A família Pato produz vinho na Quinta do Ribeirinho desde o séc. XVIII e João Pato começou a engarrafar vinho das suas vinhas em 1970 . O seu filho, Luís Pato, herdou esse espírito pioneiro e com uma carreira brilhante é hoje uma figura incontornável no mundo dos vinhos que nos elevam ao que de melhor se faz em Portugal.
Como é que surgiu a Luís Pato Vinhos?
O meu avô e o meu pai eram agricultores tradicionais, faziam vinho e outras culturas. Eu optei por dividir as terras em floresta e vinha, sem mais culturas, para otimizar economicamente as terras e para nos adaptarmos aos tempos que correm na Europa. Hoje pensamos como europeus ao contrário de antigamente, em que pensávamos mais localmente. Fiz vinho em 1980, na adega da minha sogra, de uma forma bem tradicional, e esse vinho, passados 5 anos foi considerado o melhor vinho da Bairrada num concurso em Londres. Isto fez-me pensar. De facto fazer vinho de qualidade podia ser interessante.
A partir dai comecei a tratar o vinho, não só na vinha e na adega, mas sobretudo no mercado onde se vende o vinho que é quem decide se sobrevivemos ou não. Só vendendo é que nós podemos perseguir o nosso sonho. Eu tenho uma formação bem diferente, não sou enólogo, sou um aprendiz de enologia, mas a minha formação de base, em Engenharia Química, permite-me entender o que se passa no vinho. Esta foi uma grande vantagem em toda a minha vida no vinho, porque não tendo formação específica na área tinha uma liberdade enorme em fazer aquilo que os professores não ensinam. Eu consigo fazer vinhos diferentes daquilo que é o normal, escrito pelos professores de enologia. Por exemplo, eu produzo o único vinho tinto de uva branca no mundo. Isto não vem escrito nos livros. Os enólogos nunca fariam este vinho porque não está nos livros.
A formação em Engenharia foi então determinante para o sucesso das suas criações?
Eu sempre tive esta vantagem. A formação em Engenharia permite-me ir sempre otimizando o meu processo. Usei estes conhecimentos em vários vinhos que tenho feito.
O vinho tinto de uva branca foi uma brincadeira técnica, elaborada para celebrar o nascimento do meu neto, Fernão e, a título de curiosidade, eu sou Pires da parte da minha avó materna. Como se sabe há uma uva em Portugal chamada Fernão Pires que por acaso, na região da Barrada, é chamada Maria Gomes. Parece que ela é originária da Bairrada e posteriormente migrou para outras regiões.
Fiz então um vinho para o neto Fernão, do avô Pires de uvas Fernão Pires. Não sendo enólogo tenho a liberdade de não fazer um vinho branco de Fernão Pires, então fiz um vinho tinto, de Fernão Pires. Foi interessante porque foi o primeiro vinho no mundo feito com uvas brancas, mas com uma cor tinta.
Mais tarde descobri que era um vinho excelente para acompanhar comida japonesa, o sashimi e o sushi, devido ao salgado do molho de soja. Mas hoje continuo a fazer coisas diferentes. Há pouco tempo estive com um grupo de 10 franceses, da Alsácia, um deles produtor e o primeiro vinho que lhes apresentei foi um espumante que apelido de anti champanhe. Como é sabido o champanhe é o açúcar mais caro do mundo porque cada garrafa leva, grosso modo, 80 gramas de açúcar de beterraba durante o processo de produção. Eu faço um espumante, só com uma fermentação que não tem adição de açúcar. É o açúcar da própria uva, por isso o apelido de o meu anti champanhe. No início eles ficaram um pouco desconfiados, mas no final saíram contentes depois de beberem vinhos com mais de 20 anos, uma das grandes vantagens da Bairrada com a casta Baga que permite vinhos que duram uma vida inteira.
Ao longo da sua carreira tem feito algumas experiências que têm resultado em vinhos únicos no mundo?
O espumante que falei, só de uma fermentação, da casta Maria Gomes, foi feito para combinar bem com a comida asiática. Como se sabe, os portugueses têm poucos restaurantes espalhados pelo mundo, quando comparado com os orientais, mas nós temos uma grande diversidade de vinho que nos permite ter sempre um vinho adaptado a qualquer tipo de comida local. Visto nesta perspetiva temos muito mais restaurantes para colocar os nossos vinhos do que os franceses, os italianos ou os espanhóis.
Existiam muitos filósofos anti baga que diziam que a uva baga não era boa porque só produz duas vezes grandes vinhos em dez anos. Mas nunca colocaram a questão porquê? Eu durante estes 35 anos aprendi porquê? A Baga produz em demasia quando nós pensamos em fazer vinho tinto, porque a produção é muito grande, mas produz muito pouco quando pensamos em espumante. No norte, em champanhe, a produção normal é de 15 toneladas por hectare, eu quando produzo oito toneladas na Baga estou a produzir pouco, quando penso em espumante. Então, desde 2001 faço duas colheitas. A primeira só de espumante, de gota, da parte melhor da uva, vindimada em Agosto e depois tenho a parte da uva de prensa. Na prensa uso a técnica da congelação do mosto para lhe retirar água e com este método faço um vinho de sobremesa, o único vinho de sobremesa no mundo que não é de vindima tardia, mas de vindima antecipada.
