Marisa Mendonça defende que a grande riqueza da Língua Portuguesa está tanto na sua ‘unificação’, como na sua pluralidade. Se por um lado é importante que mantenha níveis de unicidade elevados, “pois estamos a falar de uma mesma língua”, por outro lado, os vários “sabores e cores” desta língua ancestral têm “uma riqueza impressionante”, explicou. Para a Diretora Executiva do IILP, a Língua Portuguesa é “um património riquíssimo” que tem uma dimensão “verdadeiramente pluricêntrica”, como revelou nesta entrevista.
É Diretora Executiva do Instituto Internacional da Língua Portuguesa desde 2014. O que a levou a aceitar este ‘desafio’?
As motivações para aceitar o “desafio” de dirigir o IILP foram diversas. Posso eleger, de entre várias: i. ter tido, até ao momento em que me propuseram tal desafio, uma carreira profissional, de mais de 30 anos, ligada à docência da Língua Portuguesa (LP) e à gestão de unidades académicas, em Moçambique, que me proporcionaram experiências de gestão e, não só, riquíssimas e que foram, para mim, uma “grande escola”; ii. ter sido uma solicitação do meu país, ao qual desde os 18 anos, quando me tornei professora de LP, tenho respondido sem reservas, envolvendo-me em ações e em projetos nos quais acredito e que sempre se prenderam com o ensino da LP, da formação de professores e outros relacionados; iii. já estar ligada ao IILP, como membro da Comissão Nacional do meu país e reconhecer muita importância e potencialidades, tanto nos principais projetos em desenvolvimento no/pelo Instituto, quanto ter percebido as possibilidades que o IILP, como órgão estratégico da CPLP, tem em ser/ tornar-se cada vez mais numa verdadeira referência incontornável como identificador de temas, na planificação de ações e na articulação de atores diversos para a execução dessas mesmas ações, voltadas para a promoção e difusão da LP.
Que projetos o IILP já desenvolveu e está a desenvolver?
Em primeiro lugar importa enaltecer o trabalho realizado pelo meu antecessor, Prof. Doutor Gilvan Muller de Oliveira. Sob sua direção, o Instituto iniciou projetos importantíssimos, que ainda hoje percorrem fases de desenvolvimento, quer seguindo as perspetivas inicialmente delineadas, quer caminhando por trilhos reajustados, em função de novas demandas e de novas necessidades e exigências. Os principais projetos que desenvolvemos são os que respondem às ações preconizadas pelos principais instrumentos-bússola para a nossa atividade: o Plano de Ação de Brasília (2010) e o Plano de Ação de Lisboa (2013), ambos resultados de Conferências Internacionais sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial.
Dos projetos em curso, os de maior dimensão e, certamente, impacto, são: o Vocabulário Ortográfico Comum da língua Portuguesa (VOC), o Portal do Professor de Português Língua estrangeira (PPPLE) e a Revista Platô.
O VOC é uma plataforma de acesso gratuito, que já disponibiliza neste momento os Vocabulários Nacionais do Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e de Timor-Leste. No desenvolvimento deste projeto foi possível formar equipas nacionais especializadas para cada um dos Estados-Membros, principalmente para aqueles que nesta área não tinham recursos humanos para realizarem as ações locais. Neste projeto o IILP é assessorado tecnicamente pelo CELGA-ILTEC, um Centro de Investigação da Universidade de Coimbra. A plataforma encontra-se disponível através do endereço http://voc.iilp.cplp.org.
O Portal do Professor de Português Língua Estrangeira está disponível através do endereço http://www.ppple.org. É igualmente de acesso gratuito e permitiu a constituição e formação de equipas nacionais. Os recursos didáticos são produzidos em cada Estado-Membro e, no seu conjunto, refletem as diferentes sensibilidades e experiências do ensino do PLE, nos vários contextos. Estão já disponíveis unidades didáticas de Angola, Brasil, Moçambique, Portugal e de Timor-Leste. Espera-se este ano incluírem-se recursos produzidos em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O Portal apresenta ainda outros materiais mais específicos, destinados a um público que aprenda o português como língua de herança; destinado a falantes de Espanhol e, também, a falantes de Mandarim. A assessoria técnica é feita pela Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira (SIPLE).
A Revista Platô está disponibilizado através do endereço iilp.cplp.org e apresenta temáticas diversificadas.
Importa referir o “TCTC: Terminologias Científicas e Técnicas Comuns da Língua Portuguesa” (TCTC), que aguarda por um financiamento para se poder iniciar. O IILP prepara-se para elaborar, ainda este ano, com o apoio de parceiros com experiência nesta área, o projeto “Plano de Leitura CPLP”, que se pretende que seja um projeto de complexidade significativa, tanto pelos objetivos que se estabeleceram, pelos resultados que se preveem, quanto pelas contribuições e envolvimento de áreas setoriais como a cultura, a educação e a ciência, inovação e ensino superior. Esperamos realizar, ainda este ano, as reuniões técnicas necessárias, que possibilitem a configuração deste projeto.
Qual é a importância, na sua opinião, do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP?
