Tragédia no Meco deixa país a questionar praxes académicas…

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É sábado e chove. O areal da praia do Meco encheu-se com centenas de pessoas, capas negras por todo o lado, flores e balões. Há cânticos mas também há lágrimas e sobretudo há muitas dúvidas principalmente dos pais que querem saber o que aconteceu. E têm esse direito… Foi a última homenagem aos seis jovens que perderam a vida naquela praia no dia 15 de Dezembro. Estariam a preparar uma cerimónia relacionada com praxes académicas quando foram apanhados por uma onda gigante que os arrastou para o mar. Teria sido assim? só o  sobrevivente poderá contar o que se passou, mas que até agora não tem falado para desespero de familias e amigos dos que morreram. E também do país que “em estado de choque” volta a discutir a violência das “praxes académicas”….

Num dia especialmente cinzento e frio, foram muitos os que fizeram questão de estar presentes na homenagem prestada aos seis jovens que há um mês foram ceifados à vida de uma forma brutal, numa noite trágica em que o mar se fez assassino e deixou um lastro fundo de desespero e tristeza.
E, apesar do vento, do frio e da chuva, ninguém arredou pé durante o tempo em que durou a cerimónia. Gente de todas as idades, familiares, amigos, colegas, unidos num abraço solidário, homenagearam os seis jovens arrancados a uma vida que tão inesperadamente acabou naquele areal, numa situação que ainda permanece envolta em mistério…
Numa iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Sesimbra, pelos familiares e pela Universidade Lusófona, a cerimónia constou de uma missa no areal, acompanhada de cânticos e finalmente pelo som das tunas da Universidade Lusófona.
No final fizeram-se seis minutos de silêncio, um por cada um dos jovens desaparecidos, e foram largados balões multicolores.
Num gesto simbólico de saudade e pena, estudantes, familiares e amigos, indiferentes à chuva e ao vento, deixaram plantadas na areia, ou lançaram ao mar, flores, cuidadosamente acompanhados pela Polícia Marítima.
Muitas questões se levantam ainda sobre o que terá efectivamente acontecido naquela noite fatídica. As atenções centram-se principalmente, no jovem estudante, o Dux, o único que se salvou das ondas. Os pais apenas querem, numa pretensão perfeitamente legítima, saber a verdade.
Muitas questões se podem levantar sobre as praxes académicas e a filosofia que lhes subjaz. Talvez seja a hora de se promover um debate sério e aberto sobre este assunto. Mas é também tempo de ter alguma contenção e não esquecer os principais atingidos por esta perda, que muitos consideram ser a maior dor do mundo.

Como tudo terá acontecido
15 de Dezembro de 2013. Sete jovens são arrastados por uma onda, já de madrugada, na praia do Meco, em Sesimbra. Seis morreram. Apenas um sobreviveu e deu o alerta. Nessa noite, apenas conseguiu dizer às autoridades que os amigos tinham sido arrastados por uma onda. Eram todos alunos da Universidade Lusófona. Certo é quase mês e meio depois, pais dos jovens que faleceram ainda não sabem o que aconteceu naquela noite fatídica e continuam sem explicações.
«Eles estavam no sítio errado, à hora errada», afirmou o comandante do Instituto Hidrográfico, Santos Marinho. Para este especialista, os sete estudantes não tiveram hipótese quando foram apanhados por uma onda colapsante – onda com uma carga enérgica superior às ondas normais.
João Gouveia, 23 anos, «Dux» da Comissão Oficial das Praxes, foi o único sobrevivente da tragédia. Segundo os relatos iniciais, era o único que tinha o telemóvel consigo e deu o alerta às autoridades. A sua mochila também foi encontrada seca. Aliás, uma das perguntas que continua a fustigar os familiares dos jovens que morreram está relacionada com os telemóveis. Por que os deixaram, todos, em casa? Foram obrigados a isso? Ou tratou-se de uma escolha?
Mas esta não é a sua única dúvida. O caso está a ser investigado pelo Ministério Público do Tribunal de Almada e segundo avançam alguns órgão de comunicação, a questão dos telemóveis é uma das pontas que está a intrigar os investigadores. O jovem sobrevivente ainda não voltou a ser ouvido pelas autoridades, nem sequer falou com os pais dos seus amigos. Há um mês que está fechado em casa. Mas em breve, João Gouveia deverá ser chamado como testemunha no processo.
Mas há outros «factos estranhos» em relação àquela fatídica noite. Horas depois dos jovens desaparecerem na praia, a casa que tinham alugado para passarem o fim-de-semana, teria sido toda arrumada. Como se não bastasse, os bens dos estudantes estavam todos guardados dentro de sacos com o seu nome escrito.
Catarina Soares, de 22 anos, Andreia Revéz, 21 anos, Carina Sanchez, 23 anos, Joana Barroso, 22 anos, Tiago André Campos, 21 anos e Pedro Tito Negrão, 24 anos, não regressaram do passeio à praia do Meco. O que lá estavam a fazer àquela hora da noite é outra das dúvidas deste caso. O primeiro corpo foi recuperado ainda no dia da tragédia. Os restantes começaram a aparecer depois de 22 de dezembro. O último foi recolhido um dia depois do natal, a 26 de dezembro. «Precisamos de respostas. Queremos que o João fale. Estamos a falar de miúdos muito responsáveis e isto torna tudo muito mais estranho», desabafa Fátima Negrão, mãe de Pedro, uma das vítimas mortais.

