A fábrica da Pinhais, em Matosinhos, é quase um museu. As conservas (de sardinha e cavala) são feitas artesanalmente, como em 1920, quando foi fundada. Nem mesmo o terço deixou de se rezar uma hora antes da saída.Entra-se nas instalações desta fábrica em Matosinhos e não se sabe se acabamos de entrar num museu das conservas! Aqui desde 1920 são laboradas sardinhas portuguesas frescas, em processos manuais que vão desde a recolha do peixe, transformação, cozedura, azeitamento na lata e expedição do produto. Uma paixão de família Pinhal, herdada da fundador António Pinhal. Paixão que passou para seu filho e agora está nas mãos do neto e bisneto, ambos Antónios, seguindo a tradição da família e que, empregando cem pessoas, não apostou na industrialização da produção, e graças a isso apresenta ao consumidor conservas com sabor, que não se encontram na grande distribuição, antes em lojas gourmet e a terem preferência de importadores internacionais, muitos desde a fundação da Conserva Pinhais em mercados de consumidores exigentes e que absorvem 90% do que ali se produz.
As conservas estão na moda, o setor atravessa um bom momento, com as exportações a darem saltos sustentáveis, e o mercado interno descobre o selo “gourmet” num produto antes desprezado. Hoje, começa-se a perceber que a conserva é mais do que uma solução de recurso. Para a Pinhais o sucesso lá fora , sempre esteve e espevita o mercado nacionais , embora as exportações, nesta empresa sejam o grande motor. Visitar a Pinhais e falar com o seu diretor e herdeiro desta nobre tradição é viajar no tempo.
O peixe chega de manhã: “Tanto pode ser às oito como às dez ou ao meio-dia, depende da chegada dos barcos à lota”, explica António Pinhal, o neto do fundador da fábrica, que já foi guiada pelo avô que veio de Espinho para a salga do peixe e a fundou, passou pelo pai e tios e agora o tem a ele, com 60 anos, no leme, com o filho de 27 anos já a ajudá-lo no negócio. Se o horário da chegada da matéria-prima é incerto é porque quase nada nesta conserveira mudou desde a fundação. O processo de produção mantém-se inalterado desde o primeiro dia (exceção feita à parte da cravação, em que se encerram as latas). Quando às outras fábricas começaram a chegar as câmaras frigoríficas, a família Pinhal resistiu. “A escola que todos nós tivemos é de não haver alterações no processo de fabrico para garantir a qualidade”, revela António, o pai (o filho, tem o mesmo nome), no escritório da fábrica, entre os móveis antigos que estão ali desde sempre.
Os 6 mil quilos de sardinha que chegam todos os dias, frescos, da lota de Matosinhos (ou caso ali falte, da lota de Aveiro, Peniche, Figueira da Foz…) e que permitem fechar, a cada jornada, 30 mil latas têm como destino a salmoura. Depois de lhes cortarem a cabeça, as mulheres transportam as sardinhas em cestas de plástico para um dos 12 tanques, que preservam os azulejos originais a numerá-los, onde ganham tempero. A salmoura é uma solução de água com sal onde passam 45 minutos. Controlar o tempo, ir deitando o sal e por fim tirar o peixe do tanque é tarefa de homem. Para “engrelhar” voltam a entrar em ação mãos femininas.
As sardinhas são colocadas na vertical, de cabeça para baixo (força de expressão, nesta fase já não a têm), numa estrutura de alumínio. O intuito é que “escorram a gordura e a água durante a cozedura”. O que pode parecer um pormenor é outro dos segredos que está por detrás do sabor ímpar destas conservas.
“Hoje as sardinhas costumam ser cozidas já dentro da lata o que não permite que libertem a água e a gordura”, explica-nos António Pinhal. Antes de entrarem no forno, ainda serão mergulhadas num tanque de betão original, com água a cair a toda a volta, para retirar o excesso de sal e garantir que não vai nenhuma escama ou resto de tripa agarrada. Os dois fornos são outra relíquia. Foram adaptados, mas são os de origem. Acolhem as sardinhas durante dez a doze minutos, dependendo do tamanho, e cozem-nas a vapor a 110 graus.
