Vereador durante 31 anos em Saint Jean de La Ruelle, Carlos dos Reis foi o primeiro português eleito para uma autarquia em França. Pioneiro dos luso-eleitos naquele país, o advogado viu o número de políticos de ascendência portuguesa aumentar exponencialmente ao longo dessas três décadas. Se em 1983 Carlos dos Reis era o único, hoje haverá entre 3.500 a 4.000 luso-eleitos, como fez questão de referir recentemente, durante o Encontro Mundial de Luso-Eleitos, realizado pelo «Mundo Português» em janeiro deste ano, em Lisboa.
Carlos dos Reis estudou na Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo, sua terra natal, e frequentou o primeiro ano no Instituto de Económicas e Financeiras do Porto. Mas aos 19 anos, a guerra no Ultramar levou Carlos dos Reis a sair de Portugal. Foi para França, em 1962, apesar de inicialmente não ter sido aquele o país pretendido. “O meu irmão mais velho estudou em Hamburgo (Alemanha) e tinha lá umas relações, por isso decidi ir para aquela cidade. Mas quando sai de Viana do Castelo e vim à França, encontrei em Montargis, cidade a 110 km de Paris, vários colegas de Viana do Castelo com os quais estudei. Decidi ficar por lá”, recordou.
Na política “com muita lucidez”
Deste início de vida em França lembra-se que passou “muita fome e frio”, mas não baixou os braços. Foi trabalhar como operário numa fábrica, enquanto estudava à noite e licenciou-se em Direito em 1975. “Mas como não era francês, não podia exercer a advocacia”, recordou ao «Mundo Português».
Entretanto, passou num concurso para o Ministério das Finanças e ali trabalhou seis meses, enquanto esperava pela obtenção da nacionalidade. Exerceu depois um cargo de responsabilidade num banco e mais tarde foi jurista no tribunal de Orleans. Mas foi durante o tempo em que esteve na instituição bancária que iniciou a sua carreira política.
Carlos dos Reis residia em Saint Jean de La Ruelle, cidade de 20 mil habitantes, onde vivem cerca de quatro mil portugueses e recebeu um convite do então presidente da Câmara. “Perguntou-me se gostaria de integrar a lista do Partido Socialista. Aceitei e em 1983 entrei na política. Naquela altura não havia em França nenhum autarca português ou de origem portuguesa”, recordou o também conselheiro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) desde 2008.
“Hoje, é com satisfação que vejo existirem em França 3.500 a 4.000 autarcas de origem portuguesa. O aumento considerável que se constata entre 1983 e 2015 é extraordinário”, sublinhou o minhoto.
Em 1983 assumiu o cargo de vereador dos Desportos, decisão para a qual teve alguma influência o facto de ter sido guarda-redes de Hóquei em Patins do clube Vianense. E como era diretor de uma entidade bancária, não queria assumir um cargo que significasse “fazer política”. “Quando se é vereador do Desporto, não se vai perguntar nem aos pais, nem aos filhos se votam à esquerda ou à direita, o que interessa é aquilo que o desporto pode fazer de bem a cada um”, explicou.
Ao fim dos seis anos de mandato, pensou em abandonar a política autárquica, mas “o ‘bichinho’ ficou cá” e continuou. Do pelouro do Desporto passou para o da Economia nos seis anos seguintes. Assumiu depois o da Integração e o da Formação. “E durante 20 anos fui vice-presidente da Câmara pelo Partido Socialista. Mas em 2001 decidi concorrer como independente e fui reeleito com um largo número de votos”, acrescentou.
Foi ainda presidente do partido MoDem (Mouvement Démocrate) na região onde reside, cargo que exerceu durante três anos e para o qual foi convidado por François Bayrou, fundador e presidente nacional daquela força partidária. Mas depois de 31 anos de carreira autárquica, Carlos dos Reis decidiu que era altura de parar.
“Os meus dois filhos diziam-me ‘não viste crescer os filhos e agora não vais ver crescer os netos’. E decidi parar. Nessa altura, o prefét, que corresponde em Portugal ao Governador Civil, nomeou-me presidente da Câmara adjunto honorário. Mas orgulho-me de ter feito entre 1983 a 2014, uma vida dedicada à política, sempre com muita lucidez”, concluiu.