Pais querem respostas
Os pais dos seis estudantes da Universidade Lusófona que morreram após terem sido colhidos por uma onda, na Praia do Meco, estão a ponderar constituírem-se assistentes no inquérito-crime aberto pelo Ministério Público para perceber melhor a causa de morte dos jovens. Os familiares vão reunir-se brevemente para decidir se contratam um advogado em conjunto e se se constituem assistentes no processo.
Esta figura permitirá aos familiares estar a par do que se passa nos autos e pedirem, por exemplo, a realização de diligências. “Ainda não decidimos, mas em princípio é para avançar. Isto não pode ficar assim. Nada vai trazer a minha filha de volta, mas esclarecer o que se passou pode impedir que futuramente ocorram mais desgraças”, afirma Mariana Barroso, que perdeu a única filha, Joana, no incidente.
A mãe de Catarina Soares, Fernanda Cristóvão, também quer perceber o que se passou na noite do acidente. “Preciso de saber o que se passou com a minha filha desde que ela saiu de casa até ao momento da tragédia”, admite. Até agora, não falou com os amigos da filha, nem tentou investigar o que se passou. “A única coisa que tentei saber era se conseguia aceder ao código ético das praxes”, revela Fernanda Cristóvão, que se recusa a fazer especulações sobre o que aconteceu naquela noite ou a apontar o dedo a alguém.
Mariana Barroso confessa-se confusa e lamenta que haja “tanta coisa misteriosa” neste caso. “Estranho que eles não tenham levado pijamas. Também não percebo porque sem a nossa autorização deixaram tirar os objectos pessoais deles do apartamento onde ficaram e os levaram para a Lusófona”, exemplifica a mãe de Joana.

Colegas da faculdade não falam
Não saber o conteúdo das praxes que se terão realizado naquele fim-de-semana também a incomoda. E queixa-se que os colegas da faculdade da filha não falam. “Está tudo envolvido em secretismo”. “Dizem só que eram tudo brincadeiras para elas se tornarem mais mulheres”, refere Mariana Barroso, que não sabe especificar bem o teor das praxes, que passariam por provas de resistência.
Quem poderá retirar algumas das dúvidas sobre o que se passou é o único sobrevivente do acidente, explicando nomeadamente porque os sete estudantes foram para a praia de traje académico, percorrendo cerca de sete quilómetros a pé. João Gouveia, Dux que lidera a comissão de praxes, vai ser ouvido em breve pela Polícia Marítima (PM) de Setúbal em quem o Ministério Público delegou a audição. “Já recebemos a solicitação e já nomeamos um agente da secção de Justiça para a realizar”, explica fonte oficial da PM de Setúbal, que não sabe se o interrogatório já está agendado. “Não foi apresentada qualquer queixa por parte dos familiares dos jovens falecidos, tendo apenas um familiar efectuado um requerimento solicitando que o jovem sobrevivente fosse inquirido a fim de relatar o que aconteceu no dia dos factos. O Ministério Público ordenou a inquirição, na qualidade de testemunha, do sobrevivente”, refere a Procuradoria-Geral da República, que adianta que “não existem, por enquanto, quaisquer elementos que indiciem a prática de crime”.
               
