A 2 de Fevereiro recordaram-se os 100 anos da chegada do primeiro contingente de soldados portugueses a França, para combaterem na I Guerra Mundial. Uma participação que culminou na tragédia da Batalha de La Lys.
Portugal não quis deixar dúvidas de que estava empenhado em lutar ao lado dos aliados e para isso treinou e mobilizou para França uma divisão reforçada de 35 mil homens, sobretudo infantaria apoiada por artilharia de campanha, com a designação Corpo Expedicionário Português. Esta força passaria mais tarde a duas divisões, num total de 55 mil homens. Em todo o conflito (de 1914 a 1918), Portugal destacou pouco mais de 105 mil homens (55 mil para o teatro europeu e os restantes para África, sobretudo Angola).
De verdade há exatamente 100 anos em Janeiro de 1917, depois de Norton de Matos que, em março de 1916, ocupa a pasta da Guerra, partidário da intervenção de Portugal na Primeira Guerra organiza em tempo “recorde”, conjuntamente com o general Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, , a Divisão de Instrução em Tancos, da qual resulta o Corpo Expedicionário Português (CEP). Este episódio ficou conhecido como o “milagre de Tancos”.
O primeiro Corpo Expedicionário partiu em 26 de janeiro de 1917 para a Flandres.
O Corpo Expedicionário Português (CEP), com duas divisões, combateu na Flandres entre Novembro de 1917 e 9 de Abril de 1918, ocupou um sector da frente entre Armentières e Bethune, compreendendo um distância de doze quilómetros. Ao longo dos anos de 1917 e 1918 o CEP participou em vários combates. A sua intervenção ficou marcada pela batalha de La Lys, travada a 9 de Abril de 1918, data prevista para a rendição do efetivo militar português. O CEP foi destroçado pelo exército alemão e inúmeros dos seus efetivos feitos prisioneiros. O que sobrou do CEP deu origem, à formação de três batalhões que perseguiram a forças alemãs antes do Armistício.
Desde a entrada de Portugal na guerra até à assinatura do Armistício, a 11 de Novembro de 1918, Portugal mobilizou mais de 75 000 homens para a Flandres.
Fernando Tamagnini de Abreu e Silva nasceu em Tomar em 13 de Maio de 1856 e faleceu em Lisboa a 24 de Novembro de 1924. Após a sua promoção a general foi escolhido para comandar a Divisão de Instrução mobilizada em Tancos, o acampamento de Pau Lona e mobilizados soldados quase à força, campónios de Norte a Sul sem experiência alguma de guerrilha e a temperaturas tão frias que foram encontrar. Tamagnini de Abreu foi posteriormente para Comandante do CEP, que combateu na Flandes na I Guerra Mundial, integrado no exército inglês.
A 2 de fevereiro de 1917
Os primeiros soldados portugueses desembarcaram em Brest, sendo depois levados de comboio para o vale do Lys, para cobrir um setor entre Armantières e La Bassée, Merville e Béthune. A frente a cargo dos portugueses oscilou entre os quatro e os 11 quilómetros, consoante a evolução dos combates. Seguindo o procedimento típico da guerra de trincheiras, a frente portuguesa estava organizada em três linhas de defesa: uma perto da terra de ninguém, com duas linhas de trincheiras, uma intermédia e uma última linha com fortificações de campanha de maior envergadura e com vias de comunicação para a retaguarda. As tropas portuguesas combateram ali de fevereiro de 1917 a abril de 1918, sofrendo (e repelindo) cerca de 60 assaltos e 20 bombardeamentos de artilharia dos alemães. Já o lado português lançou dez ofensivas (infrutíferas) para tentar romper as linhas alemãs. Nestes meses, as forças portuguesas terão sofrido mais de 600 baixas (pouco mais de 100 mortos, 350 feridos e 160 prisioneiros). A 9 de abril de 1918 – com Portugal em ebulição com um novo governo em Lisboa, o de Sidónio Pais, na sequência de um golpe de Estado – os alemães lançaram uma ofensiva sobre la Lys que rompeu as linhas e obrigou ao recuo das forças aliadas para a retaguarda.
Batalha de La Lys
Com material danificado pelo inverno de 1917, desmoralizados e sem reforços enviados de Lisboa, o contingente português foi submetido a uma forte barragem de artilharia e “atropelado” pelas divisões alemãs.
Na batalha de La Lys morreram mais de 1.300 portugueses, outros 4.600 ficaram feridos, 1.900 foram dados como desaparecidos e mais de 7.700 foram feitos prisioneiros. Uma derrota humilhante (apesar da forte resistência dos portugueses e de algumas histórias individuais de heroísmo) que marcou o início do fim da participação portuguesa na I Guerra Mundial. Os efetivos ainda aptos do CEP foram posteriormente formados em três batalhões de infantaria, e integrados no exército inglês, no qual lutaram até ao armistício, em novembro de 1918).
