A curta-metragem ‘LUX’ nasceu como projeto de final de curso de um grupo de estudantes da Lusófona e, entretanto, já passou por cerca de uma dezena de festivais de cinema. Em Maio, rumam a Cannes e na agenda encontram-se já uma longa-metragem, uma Road Trip pelo país e o lançamento da produtora DAZE, o seu mais recente projeto.
O dia é de sol e o jardim do Príncipe Real denota o início da primavera, repleto de portugueses e turistas que tentam tirar o máximo proveito da famosa luz lisboeta. Entre eles, Bernardo Lopes, Mariana Mendes e Luís Pinto contam a sua aventura com LUX, a curta-metragem, recheada de lâmpadas, que lhes garantiu um bilhete para Cannes.
O local fora sugerido por eles – o jardim encontra-se a poucos metros da casa que estes estudantes, recém-licenciados, da Universidade Lusófona escolheram para rodar a película sobre Pedro, um escritor lisboeta que atravessa um bloqueio criativo.
Inspirada no conto «A Aranha no buraco da Fechadura»,de Leonardo Da Vinci, a curta-metragem nasceu como projeto de final de curso, num ano em que o ponto de partida proposto pelo corpo docente foram os contos populares.
O resto, explica Bernardo, um dos realizadores, surgiu das premissas que aí encontrou e que achou “seriam importantes para explorar”, como o facto de “ter um único personagem, num único espaço e deste personagem ter dificuldades em lidar com o mundo exterior”. O argumento surgiu, assim, reformulado e vivido “por um lisboeta”, enriquecido pela sua própria experiência pessoal. Natural do Algarve, admite que a ideia surgiu “se calhar, porque quando vim para Lisboa também estive um bocadinho como o Pedro” e evoluiu num processo paralelo ao da própria personagem:“estava a escrever um argumento sobre uma pessoa que estava com dificuldades em escrever um romance – eu estava a escrever sobre ele e ele a escrever uma história”, relembra.
Não que Pedro seja, no entanto, um exclusivo de Bernardo: o “bloqueio” da personagem representa, dizem, algo capaz de afetar qualquer pessoa. “Até todos nós, de alguma forma, já passamos por isso durante o curso”, diz Mariana. Ou na pós-produção de som do LUX, como quando Luís e Henrique passaram alguns dias à procura de inspiração: “íamos para o estúdio, fazíamos play, o filme corria até ao fim, olhávamos um para o outro e pensávamos ‘e agora?’”.
O problema, no entanto, acabou por se resolver com uma gravação stereo feita por Luís num fim-de-semana em que foi a casa, em Rio Maior: “aparece lá um som que, até hoje, não fazemos a mínima ideia de onde surgiu ou o que é que o produziu”, explica, “mas agarramos naquilo, começamos a fazer parte do sound design e, a partir daí, começaram lâmpadas a acender-se”.
Financiado, em parte, pela instituição de ensino superior, o projeto requereu, no entanto, a procura de financiadores e investidores, assim como o contributo de cada membro da produção. “A nossa faculdade ajuda-nos com financiamento, mas só o dá depois de a curta estar feita. Nós temos que angariar todo o dinheiro que precisamos para a fazer”, explica Mariana, a diretora de produção. Sendo que, no final, o LUX foi “a curta-metragem que menos dinheiro pediu a cada membro da equipa e mesmo o orçamento final não é muito grande. Mas em dinheiro, isto é, para sair do nosso bolso, era”, lembrou o realizador, “e esse foi um ótimo trabalho por parte da produção”.
Também o elenco da película, Sérgio Moura Afonso (o Pedro), Anna Carvalho (Inês), e José Pimentão (Jorge), trabalhou em regime pro-bono, ou seja, sem renumeração.