Arrastados pela onda
Nas notícias que têm corrido sempre se disse que o jovem sobrevivente, não teria sido arrastado pela onda gigante. Agora segundo uma carta enviada a 24 de janeiro pela família à agência Lusa, afirma-se que afinal também ele foi arrastado e ter-se-ia conseguido salvar pelos seus próprios meios, as teria dado entrada no Hospital Garcia de Horta com sinais de afogamento.
A família do sobrevivente afirma que o jovem “prestará todos os esclarecimentos” no “local certo e perante as instâncias competentes” e sublinha: “Mais do que ninguém, ele deseja contar o que efectivamente se passou”, referindo-se aos esclarecimentos. “No local certo e perante as instâncias competentes, no tempo necessário para que todas as diligências sejam efectuadas, o sobrevivente prestará todos os esclarecimentos”, sustentam os familiares do jovem, que até agora se tem remetido ao silêncio.
Os familiares das seis vítimas apelaram no passado fim de semana para que o único sobrevivente esclareça as famílias das vítimas sobre as circunstâncias em que ocorreu a tragédia. Esta semana, a Procuradoria-Geral da República anunciou que o procurador coordenador do Círculo de Almada chamou a si o inquérito relativo a este caso e que o processo está em segredo de justiça. Na extensa carta enviada à agência Lusa, os familiares de João Miguel Gouveia sustentam que “desde o primeiro dia, mesmo em choque, o sobrevivente colaborou com as autoridades seja para contactar as outras famílias, seja para dar indicações sobre o que sucedeu”.
A família diz que “os jovens reunidos não conheciam a zona, realizaram alguns percursos a pé e deslocaram-se também até à praia. Pousaram os objetos que traziam no areal e, conversando, passearam na areia. Pararam acima da zona de rebentação e vários sentaram-se”.

Todos foram arrastados pela onda
“Sem que se apercebessem, uma onda, de grandes dimensões, arrastou-os a todos e o desastre aconteceu. Seis jovens perderam a vida e um deles, depois de muito esforço, conseguiu arrastar-se até à areia e, de um dos telemóveis que tinham ficado junto dos objetos que tinham pousado inicialmente, conseguiu pedir socorro para o 112, tendo ficado em exaustão, a vomitar e em hipotermia progressiva, prostrado na areia”, segundo o relato dos familiares. João Miguel Gouveia “foi localizado no areal pela Polícia Marítima e posteriormente estabilizado pelo INEM e internado, por afogamento, no Hospital de Almada”.
Sobre o silêncio do jovem, a família justifica que a tragédia exigiu “tempo para o luto e para tentar integrar tão dramática experiência, que marca e marcará para sempre a sua existência”. “Em nome de quê, alguém se pode arrogar o direito de especular, falsear, pressionar ou mesmo ameaçar, quem foi também vítima deste terrível acidente?”, questionam. A família de João Miguel Gouveia diz também que “está solidária com a dor imensa das famílias que perderam os seus filhos” e que falou com alguns deles “para prestar os esclarecimentos solicitados”. “Desde o primeiro dia, mesmo em choque, o sobrevivente colaborou com as autoridades, seja para contactar as outras famílias, seja para dar indicações sobre o que sucedeu”, sustentam, na carta.
Na carta, os familiares queixam-se de “injustiça”, “especulação, notícias sem explicitação de fontes credíveis e construídas com base em comentários de quem nada sabe sobre os factos ou mesmo assentes em mentiras claras e contradições óbvias, que apenas criam alarme social”.
Os pais dos alunos da Universidade Lusófona que morreram na praia do Meco vão tomar uma posição concertada numa reunião entre todos, disse à Lusa o pai de uma das seis vítimas da tragédia.
“Vamos reunir (…) para tomarmos uma posição concertada”, disse António Soares, pai de Ana Catarina Soares, uma das alunas da Universidade Lusófona que perdeu a vida na praia do Meco, escusando-se, no entanto, a revelar o local e a hora da reunião. “Temos o direito de saber o que se passou com os nossos filhos, queremos saber o que se passou naqueles momentos. Não queremos encontrar culpados, mas, se os houver, terão que ser responsabilizados, doa a quem doer”, acrescentou, reafirmando que fará tudo o que estiver ao seu alcance para apurar as circunstâncias em que morreram os seis jovens.  António Soares esclareceu também que, ao contrário do que terá sido divulgado em alguns órgãos de comunicação social, nunca deu nenhum prazo para que o único sobrevivente da tragédia, João Gouveia, falasse sobre o que aconteceu na praia do Meco.
“Nunca estabeleci nenhum prazo. Pela minha parte, limitei-me a apelar para que o sobrevivente revelasse as circunstâncias em que ocorreu a tragédia e é só isso que quero”. António Soares lamentou também que a Universidade Lusófona só tivesse decidido a realização de um inquérito 40 dias depois dos factos e considerou “estranho” que o jovem sobrevivente esteja a ser acompanhado por elementos da própria Universidade Lusófona e não por técnicos independentes.
Confrontado com as notícias esta sexta-feira divulgadas por diversos órgãos de comunicação social, com testemunhos de moradores na Aiana de Cima, Sesimbra, que terão visto os seis jovens a rastejarem com pedras atadas aos pés, poucas horas antes de morrerem na praia do Meco, António Soares garante que a filha não lhe transmitiu que iria ser submetida a qualquer ritual de praxe. “A única coisa que a minha filha me disse é que ia para uma reunião de preparação das praxes e que vinha almoçar connosco no domingo”, disse.

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