Para Sabry, Lia e Tarek, as bolsas de estudo que receberam, permitiram descobrir semelhanças entre o Português e as suas línguas maternas. Já Livia Apa continua a investigar uma língua “muito elegrante”, até mesmo “fidalga”.
O Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (Camões, I.P.) atribui anualmente bolsas de estudo para formação em Portugal, que possibilitam a aprendizagem do português em contextos específicos, como o estudo e a investigação na área da língua e da cultura portuguesas, a formação científica e profissional na área do ensino de Português Língua não Materna e a formação ou o aperfeiçoamento na área de tradução e interpretação de conferências.
“A concessão de bolsas de estudo para frequência do ensino superior em Portugal é um dos instrumentos mais relevantes da política externa, e que mais contribui para o aprofundamento de laços entre os países, nas mais diversas áreas de conhecimento”, sublinhava uma nota publicada no portal do Camões, I.P. em julho de 2016. São referidas ainda como “uma componente importante da cooperação portuguesa com os países parceiros, contribuindo para a sua capacitação e desenvolvimento sustentado, guiada pelo espírito de partilha e amizade que pauta as relações entre Portugal e estes países”.
Efeitos multiplicadores em outras sociedades
São seis os programas de bolsas de formação em Portugal, voltados para estudantes, professores e investigadores estrangeiros, cujos estudos ou trabalho desenvolvidos nos seus países de origem, se centram na língua e na cultura portuguesas. E traduzem “o esforço de Portugal numa área com efeitos multiplicadores e transversais nas sociedades a que se destinam”, como destaca a nota divulgada pelo Camões, I.P..
Um dos programas de bolsas destina-se à frequência de Cursos de Verão de Língua e Cultura Portuguesas, ministrados durante um mês em universidades portuguesas ou em instituições reconhecidas pelo Camões, I.P. Já as bolsas concedidas à frequência de Cursos Anuais de Língua e Cultura Portuguesas, têm a duração de oito meses, período que não é renovável. A formação em Portugal ao abrigo do Programa de Investigação, decorre durante um período máximo de 12 meses, que poderá ser renovado, o mesmo acontecendo com as bolsas concedidas ao abrigo do Programa Fernão Mendes Pinto. Os dois restantes programas de atribuição – Pessoa e Vieira – têm um tempo de formação variável, que pode também ser renovado.
Uma língua “doce” e, afinal, tão próxima…
No Irão, a palavra que denomina ‘mesa’ tem origem portuguesa. No Bangladesh, ‘ananás’, ‘nau’, ‘alfinete’, ‘alcatra’ (uma variação de ‘alcatrão’), derivam do português. E na Arménia, há expressões e ditados populares que têm o mesmo sentido em Portugal, como ‘abrir o coração’, ‘arregaçar as mangas’, ‘meter o rabo entre as pernas’.
Não é de agora, portanto, que o português se apresenta como uma língua de globalização. Já o era há mais de 500 anos, quando navegadores e descobridores aportaram e se estabeleceram em diversas latitudes deste planeta.
Mas para Sabry, Lia e Tarek, estas semelhanças são uma descoberta recente. Já Livia Apa descobriu uma língua “muito elegrante”, até mesmo “fidalga”. São todos bolseiros estrangeiros e estão neste momento em Portugal ao abrigo de alguns dos programas de bolsas de estudo atribuídas pelo Camões, I.P.
“A minha língua nativa é totalmente diferente, tem outra melodia, não tem nada a ver com as línguas do Ocidente”, começa por afirmar Sabry Zekry antes de revelar que sempre gostou de línguas latinas. Estudou espanhol e francês e na primeira viagem que fez a Lisboa, deixcou-se cativar pela “melodia, a sonoridade” da língua portuguesa.
“Parecia-me uma língua ‘doce’”, explica o professor universitário e dramaturgo natural do Irão que veio para Portugal há cerca de um ano e meio para realizar um mestrado em Teatro. “Havia um curso intensivo de português, de 80 horas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ministrado no verão. Candidatei-me sem saber falar uma palavra desta língua, e comecei no nível inicial. Frequentei depois mais dois semestres, ao mesmo tempo que fazia o mestrado”, conta.
