, I.P., “que metade são luso descendentes e os outros 50 por cento são das origens mais variadas”. “Como ensinei durante mais de 20 anos os Cursos de Iniciação, os meus favoritos, posso dizer que tenho tido “o mundo” a aprender português”, destaca. “A nossa cidade orgulha-se de ter falantes de mais de 150 línguas e, as aulas de Português são uma pequena mostra dessa realidade. É fascinante ver uma multitude de heranças culturais e linguísticas nas nossas salas de aula”, sublinha.
Com um passado de que os docentes se orgulham e um presente bem estruturado, para o futuro a diretora associada do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto gostaria de ver concretizado o Mestrado e Doutoramento na área de Estudos Lusófonos. E deixa o repto: “países mais ricos do que o nosso dão grandes subsídios para convencer a Universidade a investir em programas de pós-graduação. Não sei se Portugal, o Brasil ou um outro país da CPLP terão a capacidade financeira ou o empenho para se interessar e ajudar financeiramente a realizar tal projeto”. Elogia, porém, a “ajuda imprescindível que Portugal tem proporcionado” com a existência de um Leitorado naquela universidade. “Estamos muito reconhecidos a Portugal; seria muito difícil proporcionar aos nossos estudantes a variedade de disciplinas que podem escolher, sem a presença do Leitor”, assegura. Quase a deixar as suas funções e a reformar-se, a professora diz que levará consigo o orgulho nos seus antigos alunos que encontra em cargos diversificados pela cidade e pela província do Ontário. A estes agradece por a “terem ouvido” e aos que vão começar a estudar Português dá “os parabéns” porque souberam escolher “e vão ter como resultado portas e janelas abertas para muitos mundos diferentes”.
O empenho dos docentes
Já para a atual Leitora do Camões, I.P., o sucesso do ensino do Português, nos vários cursos, naquela universidade deve-se em grande parte ao emprenho dos professores, que tem sido uma constante ao longo das décadas. Luciana Graça defende que “só um corpo docente apaixonado pelo seu trabalho poderá ir ao encontro das expectativas, dos interesses e das necessidades dos alunos”.
Destaca ainda a abrangência do Programa de Estudos Lusófonos (que inclui o ensino da língua, mas também da linguística e da cultura e literatura lusófonas) e a “cada vez maior consciencialização da importância do domínio da Língua Portuguesa a níveis vários”.
Questão que, defende, assume particular significado em Toronto, uma cidade multicultural e onde reside a maior comunidade portuguesa do Canadá. “Logo, saber português constituir-se-á, sem qualquer dúvida, como uma crucial mais-valia, aquando da procura de trabalho”, acredita Luciana Graça. E é realmente o fator profissional que tem levado a uma opção pelo Português, diz ainda a Leitora com base nos resultados de um questionário distribuído recentemente aos alunos. Mas a vontade de aprender línguas estrangeiras e um gosto pessoal foram também motivos apontados pelos alunos.
Que metas para o futuro?
No atual ano letivo, são 180 os alunos a aprenderem Português na Universidade de Toronto. Entre esses há estudantes de Macau, do Brasil e de Goa, por exemplo, para além dos lusodescendentes.
Anabela Rato, professora assistente no Programa de Estudos Lusófonos e investigadora no Departamento de Espanhol e Português elogia a “longa e admirável história” do ensino de Português naquela universidade, destacando que este é, atualmente, o único programa que oferece os três níveis de especialização – minor, major e specialist, tendo os alunos de completar quatro, sete e dez disciplinais anuais, respetivamente.
“O programa é também o que tem mais alunos inscritos, no Canadá”, revela, lembrando que “permite a formação de futuros profissionais especializados em estudos lusófonos com uma robusta formação ao nível linguístico, literário e cultural”.
Mas num programa que tem sido objeto de mudança e evolução desde a sua implementação há 70 anos, o que está ainda por fazer?
