Por mares nunca dantes navegados, há 600 anos atrás os portugueses seguiram ao encontro de outras terras e novos povos. O esforço para conquistar locais longínquos e cheios de perigo era o preço a pagar pela abertura de novas rotas do comércio. Este especial sobre «A Presença Militar Portuguesa à Época dos Descobrimentos», que poderá ler ao longo de várias semanas, destaca o papel inovador de portugueses que os levou a vencer grandes batalhas…
Ceuta era no início do século XV, uma cidade marroquina situada no Norte de África. Em 1415 foi conquistada pelos portugueses. Esta conquista marca a primeira expedição dos portugueses àquele Continente.
Depois de assinado o tratado de paz entre Portugal e Castela em 1411, Portugal parte à conquista do Norte de África, sobre o comando de D. João I.
Ceuta foi a primeira diligência militar que Portugal organizou. A ‘Crónica da Tomada de Ceuta por El Rei D. João I’, escrita por Gomes Eanes de Zurara, é o relato dos preparativos para a expedição, a organização das tropas e o confronto com os mouros.
As razões que levaram os portugueses a partir para esta expedição centraram-se, segundo António Sérgio, na procura pelo trigo de Marrocos. Já Jaime Cortesão escreve que esta teve a ver com fatores religiosos e com a necessidade de impedir a pirataria muçulmana no Mediterrâneo.
Contudo, Gomes Eanes de Zurara relaciona a expansão com a “juventude” dos infantes: o cronista refere que estes não queriam ser coroados cavaleiros em festas e justas, mas sim a partir de um grande feito. A nobreza precisava exibir os seus talentos. Necessitavam provar que eram bons e que não sabiam apenas caçar, mas que também sabiam fazer a guerra.
Cobiça e posse da terra
Contudo, Luís Miguel Duarte cita outras causas e razões para o assalto e para a guerra de Ceuta – motivos económicos e sociais. Segundo palavras de John Hale as razões seriam a “cobiça” e “posse de terra”, ou ainda o direito que os cristãos tinham de possuir terras ocupadas por mouros, por ‘infiéis’. Mas claro que não podemos esquecer que os homens que participavam nas guerras também o faziam pelos lucros que podiam obter nos saques…
Conquistar Ceuta podia ter outras vantagens, tais como dominar as rotas comerciais que passavam pelo estreito de Gibraltar e ligavam o mar Mediterrâneo à Europa Ocidental. Ceuta era um porto rico em comércio saariano. Contudo, o principal objetivo de Portugal em tomar Ceuta era criar e conquistar as rotas marítimas no estreito de Gibraltar e neutralizar a pirataria que se fazia sentir na entrada do Mediterrâneo.
Esta pirataria aterrorizava a costa algarvia, ameaçando as navegações no estreito. Assim, se Portugal conquistasse Ceuta podia controlar o Atlântico, conquistar o Norte de África e controlar a pirataria. Segundo o vedor da Fazenda, Afonso de Alenquer, Ceuta era uma cidade rica e grande, fácil de cercar, devido estar quase toda rodeada de mar.
Portugal parte então à conquista desta cidade com a aprovação do Papa. Sabemos isso devido às bulas de cruzada que foram dadas a Portugal desde 1341.
Assim sendo, a ocupação de Marrocos era um prolongamento “natural” da conquista do Algarve.
Antes de partir para a expedição o Prior do Hospital enviou dois homens para espionarem Ceuta e obterem informações sobre as defesas da cidade, as suas características, os melhores lugares para o desembarque e quais os melhores pontos de ataque.
Quando estes homens voltaram a reunir-se para dar as informações que conseguiram obter, Afonso Furtado informa que a cidade era fácil de cercar por mar, fazendo uma representação em maqueta da cidade nos aposentos do monarca.
Os preparativos duraram 18 meses, foram reunidos mantimentos e três fidalgos franceses e um barão alemão juntaram-se aos portugueses com 40 escudeiros. Sete galés e algumas naus, juntamente com um grupo de navios, chegaram com D. Henrique a Lisboa, lá já os esperavam oito galés armadas.
Uma manobra de distração
No verão de 1415, a esquadra parte do porto de Lisboa, fazendo uma primeira paragem no Algarve onde foi divulgado o verdadeiro objetivo da missão. Depois de partir do porto de Lagos, a frota é dividida devido a uma tempestade, reunindo-se em Algeciras. Lá foi formado o conselho e decidido o que fazer a seguir, atacar Ceuta ou se voltar para Portugal. O rei decidiu avançar e manter o ataque à cidade.
