Produzir um vinho de elevada qualidade implica um grande conhecimento, muito trabalho e aprendizagem constante, implica para além de tudo, muita dedicação e uma enorme paixão. Essa paixão está na família Melo, há mais de 400 anos e os seus valores têm passado de geração em geração. Julia Melo Kemper desenvolve hoje um projeto único, de excelência, na região do Dão onde produz vinhos orgânicos de elevada qualidade.
Conte-nos a história da JULIA KEMPER WINES…
A JULIA KEMPER WINES surge com a herança desta quinta que está na família Melo há muitas gerações. Na verdade, o meu pai levou algum tempo a convencer-me a herdar, porque eu sabia que isto ia ser um encargo. Nós temos a obrigação de tomar conta da quinta e passá-la para a próxima geração, por isso, é que não é uma herança fácil, foi necessário muito trabalho e investimento e nunca será uma matéria de venda, a ideia não é essa. A ideia é manter viva esta quinta que está há muitas centenas de anos na família. Então, foi assim que começou.
Eu sou advogada em Lisboa e em 2003 comecei a tomar conta da quinta e já que o ia fazer, decidi que o faria um pouco à minha maneira.
Esta quinta tem a história de muitas gerações e cada uma trouxe as suas novidades e melhorias em cada momento, eu também quis trazer as minhas. No meu caso, influenciei-me nos vinhos franceses, não por achar que sejam melhores do que os nossos, mas por achar que os franceses eram experts em fazer chegar o vinho aos consumidores. Decidi recorrer a técnicos franceses para me ajudarem a olhar para esta quinta, ver o que é que eu devia fazer aqui. E foi isso que fiz.
Na vinha, as castas estavam todas misturadas. Decidi separá-las e fazer uma cultura casta a casta, que me permite, em vez de fazer dois vinhos – um tinto e um branco – fazer muitos vinhos diferentes. Arranquei a vinha que havia, voltei a colocar as castas que tinha, acrescentei algumas e decidi colocar um sistema de rega gota a gota, porque nós vivemos num tempo que os meus antepassados nunca viveram, que é o receio de, subitamente, não termos água. As alterações climáticas já fazem parte da nossa cultura, da forma como pensamos as coisas.
Assim, comecei a produzir vinhos, com o apoio de técnicos, não só franceses, mas também portugueses, desta região, que são muito experientes. O objetivo era fazer um vinho excelente como a minha família sempre fez, mas um vinho excelente do século XXI. Na verdade, era esse o meu objetivo e foi assim que eu continuei.
A adega tem mais de 100 anos, começou por ser do meu trisavô e tinha só um piso. Depois, o meu avô que era, para o seu tempo, tecnologicamente muito evoluído e preocupava-se bastante com a gravidade no processo de elaboração do vinho, fez mais um andar, mas não só. Fez no topo da adega o local onde antigamente se recolhia a uva para depois, no caso do tinto, a fazer cair por gravidade para os lagares.
Eu mantive a adega original, mas fiz algumas alterações. A primeira foi ao nível dos lagares. Havia dois lagares grandes e eu tive que os dividir, porque passei a ter muito mais possibilidades, mas também passei a ter, para cada lagar, menos uvas, porque eu produzo menos do que a minha família produzia.
Hoje em dia, nós podemos controlar a temperatura em toda a adega. O controlo da temperatura é muito importante na produção dos vinhos e dotei a adega de um sistema de água, refrigerada, para conseguirmos controlar sempre a temperatura ideal. O meu objetivo foi sempre fazer vinhos premium, vinhos que chamamos de boutique, com super qualidade. A partir do momento em que a uva entra nesta adega nós conseguimos sempre controlar a temperatura ideal para cada processo. Isto permite-nos ter uma qualidade muito boa, todos os anos.
Alguns dos nossos vinhos fazem estágios em barricas de carvalho. A barrica de carvalho nunca foi usada pela minha família, eu comecei a usar barricas de carvalho francês, porque entendemos, até ao momento, que se adequam muito bem ao perfil dos nossos vinhos e àquilo que, no fundo, é o nosso projeto e o nosso sonho.
Nós somos agricultores, mas ao mesmo tempo todos os nossos procedimentos têm um rigor científico muito grande. Isto é algo que nos define no século XXI, sendo que também definiu os meus antepassados na medida dos conhecimentos das suas épocas. O meu avô, que eu gosto muito de mencionar, usou pela primeira vez cubas de cimento, o que era uma revolução naquela altura. Cada geração, cada momento teve as suas revoluções tecnológicas e eu estou apenas a usar a tecnologia disponível hoje em dia, utilizando sempre os princípios de agricultor, de produtor de vinho, sempre com o desejo de encontrar o melhor vinho do Dão.
Esta é a história dos nossos vinhos. Todas as nossas uvas são de qualidade. Nós não temos vinhos divididos por melhores ou piores uvas. Só usamos uvas de topo. Nós próprios tratamos as nossas vinhas com um cuidado extremo para criar um produto muito saudável e de elevada qualidade.