Diz que foi se apercebendo que no Irão são poucas as pessoas que dominam o português e viu aí uma mais-valia. Além disso, confessa, se queria conhecer melhor a cultura dos países lusófonos, tinha que aprender a sua língua. Quando o nível de conhecimento já era maior, candidatou-se, e recebeu, uma bolsa de estudos ao abrigo do Programa de Investigação, que deverá concluir em junho deste ano.
Afirma que saber não apenas falar, mas também ler na língua de Camões, deixa-o “feliz” porque consegue aperceber-se “melhor das nuances do português”. “Para mim, como dramaturgo e escritor de textos para o teatro, são muito importantes as ligações entre as palavras”, explica, revelando que está atualmente a escrever um livro centrado num personagem que se expressa em português.
A investigação que realiza no âmbito da bolsa é centrada na herança do teatro português na expressão teatral iraniana atual. “No Irão não há nenhum conhecimento do teatro português. E um projeto que tenho, para quando regressar à universidade no Irão, será criar uma disciplina sobre o teatro português e a sua ligação à Pérsia. Por exemplo, temos uma expressão teatral em particular que tem uma personagem central negra, e não sabemos de onde vem essa tradição dessa forma de teatro, mas poderá ter tido origem no teatro que era representado nos barcos, durante as navegações e que chegou até nós”, conta, seguro de que há realmente uma herança teatral portuguesa no seu país.
“Temos um tipo de teatro, por exemplo, feito tradicionalmente nas celebrações de casamento, que é similar ao que Gil Vicente apresentava na corte, em frente aos reis. Até os personagens das obras de Gil Vicente são muito parecidas com essa forma de teatro feito hoje em dia no meu país e que tem por nome ‘Teatro Nacional do Irão’. São estas similaridades que estou a comparar, a investigar, no sentido de perceber como surgiram”, explcia ainda o professor e dramaturgo que tem ainda outro sonho: vir a traduzir para língua persa, as obras de Gil Vicente, algo que não existe e que acredita vir a ter muito sucesso.
E foi nestes meses de investigação que descobriu semelhanças no vocabulário dos dois países – como a palavra ‘mesa’. Sabry Zekry diz que essas palavras têm, normalmente, origem no sul do Irão, por onde os portugueses passaram há 500 anos. Foi por isso que começou a interessar-se e a ler obras de Gil Vicente (1465 , 1536), considerado o primeiro grande dramaturgo português. “Hoje em dia, percebo melhor um texto de Gil Vicente do que outro de um autor contemporâneo”, confessa a rir-se este professor que não teve dificuldades em adaptar-se a Portugal e que adora pasteis de nata e elogia a amabilidade dos portugueses, na mesma proporção em que agradece a oportunidade oferecida pela bolsa do Camões I.P. E que sempre que pensa em Portugal, vem-lhe à mente a palavra ‘mistério’. “Porque quando cheguei cá, a primeira imagem que tive foi de um nevoeiro, foi de Lisboa com neblina”.
“Apaixonei-me pelo português”
Lia Khachikyan, diz que há decisões que não são explicadas com a razão, quando questionada sobre o porquê de decidir aprender português. “Esta não foi uma decisão planeada, simplesmente, apaixonei-me pela língua portuguesa”, diz a doutoranda de Arquitetura natural da Arménia, que chegou há dois anos a Portugal ao abrigo do programa de intercâmbio Erasmus. Apesar de não precisar conhecer a língua para realizar os estudos, decidiu um dia frequentar as 60 horas de ensino intensivo, no enquadramento do programa Erasmus. “Tive bastante sorte, pelo excelente professor que, com a sua forma de ensinar, me levou a amar a língua portuguesa”, recorda, revelando que se apercebeu da proximidade do português à sua língua materna, “do ponto de vista da linguística, da sintaxe, do pensamento”. “Se calhar foi por causa disso que me interessei pelo português”.
