Passaram mais de 150 anos desde que a primeira pedra da Casa da Passarella foi colocada e a primeira vinha foi plantada na quinta. Anterior à demarcação da região do Dão, a Casa da Passarella tem resistido ao passar dos tempos e surge renascida em pleno século XXI com propostas de grandes vinhos que tornaram esta casa lendária.
Conte-nos a história da Casa da Passarella?
Esta casa tem uma história imensa. A região demarcada do Dão é a região demarcada de vinhos tranquilos mais antiga do país, data de 1908. Se for de vinhos licorosos, obviamente, é a região demarcada do Douro. Esta casa é anterior à demarcação da região. A casa nasce em 1892 e temos uma garrafa que data de 1893.
Não se demarca uma região sem haver uma consistência de vinhos. Ninguém demarca uma região de vinhos se não houver o produto endógeno. Isto significa que foram casas como a Passarella que demarcaram a região do Dão, pela qualidade dos vinhos. Quando olhamos para a região do Dão, olhamos para quatro ou cinco casas, que ainda hoje existem e cuja região do Dão foi demarcada a partir delas. A Passarella tem a particularidade, entre essas 4 ou 5 casas, de continuar a ser um negócio familiar. Algumas das outras casas estão ligadas a grandes grupos económicos e a Passarella mantém, desde sempre, há mais de cem anos, um regime de vigneron, francês, familiar e de exportação.
Em 2008 a Passarella sofreu uma transformação profunda. Até aí a casa dedicava-se muito à produção de vinho a granel para outros produtores engarrafarem. A partir de 2008, houve uma mudança de família e o objetivo foi redefinido. A redefinição passou por engarrafar a produção na totalidade. O grande trabalho que foi feito, desde 2008 até hoje, foi, no fundo, ir às origens. Sabíamos, à partida que tínhamos potencial, sabíamos que havia vinhos míticos que tinham saído desta casa para outros engarrafadores e, então, o trabalho foi de pesquisa. Tentámos perceber, na viticultura, o que é que tinha sido feito nos anos 50 e nos anos 60 quando saíram daqui vinhos que, de alguma forma, deram a glória a esta casa. Este trabalho, quase de arqueologia, é o trabalho que hoje continuamos a tentar fazer. O nosso potencial é a nossa história. Sempre com respeito, seja na viticultura, seja nas práticas enológicas, seja na abordagem de mercado. De uma forma resumida, é este o projeto da Casa da Passarella.
(…) O Dão é dividido em 7 sub-regiões e a última, a sub-região da Serra da Estrela, do lado Este, termina aqui. O Dão, é como se fosse um anfiteatro, que começa no sopé da Serra da Estrela, e vai decaindo até ao palco, que é Viseu (…)
A Casa da Passarella produz vinhos com características muito próprias. Como justifica essa diferenciação?
Eu considero que nós, na região do Dão somos privilegiados. O Dão é dividido em 7 sub-regiões e, destas sete sub-regiões, a última, a sub-região da Serra da Estrela, do lado Este, termina aqui. O Dão, é como se fosse um anfiteatro, que começa no sopé da Serra da Estrela, e vai decaindo até ao palco, que é Viseu. E isso transmite vinhas em altitude, aqui, temos vinhas nas cotas de até 750 metros. Isto tem uma importância enorme, porque temos grandes amplitudes térmicas entre a noite e o dia, temos caraterísticas de tempo, humidade, chuva, completamente diferentes de outras sub-regiões do Dão. E, de uma forma objetiva, isso é transmitido no vinho. E transmitido de que forma? Nós, aqui, temos uma componente anímica e ácida muito mais acentuada. Não é por acaso que nós começamos as vindimas muito mais tarde do que na outra ponta do Dão, em Silgueiros. Fazemos, muitas vezes, três ou quatro semanas, de diferença nas vindimas. Estamos a falar de 30 ou 40 quilómetros, que fazem uma diferença abismal.
Isto significa que temos vinhos mais elegantes e que necessitam, muitas vezes, de mais tempo para introdução no mercado. Enquanto, noutras sub-regiões, ao fim de um ou dois anos, facilmente conseguimos colocar os vinhos no mercado e prontos a beber, nesta sub-região os vinhos são muito mais elegantes, necessitam de muito mais tempo para ir para o mercado. É uma caraterística, de facto, diferenciadora.
Qual é o vosso portefólio de vinhos?
Nós produzimos vinhos brancos, tintos e vinhos rosados, são as três linhas que temos. O branco foi, de facto, onde se fez um trabalho mais acentuado, porque o Dão sempre foi conhecido pelos vinhos tintos.
O vinho branco, houve um determinado período na história de Portugal em que era quase um sub-produto. Até porque, talvez, o consumo do vinho branco assim o ditava, porque muitas vezes o consumo desse vinho branco era sazonal. Hoje em dia, o mercado global, nacional e internacional, consome vinhos brancos durante o ano todo. Houve a necessidade de olharmos de uma forma muito mais séria para as uvas brancas. A enologia deu uma salto fabuloso nos vinhos brancos, em particular, no Dão.
Eu costumo dizer que o Dão tem um potencial ainda maior de fazer grandes brancos, do que tintos. Está provado que fazemos grandes tintos, mas os brancos, saem todos os anos, de forma sistemática, consistentes e, de facto, de grande qualidade.
Já têm algum volume de exportação? Em que mercados?
O grande boom que tivemos desde 2008 tem sido distribuído entre o mercado interno e o mercado externo. Embora, esse crescimento tenha sido muito mais acentuado no mercado externo. No último ano fechámos com 60% de mercado externo e 40% de mercado interno. E isso não implica um decréscimo, muito pelo contrário, nós também crescemos no mercado interno, crescemos foi muito mais no mercado externo.
Em 2010 decidimos passar para o mercado externo e ir à procura.
Focámo-nos em determinados mercados. Não fazia sentido, para uma casa da dimensão da Passarella, andarmos a dispersar tiros e desperdiçar energias. Focamo-nos em três mercados, à época.
Nos Estados Unidos, no Brasil e no Canadá. São três mercados que, hoje em dia, funcionam por si próprios. E, de facto, a expectativa, hoje, é apontarmos armas para o Oriente. Não me refiro à China, mas basicamente em países mais específicos, de nicho – Hong Kong, Coreia, Macau e Japão. Basicamente são estes os targets que, atualmente, procuramos.
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