O que vai mudar em Portugal no trabalho e na concorrência

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O que a “troika” veio fazer a Portugal é muito mais do que a negociação de um empréstimo que nos tire de aflições circunstanciais. Vieram desenhar um mapa, mas teremos de ser nós a encontrar o caminho nos mais variados campos onde o estado intervém. Um grupo de professores da Universidade Nova reflecte sobre esses mesmos campos…
Continuamos com a reflexão do Prof. Pedro PORTUGAL no Mercado de Trabalho e do Prof. Vasco Santos na Regulação da Concorrência.

Trabalho
O conjunto de iniciativas dedicadas ao mercado de trabalho reflecte uma percepção apurada da situação polar das instituições portuguesas.
De facto, quando se estabelecem comparações internacionais, verifica-se que Portugal é um caso extremo de protecção ao emprego, de protecção ao desemprego e de rigidez nominal dos salários.
A rigidez da legislação laboral tem tradução no facto de Portugal ser o país da OCDE em que a duração média do desemprego é a mais longa, a taxa de criação de ofertas de emprego é a mais baixa, e em que o peso do trabalho temporário é o segundo mais elevado. Neste enquadramento, o Memorando de Entendimento aproxima, de forma contida e gradual, a legislação portuguesa à legislação europeia.
A evolução dos salários ao longo da última década, em desalinho com os salários exequíveis, gerou um problema sério de competitividade externa e desencadeou um aumento assustador da taxa de desemprego. Há no Memorando de Entendimento uma preocupação transversal em conter ou diminuir os custos do trabalho: redução da taxa social única, redução da remuneração das horas extraordinárias, congelamento do salário mínimo e dos aumentos salariais dos funcionários públicos, redução das indemnizações por despedimento e redução do montante e duração do subsídio de desemprego. Mas a mudança mais crítica será, porventura, a alteração dos mecanismos de determinação dos salários, através do controlo imposto à extensão dos contratos à generalidade do sector, da obrigatoriedade dos negociadores revelarem quem efectivamente representam e da abertura a que as empresas estabeleçam por si só a acordos salariais.
Neste domínio, registe-se a perspicácia com que foi detectado o incrível imbróglio legal gerado pela prática dos negociadores não revelarem os seus constituintes. Invocando a necessidade de reduzir a segmentação do mercado de trabalho entre “insiders” (trabalhadores com contratos permanentes) e “outsiders” (desempregados, contratados a prazo e (“falsos recibos verdes”) são sugeridos alguns passos no sentido de diminuir os custos de despedimento.
Avança-se, timidamente, no sentido de considerar mais razões para o despedimento individual, mas não é explicitamente contemplada a simplificação de procedimentos e a “desjudicialização” do processo de despedimento. E reduzem-se desde já as indemnizações por despedimento para os novos contratos. Para os actuais trabalhadores, deverá ter-se presente que já terão pago – através de salários mais baixos – a expectativa de poderem vir a ser indemnizados por despedimento (como num seguro).
Uma política que reduza a precariedade com inteligência e eficácia seria a criação de um contrato de trabalho único, sem termo, que eliminasse os contratos a termo e os “falsos recibos verdes”. Espera-se que a desvalorização fiscal tenha um efeito benéfico sobre o emprego. Se se utilizar um valor consensual para a elasticidade da procura do trabalho, uma diminuição real dos custos de trabalho de 10% poderá, no longo prazo, representar um crescimento de 5% do emprego. Isto em equilíbrio parcial – que é sempre questionável – uma vez que, por exemplo, o aumento do imposto sobre o consumo levará a um aumento de preços e consequentemente à diminuição da procura de produtos, e por esta via, da procura de trabalho. Em todo o caso, o que a literatura económica sugere é que o aumento de impostos sobre o rendimento do trabalho é uma arma de destruição maciça de empregos. Espera-se legitimamente que o inverso seja verdadeiro.