A contratação de Anabela Rato foi um compromisso assumido pela Universidade de Toronto em relação Programa de Estudos Lusófonos, no sentido de projetá-lo para o futuro. A docente e investigadora adianta que o que se pretende é dar continuidade e vitalidade ao programa, “adaptando metodologias de ensino, atualizando conteúdos programáticos e promovendo atividades (extra) curriculares que se adaptem às necessidades e aos interesses dos estudantes, pertencentes a uma geração informada, ativa e multifacetada, inseridos num contexto multilingue e multicultural e integrados numa sociedade digital do conhecimento”.
Um dos objetivos é ver crescer o interesse pela Língua Portuguesa e pelas literaturas e culturas lusófonas e, consequentemente, aumentar o número de alunos. Para tal, há já vários projetos em mente. “Relativamente ao ensino da Língua Portuguesa, pretendemos dinamizar a interação comunicativa em situações reais, dentro e fora da sala de aula, por exemplo, através de intercâmbios linguísticos com aprendentes de Português de outros países e com falantes nativos de Português, promover interações com figuras relevantes da cultura e literatura lusófonas e da linguística portuguesa através de videoconferências ou visitas in loco”, adianta. Outro ponto focal é a aposta na aprendizagem do Português em contexto profissional, que passará por “dinamizar a aprendizagem experiencial em serviços e instituições comunitárias”.
Projetos de investigação
A realização de atividades que celebrem a diversidade cultural e literária dos países de língua portuguesa é outro objetivo, mas Anabela Rato diz ser “fundamental” o desenvolvimento de competências aplicáveis ao mundo do trabalho. Nesse âmbito, considera essencial “o envolvimento ativo dos estudantes em projetos de investigação nas áreas da linguística, da cultura e da literatura”.
Foi nesse sentido que surgiram novos cursos como ‘A Língua Portuguesa no Mundo’, ‘Língua Portuguesa e Sociedade’, ‘Aquisição de Português como Segunda Língua’, que Anabela Rato leciona, e ainda ‘Línguas Indígenas do Brasil’, ‘Cinema Lusófono’ e ‘Língua Portuguesa em Contexto de Trabalho’. “Mas a oferta de cursos continuará certamente a diversificar-se e a expandir-se”, garante, da mesma maneira que revela o objetivo da realização de programas de intercâmbio com universidades brasileiras e portuguesas.
Outros pontos que considera essenciais são a criação de um espírito de comunidade entre os alunos do Programa de Estudos Lusófonos e o fomento da comunicação entre o corpo docente e discente, sem esquecer a dinamização da ligação com as diferentes comunidades de língua portuguesa em Toronto. “O Departamento de Espanhol e Português continuará a trabalhar incessantemente para atrair estudantes para o programa de Português, ao proporcionar um ensino de excelência e dar continuidade ao mais próspero programa de Português no Canadá”, assegura.
Tema da Parada do Dia de Portugal
A celebração dos 70 anos do Programa de Estudos Lusófonos será o tema central da Parada do Dia de Portugal, em Toronto, “considerada a maior parada de toda a diáspora”, como dá conta Ana Paula Ribeiro, Coordenadora do Ensino Português no Canadá.
O programa de eventos iniciou-se a 24 de maio, com um tributo à professora Manuela Marujo, que terminará oficialmente as suas funções no Departamento de Espanhol e Português, revela Luciana Graça. Além do testemunho de antigos colegas e alunos e de um jantar de homenagem, houve o lançamento do livro ‘Portuguese at the University of Toronto – 70 years at a glance’ (Português na Universidade de Toronto – 70 anos em resumo), de Manuela Marujo, que reúne momentos marcantes e algumas das mais relevantes figuras que contribuíram para o Programa. Foi ainda inaugurada uma exposição, na Robarts Library, com o mesmo título do livro e centrada no trabalho realizado pelos Estudos Lusófonos ao longo dos anos. Segundo Luciana Graça, no próximo ano letivo haverá ainda outras atividades.
Ana Paula Ribeiro lembra que neste seu 70º aniversário, o Programa de Português, “está a ser alvo de renovação, adaptando-se a uma nova realidade, em que a Língua Portuguesa se afirma cada vez mais como uma importante língua de comunicação internacional”.
Ana Grácio Pinto