Manuel Sequeira Gonçalves vai a caminho dos 87 anos. Sete décadas passou-as a retratar visitantes e peregrinos junto ao templo de Santa Luzia, em Viana do Castelo. Uma vida dedicada a documentar visitas ao santuário feitas tanto por personalidades como por anónimos. E de muitos guarda ainda memória, não fossem as fotografias para recordar. Estamos perante um verdadeiro artista do retrato “rápido” que, não usando tecnologia alguma digital e nem mesmo filme fotográfico (o antigo rolo), fotografa as pessoas. Só papel, química, água e o segredos quando enfia a cabeça e braços na “câmara escura” de dupla função…
No caixote mágico, revela e fixa, primeiro a “chapa” que não é mais que a folha de papel fotográfico que é exposta à luz, através da objectiva da câmara, que regista a imagem por breves segundos de exposição, consoante a luz solar do dia. Uma vez revelada essa “chapa” que faz de negativo, volta a fotografar para conseguir positivar a imagem que é aquela que o cliente leva para casa e guarda, para mais tarde recordar.
Nascido na Póvoa de Varzim, filho único de um fotógrafo profissional, cedo muda-se para Viana do Castelo, onde o pai se decide instalar. Do progenitor recebe os ensinamentos de ofício que, segundo diz, despertava a atenção de muitos, estabelecendo-se por conta própria com 17 anos, em 1946. Uma altura “difícil”, aponta, em que “se tiravam fotografias para guardar e para mandar para o estrangeiro”.
Em contraponto, observa que a esmagadora maioria das pessoas que hoje o procuram, muitas delas de máquina fotográfica a tiracolo, telemóveis, numa época das selfies, é seduzida pela tonalidade a preto e branco das imagens, assim como pela singularidade do equipamento, no caso, uma Carl Zeiss de 1910, que não dispensa a companhia de um papagaio verde, de madeira. “Tenho-o ali para as crianças, para olharem para o passarinho enquanto lhes tiro a fotografia. É uma tradição”, refere, em tom de graça, assinalando que entre os que já para si posaram contam-se nomes como os de Vasco Santana e o do pai do rei de Espanha, assim como o de um Rui Veloso em princípios de carreira.
Um artista em Santa Luzia
Do alto do monte, Manuel Sequeira Gonçalves assistiu à evolução dos tempos, da proliferação dos automóveis à vulgarização das máquinas fotográficas e, mesmo, à introdução do euro. “Quando comecei, uma fotografia custava cinco escudos. Hoje, cobro cinco euros. Os números são iguais, agora, o valor que eles têm é que será diferente”, revela. O fotógrafo é da opinião de que, de ano para ano, tem aumentado o número de pessoas que aflui ao santuário, se bem que agora a mudança do parque de estacionamento de autocarros imposto pela Confraria do Santuário, vá “roubar” muitos visitantes que sobem a escadaria do Santuário, virada para a sua Viana querida. Como habitualmente, um sorriso e uma pergunta, há muito feita: “Quer tirar uma fotografia?”.
Afiançando que pretende continuar a trabalhar “enquanto houver saúde para isso”, Manuel Gonçalves refere que o ofício que lhe foi ministrado pelo pai “não continuará” na família. “Tenho quatro filhos, mas nenhum deles se interessou por esta arte. Seguiram outros rumos”. Apesar da modernização que a fotografia e respetivos equipamentos sofreram nas últimas décadas, o fotógrafo considera que a atividade que há muito exerce “pode” desaparecer. Hoje existem máquinas de todos os feitios e para todas as carteiras, e até se tiraram excelentes fotografias com um telemóvel. Mas há sempre quem queira recordar uma visita com uma fotografia destas! “É diferente”. Os químicos para a revelação sabe-os fazer e recorda o metol, sulfito de sódio e carbonato de sódio e brometo de potássio, para revelar. O papel depois de exposto à luz, pela ação química revela assim a imagem e, uma vez revelada terá que ser fixada ou seja quimicamente falando, a prata não exposta (queimada pela luz) tem que ser “queimada” com hipossulfito de sódio, sulfito de sódio, ácido bórico e água, químicos que usa para fazer os “banhos”. Fora do caixote (a câmara escura), o balde de água para depois lavar a fotografia. Químicos encontra-os nas drogarias do Porto, mas já o papel fotográfico é importado, as fábricas só vendem se encomendar grande quantidade de caixas, pois tem um formato especial e feito por encomenda. Abençoado pelo sol e pelas vistas sobre as praias e a cidade de Viana do Castelo, o ‘estúdio’ onde trabalha quase todos os dias foi em tempos alternado com um estúdio improvisado nos jardins da cidade e que no Inverno servia para ganhar a vida com fotografias para documentos. Nunca foi agraciado pela Câmara, dado ser uma figura da cidade, nem as escolas profissionais ou cursos superiores de fotografia se designaram levar este “mestre” dar um aula de como, com os seus conhecimentos empíricos, consegue fazer o que certamente nenhum professor de fotografia fará se lhe passarem o “caixote para a mão”. A fotografia à la minuta – que demora um minuto a ser criada mas que lhes consome muitas horas de trabalho – é classificada por todos como “uma profissão muito ingrata” que o leva a trabalhar “quando os outros estão a passear”. A antiguidade desta profissão e o facto de ser tão típica leva a questionar se não deveriam as câmaras municipais apoiar a fotografia à la minuta, ou os Institutos de Fotografia, pois estamos perante arte e artistas. Certo é que os principais clientes destes fotógrafos, seja na Penha em Guimarães, no Sameiro, no Bom Jesus, em Braga ou em Santa Luzia, são os emigrantes portugueses em França que vêm passar o julho, o agosto e meados de setembro cá.
É o “mercado da saudade” a funcionar: “O povo das aldeias tem muitas saudades e todos os emigrantes têm uma fotografia no cavalinho de quando eram pequenos. E querem que os filhos também tenham”, explica.
Conheci-o com 8 anos de idade, tenho hoje 65! Bem-haja, Sr. Manel!