As correntes quentes oceânicas e o aquecimento da superfície do gelo são os responsáveis pelo colapso das plataformas de gelo flutuantes na Antártica. A conclusão é de uma equipa internacional de investigadores dos Estados Unidos, Portugal, Itália, Alemanha, Canadá e Reino Unido que trouxeram uma nova visão sobre a dinâmica das plataformas de gelo flutuante no continente gelado.
A compreensão do comportamento das plataformas de gelo flutuante na Antártica é essencial para se perceber o que vai ocorrer durante o aumento da temperatura global da atmosfera. Para já, um grupo de cientistas de vários países, entre os quais Portugal, concluiu que não são apenas as correntes quentes oceânicas que causam a desintegração daquelas gigantescas massas de gelo. “O culpado é também o aquecimento da superfície do gelo cuja água derretida se infiltra na enorme estrutura gelada, desestabilizando-a até ao colapso final”, refere uma nota divulgada pela Universidade de Aveiro. Portugal integra o estudo através da participação da investigadora Caroline Lavoie, investigadora do Departamento de Geociências e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (UA).
O estudo foi publicado este mês na revista ‘Science’ e dá como exemplo a desintegração catastrófica em 2002 da plataforma de gelo flutuante ‘Larsen B’, situada ao largo da Península Antártica, um acontecimento que a equipa provou estar associado a mudanças da temperatura atmosférica e à consequente fusão do gelo. Entre 31 de janeiro e 7 de março de 2002, a plataforma de gelo Larsen B entrou em colapso e fragmentou-se. Aproximadamente 3.250 quilómetros quadrados de gelo com 220 metros de espessura separaram-se da plataforma de gelo Larsen (constituída por três segmentos, intitulados ‘Larsen A’, ‘Larsen B’ e ‘Larsen C’).
Aquecimento do clima
Baseado numa série de dados marinhos colhidos em 2005 e 2006 no local onde existia a Larsen B, os cientistas financiados pela Divisão de Programas Polares da American National Science Foundation (NSF) concentraram-se a estudar nos sistemas de linha de âncora de gelo, ou seja, na zona de transição entre a calota de gelo ancorada no continente (o fiorde de Crane) e a própria plataforma flutuante. Na ‘Science’ os cientistas revelam que a principal linha de ancoragem do gelo de Crane estava muito mais para o interior antes de 2002. “Isto implica que o colapso nesse ano da ‘Larsen B’ foi uma resposta ao aquecimento da temperatura da superfície da plataforma de gelo e não devido à instabilidade da linha de âncora de gelo causada por correntes quentes oceânicas”, explica Caroline Lavoie na nota divulgada pela UA.
“Os novos resultados apoiam a ideia de que o aquecimento da superfície do gelo (devido ao aumento da temperatura atmosférica) e os seus efeitos posteriores, tais como o desenvolvimento de lagoas de fusão e fendas ou fissuras na superfície do gelo, permitem que a água mais quente se possa infiltrar para dentro do gelo para causar tal colapso”, continua a investigadora.
O estudo refuta assim a explicação, até agora partilhada entre a comunidade científica internacional, que apontava que o colapso da plataforma de gelo Larsen B se ficou a dever à instabilidade da grande linha de ancoragem do gelo que a ligava ao fiorde de Crane, causada por correntes quentes do Oceano Antártico. “O recente colapso catastrófico da plataforma de gelo ‘Larsen B’ sugere uma acentuada sensibilidade ao aquecimento da superfície do gelo, um novo processo que nunca foi levado em consideração como parte dos mecanismos até agora usados para prever a subida global do nível do mar”, explica Caroline Lavoie. A investigadora aponta mesmo que este tipo de colapso pode ter começado noutras partes da Antártida e que a resposta potencial de uma plataforma de gelo flutuante ao aumento da temperatura do ar “pode ser muito mais rápida do que se pensava”.
A exposição do fundo do mar após o colapso da ‘Larsen B’ permitiu aos cientistas o mapeamento morfológico detalhado e a amostragem de sedimentos de uma região que já esteve coberta por gelo. Os dados recolhidos revelaram uma grande linha de ancoragem do gelo na frente do fiorde Crane.
Os cientistas sublinham que a compreensão da dinâmica destes sistemas de linha de âncora de gelo é cada vez mais relevante para prever a subida global do nível do mar já que a calota de gelo da Antártida contém um volume de água fresca tal que se colapsasse para dentro do mar, e derretesse completamente, provocaria uma subida do nível do mar de cerca de 60 metros em todo o planeta.
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