Aníbal de Almeida: “Hoje o jornal está adaptado às circunstâncias atuais”

Data:

Nascido a 4 de agosto de 1940 em Vale de Cambra, aluno do Seminário Mayor do Porto, viajou para França com 25 anos. Em 1968 depois de uma viagem a Portugal viu-se impedido de adiar o serviço militar por isso foi dado como refratário pelo regime. Em França, desde muito cedo se dedicou ao combate das injustiças e das dificuldades que os portugueses enfrentavam ao chegar a França. Foi naquele país que se tornou correspondente de ‘O Emigrante’, acompanhando os primeiros anos deste jornal, que todos conhecem como ‘O Emigrante/Mundo Português’…

Como decidiu vir para França?
Frequentava o Seminário Maior do Porto e, em consequência de diversos problemas relacionados com o apoio ao Bispo titular da diocese,  D. António Ferreira Gomes,  exilado por Salazar e, na altura com residência em Lurdes,  no início de 1965, fui aconselhado pelo vice-reitor, a ir-me embora de livre vontade, para evitar que me mandassem.
Um ano antes, no Verão de 1964, tinha vindo a França para uma reunião num Instituto Religioso de Padres operários. Na altura estavam bastante fluorescentes e desenvolvidos aqui e pretendiam alargar o Instituto e interessava-lhes Portugal. Eu fui contactado por um padre espanhol, de Oviedo, que estava a estudar em França e estava ligado a eles para lançar o Instituto em Espanha. Aproveitei a ocasião e vim-me embora para França em abril de 1965 para contactar o instituto e ver o que se podia fazer. Finalmente acabei por não aderir e acabei por me inscrever no Instituto Católico de Paris para concluir o curso de Ciências Sociais.

Como conheceu o jornal ‘O Emigrante’?
Um dia recebi um exemplar do jornal “O Emigrante” com uma foto do padre Vítor Melícias que era o diretor e o Presidente da República, Américo Tomás. Eu escrevi logo uma carta a reclamar com o Padre Vítor onde escrevia que com todos os problemas que temos com esses políticos, vão lançar um jornal para a emigração, logo com uma imagem do regime, era um bocado complicado. Isto passou-se, nem tive resposta.
Em 1972 estava em Portugal e fui a um colóquio em Buarcos, perto da Figueira da Foz a convite de uma assistente social portuguesa que tinha estado em França. Quando chegámos apareceu um Padre que eu não reconheci e comecei a conversar com ele. A conversa foi andando e nós não nos conhecíamos até que a dado momento ele se apresentou e eu lembrei-lhe da carta que lhe havia enviado. Desde aí ficámos amigos. Simpatizámos um com o outro.

Como se tornou colaborador do jornal ‘O Emigrante’?
O Padre Vítor Melícias perguntou-me se eu podia colaborar com o jornal. Na altura enviava-lhe informação, maioritariamente social. As preocupações dos anos 70 eram a regularização das pessoas quando chegavam a França, era necessário autorização de residência e de trabalho, os problemas da Segurança Social, dos abonos de família, a legislação do trabalho em França.
Nesta altura eu trabalhava numa espécie de part-time, do qual sobrevivia, numa associação que existia com a missão de fazer acolhimento de pessoas nas gares dos caminhos-de-ferro. Tinha uma delegação em Bayonne, outra em Bordéus e em Paris. Todos os dias chegavam emigrantes a França, havia até o famoso “comboio do emigrante” que chegava a Paris pelas 16 horas e trazia sempre muitos portugueses, sobretudo do norte e centro de Portugal, muitas vezes nem documentos traziam.
No final dos anos 60, até 1975 a necessidade de mão-de-obra indiferenciada em França era enorme. Na primeira Guerra Mundial tinha havido um acordo entre a França e Portugal celebrado no âmbito do esforço de guerra que previa que Portugal enviasse para a França 30 mil trabalhadores. Não chegaram a vir 30 mil, mas vieram cerca de 15 mil trabalhadores, junto com o contingente Português que veio para a guerra e que muitos ficaram cá e fizeram vida aqui. Na crise de 1929 havia já cerca de 30 mil trabalhadores portugueses em França, com a crise muitos regressaram a Portugal e em 1936, depois da segunda Guerra Mundial havia alguns portugueses, mas não eram muitos. Entretanto isso tinha dado a ideia ao patronato francês de que os portugueses eram simpáticos, ordeiros e trabalhadores e sobretudo que aceitavam ser explorados. É evidente que França começou a fazer pressão sobre o governo português para abrir fronteiras, para deixar passar a emigração. Claro que o regime não estava de acordo com isto porque temia a imagem que este facto daria acerca do regime e da situação do país.

