A coordenadora do EPE na Austrália, Susana Teixeira Pinto, está à frente daquela coordenação desde a sua criação, em 2013. Num país onde a oferta do ensino da língua portuguesa é feita através de escolas comunitárias, a coordenação tem um papel importante a vários níveis, seja no ensino, também a adultos, na formação de professores, ou mesmo na criação de novas escolas, como referiu nesta entrevista que integra o encarte Camões, I.P. de maio publicado no ‘Mundo Português.
Está há quanto tempo à frente da coordenação do EPE na Austrália?
Em fevereiro do ano de 2013, fui nomeada coordenadora da então recém-criada estrutura de ensino da língua portuguesa na Austrália, tutelada pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (Camões, I.P.) .
Uns anos antes tinha tido uma experiência muito estimulante na rede de ensino da língua portuguesa nos Estados Unidos, onde lecionei durante cinco anos.
Na altura, testemunhei a importância desta estrutura de ensino não apenas na afirmação internacional da importância da nossa língua, mas também como um instrumento fundamental na manutenção da identidade cultural da comunidade portuguesa no estrangeiro. Assim, não hesitei em abraçar o desafio de organizar e desenvolver a rede de ensino neste país.
Quantos alunos e professores integram a rede EPE nessa região nos vários níveis de ensino?
O levantamento dos números respeitantes à estrutura de ensino existente na Austrália foi uma das primeiras atividades a que me dediquei no início da coordenação. Atualmente estão identificados cerca de 520 alunos e 32 professores envolvidos no ensino da língua portuguesa nas escolas públicas, comunitárias e privadas, em seis estados australianos.
A nível do ensino superior, estão aproximadamente 40 alunos inscritos na Universidade Nacional de Camberra (ANU) e na Universidade LaTrobe em Melbourne. Existem ainda vários cursos de português para adultos em institutos de línguas em várias cidades australianas. No entanto, a abertura destes cursos e o número de alunos é variável de ano para ano. A própria coordenação criou um Centro de Língua Portuguesa no Consulado Geral em Sidney e, em breve, irá oferecer cursos de português língua estrangeira (PLE).
Quais têm sido as principais orientações do EPE? Quais as metas a alcançar?
A coordenação tem fundamentalmente duas vertentes principais de atuação. Em primeiro lugar, o apoio e organização das estruturas comunitárias de ensino do português onde se tem procedido, em estreita colaboração com os professores locais, à implementação dos procedimentos comuns relativos aos programas de Língua Portuguesa, de acordo com as orientações do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas estrangeiras (QECR) e com o Quadro de Referência do Ensino do Português no Estrangeiro (QuaREPE).
Têm sido desenvolvidas várias iniciativas no âmbito da formação de professores, da atualização dos materiais didáticos, da distribuição dos manuais escolares anualmente disponibilizados pelo Camões, I.P., da dinamização de bibliotecas itinerantes, do acesso a novas tecnologias de ensino, da organização de visitas de escritores portugueses às escolas, do envolvimento das escolas em atividades culturais portuguesas. A coordenação tem também dado particular atenção à certificação e à oferta de novos cursos, nomeadamente para adultos.
Outra área de atuação da coordenação é garantir a representação da língua portuguesa junto das instituições governamentais australianas. Num país como a Austrália, que celebra a multiculturalidade, com uma comunidade de falantes da língua portuguesa, que tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos, é fundamental a existência de um interlocutor que garanta a presença da nossa língua.
Que atividades de complemento ao ensino têm sido desenvolvidas e quais estão agendadas?
Para além do ensino da língua portuguesa, a coordenação tem atuado em estreita colaboração com o Embaixador de Portugal, Paulo Cunha Alves, e a Cônsul Geral de Portugal, Sofia Batalha. Desta sinergia têm resultado inúmeras iniciativas que passam por concertos de música, exposições de pintura, palestras, cinema e festivais culturais.