General Bernardo Faria e Silva
A par deste general português que em tempo recorde preparou as tropas no quartel “pau lona” de Tancos, outro general graduado do concelho de Tomar, o General Bernardo de Faria e Silva, em 1916 foi mobilizado para a Divisão de Instrução, comandada pelo tomarense, General de Cavalaria Tamagnini de Abreu, que se concentrava em Tancos e que utilizava a Charneca da Chamusca como campo de tiro para se aprontar para entrar na guerra da Flandres e onde estabeleceu nova escola artilheira. Empenhou-se em preparar a Artilharia Divisionária para o apoio de combate e seguiu para França a 22 de Dezembro de 1916, chefiando a missão avançada de oficiais artilheiros, que foram preparar a instalação das Unidades de Artilharia, que seguiram por via marítima.
Essa missão foi notavelmente conduzida e Bernardo Faria. Na frente de batalha desempenhou as funções de Chefe da 1ª Secção do Comando-geral de Artilharia, e interinamente, as de Comandante de Artilharia da 1ª Divisão e as de Comandante Geral de Artilharia, estando esta nas linhas. Promovido a Coronel, em 16 de Fevereiro de 1918, depois da Batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918, coube-lhe a ingrata tarefa de reorganizar a artilharia Portuguesa, conseguindo a sua reentrada em linha, poucas semanas depois.
Voltou ao Teatro de Operações da Flandres, a 8 de Agosto de 1918, onde o esperava a árdua tarefa de Comandante da 1ª Divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP), a qual exerceu de 12 de Setembro de 1918 a 11 de Abril de 1919, numa altura em que as tropas portuguesas atravessavam uma grave crise de abandono e desânimo, com unidades destroçadas e chefes recém-chegados e sem experiência de guerra. No período que antecedeu o armistício, a sua acção fez-se sentir muito eficazmente na reconstituição das unidades que com as tropas britânicas tomaram parte na última ofensiva dos aliados.
Graduado no posto de General, em 28 de Setembro de 1918, Bernardo de Faria viria a mostrar todo o seu valor ao conseguir o milagre de reerguer a 1ª Divisão com os restos do CEP, de tal modo que no dia 11 de Novembro de 1918, data da assinatura do armistício e encontrando-se as tropas de novo em linha, já os militares portugueses estavam devidamente enquadrados e motivados para o combate, tendo ainda participado na última ofensiva dos aliados e merecendo a honra de desfilar em Paris sob o Arco do Triunfo.
“Um vazio” na historiografia francesa
A presença de soldados portugueses nas trincheiras da Flandres durante a I Guerra Mundial constitui “um vazio” na historiografia francesa, refere o historiador Georges Viaud, sublinhando que há um século essa presença era “bem conhecida”. “A presença portuguesa na Grande Guerra era bem conhecida naquela época. O Le Figaro, o Le Matin, o L’Express du Midi de Toulouse são jornais que falaram da presença portuguesa na guerra. Mais tarde há um vazio que se instala porque deixa de se falar da presença portuguesa e agora os historiadores franceses não estudaram essa presença”, indicou o presidente da Sociedade de História e Arqueologia do 14° bairro de Paris. Para o historiador francês Emmanuel Saint-Fuscien, professor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial é, simplesmente, “um ângulo morto da historiografia europeia”, sobretudo francesa.
A segunda hipótese prende-se com a determinação de França “em insistir na participação do conjunto da nação”, ou seja, nas “regiões até aqui consideradas como periféricas – como o oeste da Bretanha, a Córsega, algumas partes do Midi e as colónias – o que apaga algumas participações estrangeiras”
Victor Pereira, historiador e professor na Universidade de Pau, sublinhou que «quando se fala nos não franceses que participaram na guerra pensa-se nos ingleses – que eram os principais aliados – e nos Estados Unidos”, considerando que “as outras nações que ajudaram França, como Portugal, são um pouco esquecidas”. “No conjunto dos soldados, os 50 mil enviados por Portugal não fizeram uma diferença maior (…). Por outro lado, como Portugal não participou na II Guerra Mundial e nas grandes guerras do século XX, há muitas vezes a ideia de que Portugal sempre esteve fora dos assuntos europeus», explicou.
Manuel do Nascimento publicou dois livros sobre o tema, «A Batalha de La Lys» e «Primeira Guerra Mundial:
Os soldados portugueses das trincheiras da Flandres e a mão-de-obra portuguesa a pedido do Estado francês». «Quando apresentei o primeiro livro à editora disseram-me que os franceses desconheciam o tema.
Sempre que vou a palestras, todos os franceses ficam de boca aberta porque desconhecem a participação portuguesa», afirmou Manuel do Nascimento.