A 9 de agosto, quando os marroquinos deram pela presença portuguesa pediram ajuda às cidades vizinhas. As lutas começaram de imediato e logo foram disparados trons e bestas sobre as galés porém sem sucesso, pois estas estavam demasiado longe.
D. João I manda esperar antes de se atacar a cidade, porque devido à tempestade a frota não estava toda reunida. O plano do rei era organizar uma manobra de distração com os infantes, ou seja, a frota iria dividir-se em duas partes e quando uma delas atraísse a atenção dos mouros reorganizar-se-ia e atacariam a praia todos juntos.
Porém, a 21 de Agosto, ainda o rei não tinha dado ordens para o desembarque, notou que um dos soldados, do Conde de Barcelos tinha desembarcado e dirigia-se na direção da praia. Também D. Henrique, desembarcou com os seus homens. Chegam 150 homens à praia, escaramuçando com os mouros e empurrando-os para dentro da cidade. Quando D. Henrique e D. Duarte viram que tinham possibilidade de entrar na cidade não esperaram pelas ordens do Rei, entrando de imediato em Ceuta.
D. João I, que observava a luta de longe, tinha sido ferido numa perna. Do mar o monarca não conseguia ver como estava a correr a batalha em terra, o que o deixava impaciente.
Combates corpo-a-corpo
Os infantes estavam a ganhar terreno, por isso Salah-bem-Salah mandou recuar para a alcáçova, o último reduto. Ceuta foi tomada através de batalhas corpo-a-corpo. A batalha durava já há algumas horas, os homens estavam estafados com a luta e com o calor, precisavam de descansar e começaram assim a separar-se, dividindo-se em pilhagens e roubos na cidade. Este ato podia comprometer toda a ação, pois os homens estavam desorganizados, cansados, divididos e podiam tornar-se alvos fáceis.
Enquanto isso D. Duarte manda chamar D. Henrique para o ajudar na mesquita. Esta é mais importante que a própria alcáçova, pois conquistar a mesquita representava conquistar Alá. D. Henrique não obedeceu de bom grado, mas acabou por ir em auxílio do irmão deixando a alcáçova.
Salah-bem-Salah aproveitou a ausência do infante e das tropas e fugiu do castelo. Depois da mesquita conquistada, os infantes decidiram descansar durante a noite, e atacar a alcáçova no dia seguinte. Foram dadas ordens aos soldados para permanecerem no cerco à alcáçova, mas para deixarem um ponto de fuga de forma a que o inimigo pudesse dar por este. Pois nunca se deve “encurralar” o inimigo sem uma margem para fuga: se isso acontecer, este pode investir de forma desesperada contra os invasores levando-os assim à perda da batalha…
As armas usadas na conquista de Ceuta foram basicamente armas de mão, os trons e as bestas dos mouros foram pouco usadas, pois segundo o cronista quando os cristãos se envolveram em lutas corpo-a-corpo era difícil distinguir os aliados, dos inimigos.
O que nos leva a crer que o equipamento dos mouros e dos cristãos, podia ser em parte parecidos. Também temos de nos lembrar que numa luta destas dimensões os soldados estariam sujos de lama, pó, sangue. D. João I estava equipado com uma cota de malha, barreta e espada, porém não levava arnês de pernas devido a um ferimento.
Ceuta estava assim tomada, marcando o início das guerras de expansão em África.
ESTRATÉGIAS DE UMA BATALHA
Nesta imagem acima podemos ver um esboço da aproximação e do desembarque das tropas portuguesas em Ceuta. O primeiro plano foi decidido pelos conselheiros, mas este foi recusado por D. João I. Estes aconselharam o monarca a desembarcar a Oeste da Cidade, assim podiam impedir a ajuda inimiga vinda do Continente e fechar o cerco. No ponto seguinte o rei simulou o desembarque das frotas no extremo Oeste de Ceuta. Mas na realidade o Infante D. Henrique desembarcou pela direita de Ceuta e conquista a praia de Santo Amaro.
D. João I não comandou diretamente esta batalha, depois de chegarem à porta de Almina, D. Henrique acaba por seguir o conselho de D. Duarte e entra na cidade sem esperar a chegada dos reforços de D. João I. Já a meio do dia, duas colunas comandadas pelo Conde de Barcelos e por Martim Afonso de Melo avançam por terra, vencendo os mouros que atacavam em contra-ataques. No final da batalha, a alcáçova foi tomada pelos portugueses. Através da Crónica da tomada de Ceuta, podemos ver que a cidade foi tomada sem tecnologia de cerco, sem máquinas de aproximação, nem máquinas de assalto. Esta batalha foi travada essencialmente através de combate corpo-a-corpo, como já foi referido.
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