Está a frequantar até maio a bolsa do programa Curso Anual de Língua e Cultura Portuguesas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que lhe tem permitido aprofundar mais os conhecimentos da língua e da cultura portuguesa. Diz que este é “um universo muito rico e bonito que vale a pena conhecer” e que poderá futuramente transmitir no seu país, onde muitas pessoas “nem sabem o que é a língua portuguesa, nunca a ouviram, não conhecem a sua cultura e a história de Portugal”. “E há muito a aprender”, assegura.
De lado ficou, para já a Arquitetura, até porque Lia quer concorrer a uma bolsa de investigação linguística que terá como objeto de estudo as comparações entre as línguas arménia e portuguesa, do ponto de vista das expressões idiomáticas e dos ditados populares. Isto porque, revela, a cada dia descubre mais semelhanças entre as duas línguas. “Se calhar a origem está numa longuinqua presença portuguesa na Arménia, que há seculos atrás foi um imporrtante ponto de passagem para os exploradores, viajantes e comerciantes”, acredita a estudante que já se adaptou a Portugal, país que asoscia às palavras ‘sonoridade’ e ‘céu’. “É impressionante como em cada dia vejo tons diferentes no céu em Portugal”.
Já Tarek Muhammad confessa que nunca tinha pensado em aprender português. Natural do Bangladesh, está em Portugal há três anos e também conclui em maio o Curso Anual de Língua e Cultura Portuguesas ao abrigo da bolsa de estudos concedida pelo Camões, I.P. Veio para Portugal estudar, porque o país dava-lhe “oportunidades para desenvolver a vida” e acabou a descobrir escritores como José Saramago e Fernando Pessoa. Revela que, entretanto, já publicou na sua língua, um livro com as poesias selecionadas de Fernando Pessoa, afirmando ter sido “o primeiro livro português traduzido em bengali”.
Decidiu concorrer à bolsa de estudos, que considera ‘ótima” e que tem permitido concentrar-se “apenas no curso e em absorver toda a informação possível” e está apensar candidatar-se a uma bolsa do Programa de Investigação, com os estudos centrados na influência do português na sua língua e cultura, na área socio-linguística. “O meu objetivo futuro é traduzir obras de autores portugueses para a minha língua”, revela. E vai “aproveitando” os conhecimentos linguísticos que já adquiriu “para ler em português, ver filmes portugueses, ler livros de história”. “Agora que falo português, percebo que na minha língua há tantas palavras de origem portuguesa, como ‘ananás’, ‘nau’, ‘cadeira’. Esta bolsa irá abrir portas a outras investigações sobre o que ficou da presença portuguesa na língua e cultura meu país. Porque vocês foram e depois voltaram, mas nós ficamos lá com a vossa influência e temos que saber até que ponto ela marcou a nossa língua”, explica.
“Uma língua fidalga”
Foi a ela que o Camões, I.P. concedeu a única bolsa de estudos do Programa Pessoa atribuida no ano letivo de 2016/2017. Livia Apa é docente de português e diretora da Cátedra Margarida Cardoso, na Università degli Studi di Napoli ‘L’Orientale’, em Itália. O seu percurso pela língua portuguesa iniciou-se durante a frequência do curso de Línguas Clássicas, que obrigava à frequencia, por dois anos, de uma língua estrangeira. “Nessa altura estudava canto e cantava Bossa Nova e, por isso, decidi que, a ter que aprender uma língua, seria o português”, recorda. A experiência que diz ter sido “muito bonita” levou-a a decidir estudar mais anos e, no terceiro ano, obteve uma bolsa de um mês para Coimbra. “Fiquei definitivamente apaixonada. Acabei por deixar de parte o latim e o grego e fazer a minha tese de licenciatura em Literatura Portuguesa e estou contentíssima até agora. Foi para mim um enriquecimento muito grande”, assegura. Concluiu depois um mestrado em Literaturas e Culturas dos Países Africanos de Língua Portuguesa, sendo essa a área que mais aprofunda até hoje, em termos de investigação. Entre idas e vindas, Livia Apa viveu quase 20 anos em Portugal e diz que uma parte substancial da sua vida “está ligada a este país”.
