Os suíços decidiram este mês, através de um referendo, voltar a limitar a entrada de cidadãos de países da União Europeia (UE) no seu mercado laboral. O governo suíço dispõe de um prazo de três anos para aplicar as disposições constantes do referendo, que foi aprovado por 50,3% dos eleitores suíços. A decisão foi recebida com preocupação por associações e emigrantes portugueses residentes naquele país, principalmente jovens lusos recém-chegados à Federação Helvética.
As principais disposições do texto aprovado em referendo no dia 9 de fevereiro, devem ser inscritas na Constituição suíça, como prevê o sistema de democracia direta em vigor no país. As disposições definem que a Suíça gere autonomamente a imigração de estrangeiros; o número de autorizações emitidas para uma estada de estrangeiros na Suíça é limitado por quotas anuais e tetos; haverá limites máximos aplicáveis a todas as autorizações emitidas nos termos da lei de estrangeiros, incluindo o campo de asilo; o reagrupamento familiar e benefícios sociais podem ser limitados; os tetos e contingentes anuais para estrangeiros que exerçam uma atividade lucrativa devem basear-se nos interesses económicos globais da Suíça e no respeito pelo princípio da preferência nacional; os critérios para a concessão de autorizações de residência são, nomeadamente, a procura do empregador, capacidade de integração e fonte de rendimento suficiente e autónoma; os tratados internacionais contrários a estas disposições devem ser renegociados e adaptados nos próximos três anos; se as novas leis não entrarem em vigor no prazo de três anos, o governo suíço deve estabelecer provisoriamente as disposições necessárias para a sua execução. Entretanto, o governo suíço marcou para o final de 2014 a apresentação de uma proposta de lei para aplicar as disposições do referendo. O plano vai ser elaborado até ao final de junho e posteriormente apresentado ao parlamento, segundo um comunicado citado pela agência France Press.
Preocupação e dificuldades
O resultado do referendo está a gerar preocupação junto da comunidade portuguesa na Suíça, que alerta entre outros aspetos, para as dificuldades que poderá gerar aos jovens portugueses recém-chegados à Federação Helvética. Rui Pinto, 23 anos, mecânico sem trabalho fixo, chegou há um ano à Suíça com a namorada, Ana Guimarães, 21 anos, que trabalha num hotel em Leukerbad, na parte alemã do cantão de Valais, e disse à Lusa que a relação com os suíços é muito variável. “Estive em Morgins. O pessoal aí era cinco estrelas, mas aqui, em Leuk, são racistas, não há descrição possível. É a primeira vez que senti isso na pele. Por exemplo, não tenho garagem para o meu carro, por isso devo deixá-lo à frente do prédio, mas cada vez que o faço o porteiro vem implicar comigo em alemão, que nem entendo. Quando outro carro estaciona no mesmo sítio ele não diz nada”, contou à Lusa Mas a situação não desencoraja Rui Pinto, que insiste que “o importante é estar na Suíça”, onde quer estabelecer-se em permanência. “Quando arranjar um emprego noutro sítio, vamo-nos embora de Leuk”, assegurou.
Entre os portugueses que residem há mais tempo no país, há o receio quanto as renovações das autorizações de permanência. Alberto, 61 anos, é eletricista, chegou à Suíça com a mulher e o filho há cinco anos e recebeu há quatro, uma autorização de residência temporária válida por cinco anos. Agora está à espera de uma autorização permanente, mas receia conseguir o documento. “Quando cheguei não imaginava isto. A Suíça é um país de imigrantes (…) mas agora devido à crise já se esperava uma coisa parecida porque, entre os países de Europa, a Suíça é que estava melhor. (…) Só espero que as pessoas que estão cá possam ficar. Não sei como vai ser para pessoas que estão cá há pouco tempo, como eu”, disse à Lusa.
O conselheiro das comunidades portuguesas na Suíça, Manuel Beja, disse à Lusa que o resultado do referendo “não coloca unicamente em causa o acordo de livre circulação de pessoas entre a União Europeia e a Suíça, mas é também um momento de grande preocupação quanto ao futuro das comunidades emigrantes assim como da própria economia suíça, tão dependente deste fluxo de mão-de-obra”. Marília Mendes, responsável dos associados portugueses do sindicato suíço UNIA, está “dececionada mas não surpreendida” dado que nos últimos dias a tendência a favor da iniciativa era forte. “As consequências não serão imediatas (…), mas existirão. Os portugueses perderão muitos dos direitos adquiridos com a entrada em vigor dos acordos com a União Europeia” disse.
Maria, 57 anos, é gerente de um restaurante, está na Suíça há 35 anos e conhece bem a situação que agora ameaça muito imigrantes. “Até me arrepiei, nunca pensei que isto fosse acontecer. Nos primeiros anos em que vim cá, as autoridades cancelaram as autorizações e ficamos sem papéis, sem direitos. Muita gente perdeu seu emprego”, disse Maria, que obteve a sua autorização de residência permanente há 25 anos e está agora a considerar pedir a nacionalidade suíça. “Tenho mais vontade de pedir a nacionalidade porque tenho medo que um dia me tirem tudo o que investi aqui”, afirma.
O presidente da Federação das Associações Portuguesas de Suíça (FAPS) diz que “o sentimento é negativo a partir deste momento”. “É mau sinal para os imigrantes e afeta a capacidade de integração “ disse António da Cunha, professor na Universidade de Lausana, acrescentando que a medida enquadra-se “numa série de iniciativas similares que aconteceram nos últimos anos na Suíça, mas também ocorre numa vaga de populismo visível em vários outros países de Europa”. “Não é fechando as portas que se pode resolver o problema” frisou, acrescentando que as vagas de imigração foram acompanhadas por fases de crescimento.
Numa reação ao resultado do referendo, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas disse que este “não é positivo”. José Cesário afastou qualquer consequência para a comunidade portuguesa que “na sua esmagadora maioria está a residir há mais de dez anos” no território helvético e “encontra-se perfeitamente integrada”, mas admitiu que o resultado do referendo possa criar dificuldades para quem está na Suíça há pouco tempo e peça uma autorização de residência duradoura e para quem quiser emigrar para o país. O secretário de Estado afirmou que se vai agora “aguardar calmamente pelas negociações entre a União Europeia e o Estado suíço para a revisão do acordo de livre circulação, que existe, e ver as consequências exatas, em termos concretos”.
Na Suíça residem, aproximadamente, 250 mil portugueses em situação legal. No país, com mais de oito milhões de habitantes vivem cerca de 1,88 milhões de estrangeiros, dos quais 1,25 milhões originários do espaço comunitário, mas também da Islândia, Liechtenstein e Noruega.