É a primeira geração luso-descendente da família na África do Sul. Os pais deixaram a Ilha da Madeira e José Nascimento acabaria por nascer no país de Nelson Mandela, personalidade com quem contatou de perto. A advocacia levou-o várias vezes a atuar como mediador em assuntos de direitos humanos, a defender causas como a da libertação de Timor-Leste e a trabalhar pro bono em vários casos jurídicos. “Gosto de defender os indefesos, aqueles sem voz”, afirmou ao Mundo Português.
Mas o que muitos não saberão, é que este luso-descendente, cujos pais são originários do Funchal e do Machico, na Ilha da Madeira, tem estado ao longo dos anos ligado à defesa de casos relacionados com os direitos humanos. “Comecei a minha carreira com a mediação em assuntos de direitos humanos, durante o ‘Aparthaid’. O ANC (partido do Governo África do Sul) estava proibido como organização e só a partir da libertação de Nelson Mandela, em 1990, é que voltou a ser reconhecido oficialmente”, recordou a este jornal.
José Nascimento refere-se não apenas à discriminação racial – “que era oficializada”, acrescenta – mas a “outras formas” de diferenciação, “para além do ‘Aparthaid”, a que os portugueses não estavam imunes. “Os portugueses eram discriminados de forma social e até económica. Eram ostracizados pela sociedade sul-africana. Houve uma vez um estudo sobre o vizinho menos “preferido”, e era o português – porque eramos diferentes, eramos barulhentos, às dez da noite vínhamos para fora de casa falar e despedir-nos dos nossos familiares”, revelou numa entrevista ao Mundo Português, explicando que os sul-africanos não compreendiam essa “efusão” lusa. “Este é um exemplo simplista, claro. Na escola ouvi muitas vezes colegas perguntarem porque não voltava para a minha terra, e eu sou sul-africano”.
Não foi apenas com a comunidade portuguesa que trabalhou em assuntos dos direitos humanos, e o advogado sublinha mesmo que os casos mais mediáticos que defendeu foram em grande parte com não portugueses, tendo sido acompanhados pelos mídia internacionais. Entre os mais antigos, recorda a defesa de Robert McBride, um alto dirigente do ANC que foi preso em Moçambique, acusado de espionagem.
Mais recentemente, o advogado esteve envolvido no caso dos cães que em 1998 foram lançados por polícias contra imigrantes moçambicanos, em Joanesburgo, tendo representado os interesses dos moçambicanos durante o processo que culminou no julgamento dos seis polícias, em 2001. “Este caso já aconteceu em plena democracia e foi relatado em todos os órgãos de comunicação social”, recordou.
Atualmente, é o representante legal do Governo de Moçambique e da família de Mido Macia, o taxista moçambicano que em fevereiro de 2013 foi algemado à traseira de um veículo da polícia, e arrastado vários metros, vindo a falecer sob custódia policial.
No âmbito da comunidade portuguesa, José Nascimento destaca dois casos. O de António Fernandes, um português que foi condenado à morte – “na altura havia pena de morte na África do Sul” – tendo assumido a sua defesa quando este já tinha a sentença proferida. “Fizemos um recurso e conseguimos colmatar a sentença para 20 anos de prisão. Com o seu bom comportamento, saiu após dez anos”, explicou.
Outro caso envolveu Francisco Monteiro, um jovem madeirense acusado de ter morto um agricultor sul-africano. “Sem provas, foi espancado e conseguiram extorquir-lhe uma confissão de culpa”, lembra o advogado, que assumiu a sua defesa a pedido do Governo português, através do então cônsul geral em Joanesburgo, Brito Câmara. “Defendi o caso gratuitamente e ilibei o Francisco Monteiro de uma pena elevada. Consegui desbaratar a sua confissão em tribunal e a consequente libertação do português”, recordou com satisfação.
José Nascimento afirma que esta é uma área do direito pela qual tem “uma vocação natural”. “Gosto de defender os indefesos, aqueles sem voz. Talvez por isso me tenha envolvido nas causas humanitárias, como a de Timor Leste. Fui o coordenador do movimento de solidariedade para com Timor, na África do Sul. São causas que me são muito próximas. E muitas vezes faço-o gratuitamente, porque o dinheiro nunca foi o meu ‘Deus’ e nem será”, garantiu.
Ao longo da sua vida profissional, o luso-descendente tem-se ainda atuado junto de várias instituições da comunidade portuguesa. Fui durante dois anos presidente do Lusito, a associação portuguesa de pais e amigos de deficientes mentais na África do Sul. É conselheiro jurídico da Sociedade Portuguesa de Beneficência e da Casa da Madeira, há vários anos. Manteve uma coluna intitulada «Consultório Jurídico» durante dez anos numa revista da comunidade, onde dava pareceres e explicava ao leitor as diferenças entre a Lei portuguesa e a sul-africana e fui ainda diretor geral de uma rádio portuguesa.
Em 2013 foi nomeado para integrar o Conselho Consultivo do Consulado de Portugal em Joanesburgo, no mesmo ano em que recebeu a Medalha de Mérito das Comunidades Portuguesas no grau de Ouro, entregue pelo secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário.
Há dez anos ajudou a fundar o ‘HIP Alliance’ (Hellenic, Italian and Portuguese South Africans) um grupo que representa as comunidades helénica (gregos e cipriotas), italiana e portuguesa. “Somos um lobby “abençoado” pelo ANC, que se apoia nele para chegar a essas comunidades, que são grandes. A comunidade helénica na África do Sul deverá ter 100 mil pessoas, a italiana igualmente e nós deveremos ser em torno de 200 mil”, explica o advogado, acrescentando que o ‘HIP Alliance’ é uma organização nacional, sedeada em Joanesburgo, “que defende os direitos dessas comunidades e serve de elo de ligação entre elas e o governo”. “É um lobby essencialmente político, mas também intercede em assuntos sociais e económicos”, revelou.
José Nascimento recorda com “saudade” os contatos com Nelson Mandela e a sua família e guarda com especial carinhos as fotografias tiradas com o grande líder da unificação sul-africana, assim como as dedicatórias à família Nascimento escritas por Mandela na sua autobiografia «Long Walk to Freedom» (Longo Caminho Para a Liberdade).
Nunca quis candidatar-se a um cargo político, mas esta é uma possibilidade que está a considerar no futuro. “Temos já um deputado no Parlamento da África do Sul e quatro vereadores, a nível autárquico. Mas é curioso que não temos um único político da comunidade portuguesa eleito pelo ANC, estão os cinco na oposição”, lembra. E este é um desafio que, afirma, tem feito ao ANC. “Já que somos a «Nação Arco Irís», temos que evoluir, ter um falante de português nos seus quadros, e eles estão seriamente a considerar isso”, revelou a este jornal.
Ana Grácio Pinto
Dr advogado José Nascimento ainda está atuando como advogado em serviços ao direito humano na África do sul?