Decidiu em 2016 concorrer à bolsa do Programa Pessoa, com a duração de três meses. Precisava estar um tempo em Portugal “por causa da cátedra, na perspetiva de potenciar o mais possível as possibilidades que possa vir a ter no futuro em termos de investigação”. “Queria encontrar-me com o diretor da Cinemateca para pensar com ele uma retrospetiva de cinema português e preciso de tempo no arquivo para a investigação relativa aos cinemas de língua portuguesa”, revela ainda. A bolsa centra-se no cinema português, mas Livia pretende também acabar a investigação que tenho feito na Biblioteca Nacional para perceber como se criou a língua portuguesa enquanto espaço comum, algo que variou muito ao longo dos séculos. “Por exemplo, que importância tinha a adquisição da língua portuguesa, na construção da sociedade colonial. E como se consegue que no pós-guerra colonial, a língua portuguesa se mantenha como idioma oficial”, questiona.
Uma língua que considera “linda”. “Acho o português de Portugal muito elegante. Tem uma sonoridade, uma fonética tão completa e complexa. O português é uma língua fidalga”, elogia Livia Apa que quando pensa em Portugal, vem-lhe à mente “a beleza do território, porque é um país extraordinário, do ponto de vista natural, com uma enorme variedade de paisagens”.
É em português que projeta continuar a desenvolver a sua investigação linguística e espera ainda este ano conseguir escrever um livro “que pense um pouco o espaço comum da língua portuguesa numa perspetiva de política global”, revela.
Programas de Bolsas para Cidadãos Estrangeiros
Curso de Verão: Bolsas concedidas ao abrigo do Programa para frequência de Cursos de Verão de Língua e Cultura Portuguesas, ministrados em universidades portuguesas ou em instituições reconhecidas pelo Camões, I.P.. Destinam-se a estudantes estrangeiros e portugueses que residam no estrangeiro e que pretendam aperfeiçoar a sua competência linguística. As candidaturas devem ser propostas pelos respetivos professores de Português, no âmbito de protocolos de cooperação firmados com o Camões, I.P., nos quais esteja previsto, especificamente, o número de bolsas a conceder.
Curso Anual: As bolsas concedidas ao abrigo do Programa de Cursos Anuais de Língua e Cultura Portuguesas, ministrados em universidades portuguesas ou em instituições reconhecidas pelo Camões, I.P., destinam-se a estudantes estrangeiros e portugueses que residam no estrangeiro e que pretendam aperfeiçoar a sua competência linguística.
Programa de Investigação: As bolsas concedidas ao abrigo do Programa de Investigação, destinam-se a professores e investigadores estrangeiros e portugueses que residam no estrangeiro e pretendam realizar, em Portugal, estudos de especialização na área da língua e da cultura portuguesas, nomeadamente mestrados e doutoramentos em universidades portuguesas.
Programa Fernão Mendes Pinto: As bolsas concedidas ao abrigo do Programa Fernão Mendes Pinto, destinam-se a licenciados ou estudantes finalistas, estrangeiros e portugueses, envolvidos em projetos de formação científica ou profissional na área de português língua estrangeira, através de Centros de Língua Portuguesa, Camões, I.P., Leitorados do Camões, I.P. em universidades estrangeiras e universidades e instituições estrangeiras que tenham acordos com o Camões, I.P.
Programa Pessoa: As bolsas concedidas, ao abrigo do Programa Pessoa, destinam-se a responsáveis de Cátedras de Estudos Portugueses/Camões, I.P. e de Departamentos de Português de universidades ou institutos de investigação estrangeiros, para a execução de projetos de formação e de investigação na área da língua e da cultura portuguesas.
Programa Vieira: As bolsas concedidas ao abrigo do Programa Vieira, destinam-se a licenciados estrangeiros e portugueses que residam no estrangeiro envolvidos em projetos de formação e/ou aperfeiçoamento na área de tradução e da interpretação de conferências.
Todas as informações sobre as bolsas de estudo atribuídoas pelo Camões, I.P. podem ser consultadas no Portal do instututo em: http://www.instituto-camoes.pt/activity/o-que-fazemos/aprender-portugues/bolsas-de-estudo