Elaborado num quadrado de pano, em linho ou algodão, que a jovem bordava a seu gosto, o lenço fazia parte do traje típico feminino, mas tinha outra função: a conquista do jovem por quem se apaixonara
“Meu Manel bai pró Brasil / Eu tamen bou no bapor / Gardada no curação / Daquele qué meu amor”.
Quadras como esta, representantes de uma poesia popular e repletas de ternura, e que na sua maioria eram dedicadas à pessoa amada são um dos principais elementos de uma das mais tradicionais formas de arte portuguesas: os Lenços de Namorados.
Estes quadrados de pano são o tema de uma exposição que a galeria ‘A Arte da Terra’ tem patente até 26 de fevereiro na sua sede (Rua Augusto Rosa, nº 40, Lisboa), no coração do bairro de Alfama.
“É inquestionável que o tema se tornou um ícone da cultura portuguesa nos últimos 20 anos, atingindo patamares de popularidade impensáveis há poucos anos”, refere uma nota divulgada por aquela galeria de arte. A ‘Arte da Terra’ tem realizado várias exposições com este tema na região de Lisboa, que incluem “originais nunca antes expostos” fruto de uma longa parceria com a Aliança Artesanal e da cooperação de Conceição Pinheiro, “um nome maior na recuperação desta arte em Portugal”, como referem os responsáveis daquele espaço.
Esta 19ª exposição realizada pela galeria de arte, e que pode ser visitada diariamente, das 11h às 20h, dá a conhecer dezenas de exemplares, onde as vertentes populares e senhoris se cruzam e conjugam, tendo como elemento comum “amores, desamores, paixões e amizades subjacentes a esta arte, cujos primórdios remontam a finais do século XVII”.
Os lenços das “moças do Minho”
“Os Lenços de Namorados apresentam-se como a mais genuína forma poética e artística utilizada pelas moças do Minho, em idade de casar”, apresenta a ADERE Minho – Associação para o Desenvolvimento Regional do Minho.
Elaborado num quadrado de pano, em linho ou algodão, que a jovem bordava a seu gosto, o lenço fazia parte do traje típico feminino, mas tinha outra função: a conquista do jovem por quem se apaixonara. Quando “os olhos teimavam em fugir-lhe para o jovem que no seu íntimo já escolhera”, começava a bordar o lenço onde expressava os seus sentimentos mais íntimos, lê-se no site da associação.
Para o confecionar, a rapariga utilizava os conhecimentos que possuía sobre o ponto de cruz e – num português com erros gramaticais, mas carregado de sentimento – escrevia versos simples como estes: “Aqui tens o meu curação/E a chabe pró abrir/Nun tenho mais que te dar/Nem tu mais que me pedir”. Depois de bordado o lenço ia parar às mãos do ‘namorado’ ou ‘conversado’. Se o alvo das atenções da jovem passasse a usá-lo publicamente, representava o seu interesse e o namoro podia então começar.
A Aliança Artesanal, uma cooperativa com cerca de 100 associados, entre os quais as câmaras municipais de Vila Verde e Terras de Bouro e a Casas do Povo de Fermentões e Vila Verde, refere ainda que a origem desta forma de arte poderá estar nos lenços senhoris dos séculos XVII e XVIII, adaptados depois pelas mulheres do povo, que lhes deram um aspeto característico.
“Estes lenços eram originariamente em ponto de cruz, e por ser um ponto trabalhoso obrigava a bordadeira a passar, durante muitas semanas e mesmo durante meses os serões na sua confeção. Como a escassez de tempo passou a ser um facto na vida moderna, a mulher deixou de ter tanto tempo para a confeção destes lenços, o ritmo de vida tornou-se mais intenso e a mulher teve que solucionar este problema adotando no bordado outros pontos mais fáceis de bordar”, explica a cooperativa.
Outras alterações foram a troca do vermelho e o preto inicial por uma grande quantidade de outras cores, que trouxeram novos motivos decorativos. “Os lenços não deixaram porém de ser ainda mais expressivos, acompanhados muitas vezes de quadras de gosto popular dedicados àquele a quem era dirigida tão grande fantasia: o Amado”, explica ainda.
Ana Grácio Pinto