É importante a existência esse dia, no qual, de forma muito singular e focada se reflete sobre esse assunto, quer analisando/avaliando o percurso feito, quer perspetivando novas e importantes ações e delineando novos caminhos para novas necessidades e interesses. A comemoração desta data é já uma realidade na totalidade dos Estados-membros da CPLP. Mas não só. Noutros países e noutros quadrantes, essa comemoração já se realiza. Esse dia, 5 de maio, faz-nos pensar e sentir que trabalhamos para um património riquíssimo, comum: a LP e a cultura da CPLP.
Qual é, para si, a mais-valia do Acordo Ortográfico?
Relativamente ao Acordo ortográfico, penso que já tudo foi dito. Mas, para mim, a maior valia é a maior aproximação das ortografias de uma mesma língua, falada a “várias vozes”. Neste momento, é ainda difícil determinar o número de falantes que já adotaram o AO, pelo facto de que nalguns dos Estados-Membros da CPLP estarem ainda em vigor, oficialmente, as duas ortografias.
O VOC é fundamental para a adoção do Acordo Ortográfico (AO) por todos os países membros da CPLP?
A criação do VOC é um apoio fundamental à implementação do AO, mas não só. Na plataforma VOC ainda não estão inscritos todos os Vocabulários Nacionais. Temos já disponíveis os do Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e de Timor-Leste. O Vocabulário Nacional de São Tomé e Príncipe já se encontra num estágio avançado, mas são ainda necessárias ações para a sua finalização e tudo dependerá do envolvimento das autoridades nacionais santomenses. Mesmo ao nível dos produtos nacionais, este trabalho impõe-se permanente, considerando-se as mudanças a que se assistem ao nível desta área da língua, de forma particular.
O estudo ‘Potencial Económico da Língua Portuguesa’ revelou o espaço global que o Português ‘ocupa’ também a nível económico. O interesse pelo Português será maior quanto maior for a sua importância ‘económica’?
O fator económico dá à LP um valor acrescido. Coloco-me várias vezes questões do tipo: Por que é que, atualmente, tantos países se aproximam da CPLP, pretendendo candidatar-se a Observador Associado? Penso que não seria justo pensar que a única motivação é a questão económica, mas, acredito que esta será, pelo menos, uma das mais determinantes. Devemos considerar, também, a localização estratégica dos Estados-Membros da CPLP, alguns deles com potencialidades reconhecidas a vários níveis. Se pensarmos no que significa e significará, daqui a dez anos ou mais, o potencial energético do conjunto dos países da CPLP, temos matéria suficiente para entendermos a dimensão e a potencialidade da LP e da Organização.
Na sua opinião, o que será preciso para que o Português seja adotado como língua de trabalho em todas as organizações internacionais e até na Ciência?
Para isso é necessário investirmos/ posicionarmo-nos de forma diferente, assumindo-nos, nós mesmo, cidadãos dos Estados-Membros da CPLP “embaixadores” para a promoção e internacionalização da LP. Se ao nível dos nossos países acreditarmos nas potencialidades da LP com os mais pequenos gestos, a promoção e o seu próprio desenvolvimento terão ritmos mais visíveis. Alguns aspetos que deveríamos corrigir seriam, por exemplo:
– Adotar o uso da LP nas reuniões, nas Organizações Internacionais. E este sinal a ser dado pelos governantes dos nossos Estados-Membros teria um efeito considerável, do ponto de vista positivo;
– “Preparar a LP” para se instalar, efetivamente, nas Organizações Internacionais. Por exemplo, investindo mais, por um lado, na formação de tradutores e intérpretes de e para o Português, criando-se bases terminológicas comuns;
– Usar a LP nas Conferências académicas, organizadas nos Estados-Membros a LP como primeira língua de trabalho;
Há um conjunto de “pequenos gestos” que podem marcar a diferença e promover a nossa língua com uma dimensão e força acrescidas.
Para si, onde está a grande ‘riqueza’ da Língua Portuguesa: na sua unificação ou na sua pluralidade?
A grande riqueza da LP está tanto na sua “unificação” (termo que pode suscitar interpretações ambíguas e até perigosas), mas também, na sua pluralidade. A LP é propriedade de tantos falantes, que ela é obrigatoriamente plural. É importante, por um lado, que tenha e mantenha níveis de unicidade elevados, pois estamos a falar de uma mesma língua; mas, é de uma riqueza impressionante ver a NOSSA língua com “sabores e cores” tão diferenciados, fruto dos vários percursos, dos seus atuais estágios de desenvolvimento; resultado da sua convivência com outras línguas e culturas tão diversificadas. Daí pensarmos que esta nossa língua tem uma dimensão verdadeiramente pluricêntrica.
Que sonoridade tem para si, a Língua Portuguesa?
Para mim, tem uma sonoridade imensamente rica e plural, marcada pelas nossas aproximações e pelas nossas diferenças, enquanto estados-Membros do grande universo que constitui a CPLP, mas também a sonoridade trazida por todos os outros seus falantes espalhados pelos quatro cantos e recantos do mundo.
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