O arrefecimento ao ar é obrigatório, só assim lhes é permitida a entrada nas latas, mergulhadas apenas em azeite ou em azeite picante, puro de Mirandela sempre do mesmo fornecedor que já faz parte da família ( o Joãzinho e que trata os Pinhais por Antoninhos), ou com tomate ou com tomate picante. Numa pequena linha de montagem, seis mulheres põem, cada uma, seu ingrediente no interior do recipiente.
Até serem abertas, as conservas ficarão a apurar o sabor na companhia de uma rodela de cenoura fresca (descascada e cortada também na fábrica), uma rodela de pepino em salmoura, uma malagueta tratada em salmoura também, um pedaço de folha de louro, um traço de cravinho e uma bolinha de pimenta preta. As operárias que põem a sardinha na lata são especializadas, a operação obedece a um corte específico. Muitas tem muitos nos de empresa, aliás o emprego de uma vida.
Antes da entrada na reta final, vem o “azeitamento”. Várias latas ao mesmo tempo são mergulhadas num tabuleiro cheio de azeite virgem, de Mirandela, o mais usado. A parte da cravação, em que a lata entra numa máquina que lhe coloca a tampa e a fecha hermeticamente, não tem naturalmente o mesmo charme. Hoje já não é permitido na industria a solda das lapas e todas são de abertura fácil O processo ainda não chegou ao fim. As certificações modernas estão feitas, e nisto a Pinhais tem as mais exigentes certificações que lhe permite exportar para todo o mundo. Já já no armazém, é realizado novo controlo de qualidade com o método original, que “nunca falha”, refere António Pinhal, que têm colaboradores com o ouvido treinado por anos de trabalho. Batem uma lata na outra e o som dá a resposta: se for oco, a lata é destruída, se for um som mais seco, é garantia que tudo está nos conformes.
Além de sardinha, na Pinhais conserva-se cavala inteira picante, filetes de cavala e ovas de sardinha em azeite e azeite picante. Dez variedades que por cá só se podem encontrar em lojas gourmet ou na própria loja da fábrica. Se visitar dá para conhecer o bonito hall de entrada com azulejos, uma bela escadaria com corrimão em madeira.
A esmagadora maioria da produção (90%) segue viagem além-fronteiras, para mais de doze países, europeus, americanos, asiáticos. Para António Pinhal a fé é outra das razões que mantem na fábrica.
Talvez por isso, todos os dias à tarde, uma hora antes da saída, os funcionários continuem a ouvir e a rezar o terço enquanto trabalham. Aqui a tradição é sagrada, antigamente sintonizando a Rádio Renascença, agora com gravação, mas todos os dias se ouve e reza. Coisas que não mudam, teimosias, como teima em não haver na sua fábrica um único frigorifico ou câmara de frio, como nunca houve no tempo de seu pai e avô. Foi promessa que fez e vai cumprir e, assim se prova que o peixe é fresco e tem que ter qualidade, senão não se recebe, para desespero por vezes dos fornecedores.
Como é possível ouvir e constactar o que este economista formado na Faculdade de Economia do Porto, que bem podia ter seguido um emprego bem pago, nalgum banco ou função pública agarra-se à industria de seus pais e avós e a mantém como há 95 anos! Certamente a satisfação de ver as suas conservas continuarem a ser exportadas em força, a serem vendidas em lojas gourmet e querendo também conquistar o “mercado da saudade” daí que tenha estado presente pela primeira vez no SISAB PORTUGAL de 2015 e irão estar em 2016 para conhecer mais importadores internacionais, que levem o nome e qualidade da Pinhais, ainda a mais consumidores!
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