Regulação e concorrência
O Memorando de Entendimento aborda aspectos de concorrência de uma forma correcta. Não vai, contudo, tão longe quanto seria desejável.
A concorrência entre empresas é um elemento fundamental para que uma economia de mercado funcione. O Memorando enfatiza – bem, sublinhe-se – uma série de aspectos fundamentais para o funcionamento da regulação económica em Portugal, nomeadamente:
• A necessidade das autoridades reguladoras serem independentes, tornando a sua captura pelos regulados ou controlo pelo Governo menos prováveis;
• A necessidade das autoridades reguladoras terem garantidas as fontes de financiamento necessárias para poderem exercer de forma eficaz a sua função, garantindo que as suas decisões são correctas do ponto de vista da aplicação da teoria económica, juridicamente sólidas (e por isso dificilmente questionáveis em sede de litigância) e ainda tomadas com celeridade.
Destaca-se no documento a exigência de elaboração de um relatório independente, elaborado por “especialistas internacionais”, que explicitará qual deve ser o método de nomeação, as responsabilidades, os recursos disponibilizados e o nível de independência das entidades reguladoras nacionais, tendo como ponto de referência as melhores práticas internacionais.
Contudo, o Memorando de Entendimento deveria ter ido mais longe em dois planos:
• No que concerne aos especialistas a contratar e à exigência de implementação das medidas que sugiram;
• Em relação às recomendações das autoridades reguladoras nacionais sobre políticas de concorrência. A escolha dos “especialistas internacionais” não deverá ser deixada ao livre arbítrio de Portugal. Os seus nomes devem ser propostos por Portugal, com possibilidade de veto pelo FMI/EU/BCE. Só assim fica garantido que o relatório a elaborar satisfaz os fins últimos que se propõe atingir. Não fica claro na leitura do acordo que será este o caso.
Adicionalmente, embora esteja de algum modo implícito que as recomendações deste relatório serão em larga medida implementadas por Portugal, teríamos preferido que tal implementação fosse a priori integralmente vinculativa, só não o sendo em caso de acordo entre Portugal e o FMI/EU/BCE.
Mais importante ainda, as recomendações sobre questões de concorrência que autoridades reguladoras nacionais entendessem por bem fazer, deveriam ser sujeitas automaticamente a “escrutínio legislativo”, forçando a sua avaliação pelos órgãos de soberania com poderes para converter tais recomendações em lei. Uma das funções fundamentais das autoridades reguladoras nacionais é fazer recomendações sobre questões de concorrência (a Autoridade da Concorrência já as faz). Mas se tais recomendações não passarem por escrutínio legislativo, não passarão disso mesmo: recomendações, sem efeito prático. Como diria qualquer economista… nesse caso geraram custos (de concepção e elaboração) sem gerarem benefícios de implementação.
Note-se ainda que o Memorando opta por manter um oligopólio legal – o das farmácias – preferindo extrair algumas das rendas (lucros anormais) geradas pelo sector para as converter em receita do Estado. Não deixa de ser curioso verificar que neste caso, a preocupação (de curto e médio prazo) de obtenção de receita se sobrepôs ao imperativo de assegurar, por exemplo, a livre entrada no sector, de modo a induzir concorrência em preço na venda de medicamentos. Teríamos preferido que – mesmo que esta fosse a solução de curto e médio prazo – ela fosse imposta de par com a exigência do redesenho da regulação do sector, de modo a promover a sua normalização concorrencial.
Talvez porque as questões de concorrência e regulação são muito jovens no nosso país, os portugueses tendem a subestimar muitíssimo o contributo que a concorrência entre empresas pode dar para o bem-estar social, quer estaticamente (sob a forma de preços mais baixos e melhor qualidade dos produtos e dos serviços presentes no mercado), quer do ponto de vista dos ganhos de eficiência e inovação que a concorrência dinamicamente gera.
Por tudo isto, teria sido desejável que o Memorando de Entendimento fosse mais longe do que efectivamente foi.

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