Tudo isto é o resultado das experiências de ano a ano que faço há mais de 30 anos. Todos os anos faço experiências novas. O processo de engenharia é avançar passo a passo e é o que eu faço, é isso que eu aplico na minha vida prática. Experimento um ano e aplico no ano seguinte.
E agora ainda mais, para provar eu não sou um homem velho tenho que fazer sempre um vinho novo e diferente para provar que continuo a pensar jovem.
Porquê apostar em castas de origem portuguesa? Qual a importância do terroir nos vinhos?
Portugal é o país com maior diversidade de vinhos no mundo. É um pequeno país em que temos 250 castas diferentes dos outros países, temos climas diferentes, temos solos diferentes e temos pessoas diferentes. Isto faz de nós o país com a maior diversidade de vinhos no mundo. No meu caso é uma otimização do meu processo, isto é, durante 35 anos alterei as plantações do meu pai e da minha sogra. Sei hoje que a Bairrada tem dois tipos de solo muito bons para vinho, mas temos que usar a casta própria para aquele tipo de solo.
Por exemplo, eu não planto Baga em solo arenoso, exceto no meu vinho Fantasia, um vinho que produzo muito pouco e que tenho em solo de areia porque a filoxera é inexistente, é uma vinha sem bacelo americano, em pé franco. Para solo arenoso temos a casta Maria Gomes que é excelente, é muito melhor em solo arenoso do que em solo argilo-calcário, neste último fica muito pesada, em solo arenoso fica leve, ácida, fica elegante.
Tenho uma outra casta que só eu produzo no mundo, o Sercialinho, trata-se de uma herança do meu pai, apesar de não ter sido ele a fazer o cruzamento artificial, foi uma casta criada na Estação de pesquisa de Alcobaça. É um cruzamento da casta Cercial da Madeira com o Alvarinho, dai ter sido chamada de Sercialinho. É uma casta que não é boa no barro, mas na areia é excelente. É uma casta extraordinária para combinar com a Maria Gomes porque dá a acidez que por vezes falta à casta Maria Gomes, quando por alguma razão a deixámos amadurecer um pouco mais.
Depois temos o Bical que tanto pode ser plantado na areia como no barro, no barro dá vinhos muito encorpados, na areia dá vinhos com maior acidez e elegância. O Cercial é mais difícil na areia, tem que ser uma areia muito seca, mas em regiões com solo argilo-calcário resulta num vinho excecional, este vai ser a próxima grande revelação da Bairrada, depois da Baga, a grande casta tinta da região. Há três Cerciais em Portugal, o da Madeira, o da Bairrada e o do Dão e Douro.
Nós temos o Cercial da Bairrada que será o equivalente em branco ao Baga, sobretudo em regiões argilo-calcárias, tem resultado em vinhos bastante leves como só os grandes da Borgonha conseguem ser parecidos. Isto dá uma ideia de como nós podemos estar bem acompanhados e mais, conseguimos produzir estes vinhos a preços muito mais competitivos do que os da Borgonha.
Ao longo dos anos tem adquirido diversas vinhas, todas na região da Bairrada. Porquê?
As nossas vinhas estão todas na região da Bairrada, são sobretudo de herança, hoje 30 hectares de herança e 30 hectares que adquirimos. Produzimos à volta de 30 mil caixas, cerca de 270 mil garrafas. Só produzimos vinho a partir das nossas uvas e isso é que nos permite fazer as duas colheitas na mesma vinha. As vinhas são nossas, podemos controlar tudo, temos essa vantagem. Na região calcária aumentámos a nossa área adquirindo vinhas, mas tudo na região da Bairrada.
Eu sou muito “bourguignon” em termos de estilo. D. Afonso Henriques, filho de um conde da Borgonha, quando tinha a capital em Coimbra mandou vir os monges de Cister para ensinarem agricultura aos locais e talvez tivessem sido eles a ter trazido a casta que hoje se chama de Baga, é diferente do Pignon Noir, mas tem muitas semelhanças e com o Nebbiolo também. Ainda me lembro, quando era miúdo de haver uns balseiros antigos que eram como aqueles que ainda encontramos hoje na Borgonha. Quase 800 anos depois ainda há essa tradição.
Nós produzimos vinhos com a filosofia da Borgonha. São vinhos de uma só casta. No século XIX, António Augusto de Aguiar considerava a Bairrada como a segunda melhor região portuguesa, depois do Douro e o Frei Lapa, antigo professor no ISA, dizia que muitas vezes que os vinhos da Baga lembravam o Pignon Noir, lembravam a Borgonha.
Para que mercados se destina a vossa produção?
Fui o primeiro a introduzir na rotulagem o conceito de Vinhas Velhas, em 1988. Fui o primeiro a introduzir a noção de vinho de vinha, de uma só casta, e fui o primeiro a introduzir outro conceito, numa outra vinha, que pertencia a uma família da região e fomos adquirindo parcelas de terreno até que, em 2007, conseguimos adquirir a totalidade da vinha, uma vinha centenária.
Nós exportamos mais do que aquilo que vendemos em Portugal, porque eu tenho um trabalho de 35 anos de procura de mercado externo. Hoje tenho a vantagem da Baga ser conotada com a excelência, antes era mais difícil, quando estava sozinho. Em 2002 inaugurei uma pequena adega para acrescentar às que já tinha e na altura tinha dito que o meu sonho era um dia tornar a Baga uma casta reconhecida internacionalmente. Estou a chegar lá.
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