“Há algo que também é importante referir, mesmo em termos sociais, que é o facto de termos aberto um casting para os dois atores secundários, todos sabiam que era um projeto não renumerado, e, mesmo assim, imensa gente veio. Isto é, há imensas pessoas a quererem representar, mesmo em regime pro-bono”, refere Bernardo, “nós não pagamos porque não tínhamos possibilidade de pagar, senão teríamos pago. No entanto já chamamos outros atores que encontramos nesse casting para outros projetos que fizemos”.
O financiamento por parte da universidade, na fase inicial, limitou-se, aliás, à película de 35 mm, escolhida, em parte, “por culpa” do diretor de fotografia, Pedro Arial, e que confere à curta-metragem um ar “cénico, com uma textura quase aluada, que se adequa ao que o personagem está a viver”. E que se alia à caraterística do LUX possuir apenas 18 planos, cada um com dois ou três takes: “não tínhamos muita película e é diferente quando podemos fazer 40 ou 60 takes numa câmara digital e quando só podemos fazer dois e se não dá, não ficou”, explica Bernardo, enquanto Luís relembra o ambiente de gravação: “nunca tinha visto uma equipa de 40 pessoas, toda no mesmo sítio, a fazer imensos ensaios e quando era ação… era uma tensão, uma vontade de respeitar a película, enorme”.
De Cannes às aldeias portuguesas
Desde então já participaram em cerca de uma dezena de festivais de cinema, nacionais e internacionais, e têm já passagem marcada para Cannes, mais especificamente para o Short FilmCorner do famoso certame. “Desde o início tínhamos também a ideia de que queríamos ir a vários festivais- nós fazemos o Over&Out, que é a mostra dos trabalhos finais da faculdade, e depois a faculdade envia para alguns festivais, mas queríamos mais do que isso”, explica Mariana, enquanto Bernardo relembra que concorreram a “cerca de duas centenas de festivais” e ainda se encontram à espera da resposta “de mais de metade”. “Acho que ainda não sabemos verdadeiramente até onde é que o filme pode ir, mas até agora tem sido mais do que positivo”, diz.
Tendo estado já presentes em vários festivais de renome nacionais e internacionais, como o FantasPorto e o WorldofFilm: International Festival Glasgow ou o MauvaisGenreFilm Festival, em Tours, destacam a importância de Cannes na motivação e na criação de pontes com a indústria cinematográfica internacional. “Nós sabemos, de certa forma, aquilo que o cinema é em Portugal e aquilo é o que o cinema pode ser ao seu máximo”, explica Bernardo, “e se não tivermos Cannes e o internacional em mente… Vai ser sempre muito difícil, ainda, singrar cá dentro se não formos lá fora”.
Também Mariana relembra a importância da presença para o crescimento do projeto a nível nacional: “até mesmo por sermos jovens, às vezes as pessoas não acreditam muito em garantias- são ‘uns miúdos que andam aí a fazer filmes’- e, afinal, os miúdos vão a Cannes”.E, depois, “é também ver que, lá fora, outro tipo de pessoas e outro tipo de cultura, veem valor em algo que nós fizemos e em algo que nos foi dito, à partida, que ‘se calhar, não está assim tão bom’. Para nós é um pouco ‘ok, vamos continuar a fazer cinema’”, explica Luís, “é algo que é bom termos presente para trabalhos futuros. É impossível agradar a toda a gente e, mais do que viver com quem diz bem, é importante entender e perceber quem diz mal e agarrar nisso e tentar torná-lo em algo positivo para o nosso produto”.
Uma relação complexa entre portugueses e cinema português que dá também o mote ao próximo projeto do grupo: uma longa-metragem documental rodada entre Cannes e a LUX Road Trip Tour 2016, que percorrerá o país entre Maio e Junho. A ideia é realizar sessões de cerca de uma hora, em cineteatros de várias pequenas localidades, geralmente de fora do circuito comercial típico, em que além de mostrar LUX, mostrarão ainda a curta-metragem documental “A Máquina”, de Mafalda Marques, e “Alda”, uma película de animação de Ana Cardoso, Filipe Fonseca, Liliana Sobreiro e Luis Catalo.