Então como é que houve um êxodo tão grande de Portugueses para França?
O próprio patronato francês ajudou a organizar a passagem clandestina de trabalhadores. A Citroen ou a Michelin, por exemplo, enviavam emissários portugueses a Portugal para recrutarem trabalhadores em Portugal, mas como não obtinham autorizações vinham clandestinamente.
Entretanto houve um acordo celebrado no início dos anos 60 que previa que viessem legalmente cerca de 30 mil portugueses por ano, mas esse acordo nunca foi respeitado e como os emissários portugueses das empresas francesas não tinham outra opção, criaram redes de passadores que se foram multiplicando até que os emissários das empresas francesas já só precisavam de ir às estações de comboio a Bayonne, ou outras e levavam os emigrantes para as empresas. Foi assim que se desenvolveu a emigração, mas clandestina, as pessoas chegavam aqui e inicialmente não tinham nada.
Havia também o problema da travessia de Espanha que tinha que se fazer a pé, porque havia um acordo entre o governo de Espanha e o governo Português em que os emigrantes que fossem apanhados sem licença militar ou sem passaporte eram presos em Espanha e lá passavam 6 meses, até um ano, nas prisões espanholas. Ainda foram apanhados bastantes e alguns mais do que uma vez.

E as condições em que era feito o transporte dos emigrantes nos comboios?
Houve uma altura em que o presidente do comité que fazia o acolhimento aos emigrantes nas gares pretendia ver como é que era feita a viagem clandestina de Portugal para França e queria também fazer uma viagem no comboio dos emigrantes para perceber o que se passava e pediu-me para participar na organização da viagem e acompanhá-lo. O resultado desta viagem foi o reconhecimento de que os problemas eram de tal ordem e a exploração era tanta que o presidente decidiu criar um serviço de hospedeiras no comboio dos emigrantes de Hendaye para Paris, para indicar, orientar e ajudarem as pessoas. Havia muita exploração até dentro do próprio comboio, uns para encontrar trabalho, outros para encontrar dormida, tudo era pago. As pessoas vinham aflitas, não sabiam para onde ir e aceitavam pagar. Depois à chegada viam-se completamente sem nada. Em Austerlitz era igual, as pessoas saiam e havia os táxis clandestinos, sobretudo de portugueses, que vinham e propunham-se a transportar as pessoas e decidiam os preços que anunciavam à partida, quando chegavam era outro preço. Havia milhentas formas, ajudavam a encontrar trabalho, a encontrar dormidas, ajudavam a resolver os problemas de regularização administrativa, mas acabavam por ficar com o dinheiro e não faziam nada. Estes eram uma das preocupações na altura e era isto que queríamos combater.

Que tipo de artigos produzia para o jornal?
Eu enviava regularmente artigos, informações ou rubricas. Houve uma altura em que fazia muita informação técnica, os direitos e deveres dos portugueses em França. Depois em 1982 preparei e foi publicado pelo “O Emigrante”, o “Guia do Emigrante Português no Mundo”, cinco anos antes tinha escrito o “Guia do Emigrante Português em França – direitos e deveres dos portugueses em França”. Havia várias atividades que aconteciam e eu tanto dava a informação técnica como fazia depois uma série de relatos de casos concretos. Havia certas situações em que as pessoas diziam como é que tinham conseguido encontrar emprego, como é que tinha conseguido ser promovidos na empresa, ou até outras situações dramáticas como a de uma senhora que chegou à gare de Austerlitz e que trazia com ela um coelho e uma galinha, entre outras coisas, e vinha à procura do marido que habitava em Paris.
Em 1981 quando o Mitterrand foi eleito aprovou uma legislação que permitia aquilo a que se chamava as Rádios Livres e começaram a haver várias emissões nas rádios francesas em língua portuguesa e na altura “O Emigrante” fazia cassetes que eram enviadas regularmente para essas rádios.
O jornal “O Emigrante” começou a ser conhecido por um grande número de pessoas em França, depois havia vários eventos, incluindo um, que me lembro muito bem, em Clichy onde estavam presentes o Dr. Valentim Morais e o Padre Vítor Melícias, havia centenas de pessoas que vinham participar. O número de assinantes explodiu, na altura o jornal era muito apreciado, “O Emigrante” é o único que continua a existir desse tempo.

A mensagem do jornal continua a ser atual?
Hoje o jornal está adaptado às circunstâncias atuais. Tem um tipo de informação diferente daquele tempo. Tem informação económica, atualidades e muito mais. Parece-me que vai bem de encontro àquilo que são as necessidades das pessoas. Hoje o mundo é outro, há internet e muito mais meios de comunicação do que havia na altura, por isso hoje é tudo diferente.
 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Share post:

Popular

Nóticias Relacionads
RELACIONADAS

Compal lança nova gama Vital Bom Dia!

Disponível em três sabores: Frutos Vermelhos Aveia e Canela, Frutos Tropicais Chia e Alfarroba e Frutos Amarelos Chia e Curcuma estão disponíveis nos formatos Tetra Pak 1L, Tetra Pak 0,33L e ainda no formato garrafa de vidro 0,20L.

Super Bock lança edição limitada que celebra as relações de amizade mais autênticas

São dez rótulos numa edição limitada da Super Bock no âmbito da campanha “Para amigos amigos, uma cerveja cerveja”

Exportações de vinhos para Angola crescem 20% desde o início do ano

As exportações de vinho para Angola cresceram 20% entre janeiro e abril deste ano, revelou o presidente da ViniPortugal, mostrando-se otimista quanto à recuperação neste mercado, face à melhoria da economia.

Área de arroz recua 5% e produção de batata, cereais, cereja e pêssego cai 10% a 15%

A área de arroz deverá diminuir 5% este ano face ao anterior, enquanto a área de batata e a produtividade dos cereais de outono-inverno, da cereja e do pêssego deverão recuar 10% a 15%, informou o INE.