A título de exemplo, destaco a exposição que está a decorrer da obra da artista plástica Balbina Mendes, o festival de cinema ‘NYPortuguese Short Film Festival’ em parceria com o ‘Arte Institute’ que vai ser apresentado pelo terceiro ano consecutivo em Sidney, e o concerto de música barroca portuguesa no Conservatório de Música de Sidney, dirigido pelo maestro português Neil da Costa. Também temos organizado anualmente a visita de um autor português de literatura infanto-juvenil que, para além de participar em atividades promovidas nas escolas portuguesas de várias cidades australianas, costuma também apresentar a sua obra na Universidade Nacional de Camberra, onde existe uma disciplina de Português e Espanhol.
A coordenação desenvolve também atividades relacionadas com a formação de professores…
A formação de professores foi uma das solicitações principais dos docentes na Austrália. Desta forma, a coordenação tem tido um papel ativo na organização e promoção de ações de formação para os professores em Sidney, Melbourne, Perth, Camberra e Darwin.
Em 2014, tivemos a presença de um agente pedagógico que organizou workshops em Melbourne e Sidney e, nestes últimos dois anos, temos contado com a preciosa colaboração do IPOR – Instituto Português do Oriente – que tem apoiado a deslocação de um dos seus professores para garantir a formação. Finalmente, investimos na formação a distância – online e por videoconferência – nomeadamente com a Universidade de Coimbra. A coordenação tem feito um investimento importante na atualização pedagógica dos docentes de forma a contribuir para um ensino de qualidade, adaptado à realidade local.
Como é feita a articulação com as escolas comunitárias portuguesas?
Ao contrário de outros países, a maior parte da oferta do ensino da língua portuguesa na Austrália é feita através de escolas comunitárias. Existem escolas comunitárias em funcionamento há mais de 20 anos. Estas escolas funcionam normalmente à sexta-feira à tarde e ao sábado de manhã como atividade extra curricular.
A criação da coordenação na Austrália foi uma aspiração antiga da comunidade portuguesa e em particular dos professores. Tem havido uma disponibilidade absoluta por parte dos docentes para cooperarem voluntariamente com a coordenação. Por sua vez, a coordenação, para além das atividades descritas anteriormente, tem distribuído anualmente os manuais escolares disponibilizados pelo Camões, I.P. a todos os alunos do ensino básico e secundário, inscritos nos cursos de língua e cultura portuguesas.
A coordenação também tem tido um papel fundamental na criação de novas escolas comunitárias (seis novas escolas) e na negociação com a Federation of Community Schools do Ministério da Educação australiano, relativamente ao apoio institucional e financeiro e à cedência de instalações.
Num país onde reside uma considerável comunidade portuguesa, mas antiga, o futuro do português passará pela sua dinamização como língua estrangeira?
Neste momento, o ensino da língua portuguesa na Austrália já é assumido como segunda língua ou como língua estrangeira. Existe uma comunidade, que já vai na terceira geração, nas nossas escolas, que beneficia desse estatuto.
No entanto, também se tem verificado um novo fluxo de emigração de famílias vindas de países lusófonos a quem temos assegurado o ensino da língua portuguesa como língua materna ou como língua de herança.
Que caminho há ainda a percorrer pelo EPE na Austrália?
Num território imenso que é a Austrália, os caminhos parecem não ter fim. Da mesma forma, para a coordenação, existe a noção de que o percurso é longo e ainda só foram dados os primeiros passos. Apesar disso, estou consciente de que já foi feito um trabalho importante e com resultados claramente positivos e quantificáveis.
Com a consolidação da rotina das escolas comunitárias, é importante agora apostar em iniciativas de promoção da língua portuguesa junto dos australianos.
A dinâmica da língua portuguesa criada pelas oportunidades de negócios, pelos grandes eventos desportivos internacionais organizados no Brasil, pelo destaque do turismo em Portugal, e pela proximidade a Timor-Leste, faz com que exista um interesse crescente na aprendizagem do português na Austrália.
Acredito por isso que será possível tornar a nossa língua numa das línguas influentes neste país. Como diz um provérbio aborígene “Os que deixam de sonhar, estão perdidos”…