Pensada por vários estudantes de ciências e engenharia, que decidiram depois arriscar seguir a paixão pelo cinema, esta mostra itinerante pretende assim, de certa forma, aproximar o cinema do público e mostrar que existem mais opções, e realidades, na altura de escolher uma vocação.
“O nosso maior objetivo era um dia, daqui a vinte anos, haver um jovem com uma curta-metragem em Cannes, depois de sair do curso, e que, quando lhe perguntarem como surgiu a paixão pelo cinema, diga algo do género: ‘um dia foram à minha terra mostrar um filme e eu pensei ‘Isto afinal até é giro. Acho que é isto que eu quero fazer’’.
Pode até nem se lembrar qual foi, mas o importante é que foi isto que fez este jovem, ou mais do que um, querer seguir esta área”, explica Bernardo, enquanto, Luís acrescenta em tom de brincadeira que “até lhes chamava filhos” se tal acontecesse. “Acho que inspirar a vida de alguém é algo impagável. É bonito”, conclui.
Robin Hood do Cinema
Numa área à qual falta ainda “química” em Portugal, a LUX Trip pretende, ainda, tentar perceber melhor a relação entre o cinema português e os portugueses.“Sinto que, e isto é um problema do nosso lado, às vezes não estamos a fazer filmes para o público. Temos de fazer filmes com que as pessoas também se relacionem ”, diz Bernardo, “nós não temos de imitar a Velocidade Furiosa, quer dizer, nós não temos aquilo em Portugal, porque é que temos de imitar? O que temos, e que os americanos não têm, é poder falar de Lisboa como Lisboa é”.
Com o LUX Road Trip estão, assim, a assinar uma espécie de pacto com os portugueses:“nós dizemos: ‘venham ver – o cinema português é isto, pode ser isto e nós andamos a fazer isto’. E agora digam-nos: ‘o que é que estava mal no passado? Porque é que vocês não veem no presente? E o que é que querem que exista no futuro?’”.
E para, no futuro, dar resposta ao que os portugueses lhes disserem, surge, agora, a produtora DAZE, o mais recente projeto destes seis recém-licenciados. Um projeto ainda a dar os seus primeiros passos e ambicioso, mas “que dá uma adrenalina louca”, sendo que a ideia, conta Luís, é criar “uma estrutura que ‘agarre’ num projeto ou num artista, do início ao fim, em todas as suas variantes”, desde o som à imagem, passando pela comunicação.
“No fundo, isto é a nossa tentativa de conseguirmos viver do cinema e de ficar cá”, explica Bernardo, “era muito fácil irmos para outro país. Onde pagássemos menos impostos, onde fosse mais fácil começarmos, onde há mais mercado… O que nós estamos a tentar é dar a Portugal uma oportunidade de ficarmos cá”.
Fazendo parte daquela que será uma das primeiras gerações com formação superior na área, em Portugal, como relembra Luís, o objetivo é “dar um ponto de viragem”, diz Bernardo, “vamos fazer com que, se calhar, a cultura do cinema em Portugal seja outra e depois se propague”. Para tal, os primeiros esforços passam por, não só dar maior visibilidade e credibilidade ao cinema português junto do público, como fomentar o espírito de equipa e a “química” entre os próprios profissionais da área.
“As nossas outras curtas-metragens têm que perceber que nós somos bons para elas e elas são boas para nós – se elas não existissem, o prémio que nós ganhamos na faculdade não teria valor porque éramos a única”, diz o realizador, “Nós precisamos todos uns dos outros, não temos que nos olhar como rivais, mesmo que estejamos a fazer coisas em separado, é para que isto [o cinema português] cresça”.
A ideia é, aliás no futuro, conseguir conjugar esta produção de conteúdos à expansão do mercado cinematográfico português: “Somos o Robin Hood do cinema. Vamos aqui tirar a estas áreas, tentar ganhar dinheiro aqui, para depois conseguirmos ter dinheiro para fazermos cinema”, diz o realizador, em tom de brincadeira.