Fale-nos um pouco sobre os seus vinhos…
Começo pelo nosso ‘Elpenor’. Um vinho que me faz seguir os passos dos meus antepassados, no sentido literal, porque eles faziam assim. Faziam o vinho, engarrafavam e lembro-me de ouvir dizer “agora vão dormir”. Também uso a mesma expressão. Então, eles dormem anos. Na altura dos meus antepassados, das histórias que eu conheço, chegavam a dormir muitos mais anos do que agora e isso tem a ver com a enologia, com a forma como nós trabalhamos e também com o perfil que procuramos.
O perfil deste vinho é idêntico ao que os meus antepassados já teriam. É um vinho onde a fruta está muito viva. É um vinho do Dão, um vinho muito elegante. Esta elegância vem da acidez que sentimos na boca e não no estômago. Isto é muito importante de perceber. Esta elegância, esta boa acidez, vem da região, do terroir. Isso faz-me muitas vezes pensar que o terroir é talvez até mais impressivo do que as próprias castas. Basta provarmos uma Touriga Nacional de diversos pontos do país para podermos perceber que aquela casta é diferente de região para região. Até podiam ser castas diferentes.
Nós vamos fazer essa experiência, vamos lançar pela primeira vez uma casta que nunca usámos, uma casta que não é portuguesa. Ainda é um segredo. Será um vinho de mesa ou regional, não nos interessa, porque não vivemos para denominações, vivemos para fazer vinhos ótimos, vinhos que constituam uma boa memória nas vidas de quem os consome.
Do nosso portefólio destaco também o ‘Curiosity’, o branco e o tinto. São vinhos com um perfil completamente diferente e é isso o pretendido. O objetivo é que o nosso vinho acompanhe sempre boa comida que para nós, vem tanto de uma ótima tasca portuguesa como do melhor restaurante do mundo.
Vendemos vinho do Japão até ao Brasil, em restaurantes sofisticadíssimos, mas também temos o nosso vinho nas belíssimas tascas portuguesas com a nossa ótima gastronomia, beneficiada por centenas de anos de gerações a apreciá-la e a melhorá-la. O objetivo é que o nosso vinho combine, que seja um par, de boas comidas. E é isso que tem acontecido. Faz parte do nosso projeto. Quando pensámos produzir um vinho excelente e um vinho premium era a pensar nisso mesmo. Esta é a história do nosso projeto, dita de uma forma mais ou menos curta e um pouco sobre os nossos vinhos.
Porquê a aposta na produção de vinhos orgânicos através de agricultura biológica?
Os nossos vinhos têm sido apreciados no mundo inteiro e temos conseguido fazer vendas no segmento premium de forma muito satisfatória. Produzimos o que a natureza nos permite e de acordo com a forma como monitorizamos, em cada ano, as nossas vinhas, porque o grande objetivo é que as vinhas produzam uvas de excelente qualidade.
Tem havido disparidades muito grandes na quantidade de uvas de ano para ano. Isto tem, obviamente, consequências, mas o nosso compromisso é também com a natureza. É por causa disso que fazemos agricultura biológica, tem a ver com a maneira como vivemos o nosso tempo. Nós temos a noção de que as gerações mais antigas, especialmente a partir dos anos 50, fizeram uma utilização quase violenta dos recursos, desrespeitaram-se os ciclos naturais, as pessoas começaram a achar que a técnica e a ciência podia ultrapassar a própria natureza e cada pezinho poderia produzir quase infinitamente. Houve uma exploração para lá do possível.Conscientes disto decidimos tratar das nossas vinhas através da agricultura biológica. Mais uma vez recorri a consultoria dos franceses, porque são os mais antigos a tratar do tema e, de facto, ajudaram-nos muito a pensar como é que iríamos fazer. Hoje em dia, todas as pessoas que trabalham connosco já conhecem muito bem os procedimentos e aceitam-nos muito bem. Isto porque, em agricultura biológica, cultivamos na vinha, entre as linhas, para atrair insetos, para atrair todo um mundo pequenino que nos permite controlar as pragas que são na verdade, aquilo que nos preocupa. Somos obrigados a olhar para a nossa vinha muito atentamente e a reagir muito rapidamente, portanto, temos que ter um conhecimento muito grande da nossa terra, da nossa vinha e do mundo biológico que nos rodeia, para intervirmos a tempo. Na agricultura biológica, tudo tem que ver com calma. É antecipar. Apesar de anteciparmos muito e sermos muito rápidos, todos os nossos procedimentos têm e devem ser lentos, antecipadamente, o que implica um conhecimento muito grande do nosso terroir e do que nos acontece em cada tempo. Isso é fundamental. É o que nós fazemos.
As nossas vinhas estão todas cultivadas, justamente para atrair os insetos que nos vão ajudar a combater as pragas, porque, na verdade, o que nós queremos é seguir a pirâmide da natureza. Este sistema tem-nos permitido conseguir não usar químicos de síntese e, na verdade, poupar o nosso organismo e a nossa terra. Por isso, para mim, era muito importante a agricultura biológica.
Em que mercados externos encontramos os vossos vinhos?
Nós estamos em Inglaterra, na Holanda, na Bélgica, na Alemanha e na Dinamarca. Já estamos com uma boa presença no Oriente – Taiwan, Macau e Japão. Estamos também no Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil e em África.
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