O que a “troika” veio fazer a Portugal é muito mais do que a negociação de um empréstimo que nos tire de aflições circunstanciais. Vieram desenhar um mapa, mas teremos de ser nós a encontrar o caminho nos mais variados campos onde o estado intervém. Um grupo de professores da Universidade Nova reflecte sobre esses mesmos campos. Começamos com a reflexão do Prof. Pedro Pita Barros na saúde. A exigência forte: 550 milhões de euros…
Várias das medidas são válidas e importantes, mesmo fora do contexto de uma crise. Não há no entanto uma grande surpresa entre as reformas propostas, uma medida inesperada que surpreenda completamente.
Diversas medidas aliás, sob uma ou outra forma, encontravam-se já presentes em recomendações da Comissão para a Sustentabilidade Financeira do SNS, de 2006.
Globalmente, o efeito destas medidas depende crucialmente do empenho com que forem aplicadas. Não há uma transformação brutal do Serviço Nacional de Saúde com esta proposta.
Em matéria de revisão de taxas moderadoras preconiza-se não apenas uma revisão do valor das taxas, mas também das isenções que actualmente existem (que resultaram de sucessivos alargamentos no perímetro de isenção, e que é adequado revisitar). Adicionalmente, pretende-se a criação de uma indexação das taxas moderadoras à inflação e uma estrutura em que as taxas moderadoras de clínica geral são menores que as de especialidade, e estas ainda menores que as pagas em episódio de urgência.
Medidas muito semelhantes foram propostas em 2006.
Actualmente, a estrutura das taxas moderadoras tem já a diferenciação entre centro de saúde / USF e consulta no hospital. E havendo margem para subir algumas (poucas) taxas moderadoras, não será por aqui que se alcançará o equilíbrio financeiro do sector público. Vale a pena assinalar que os valores deverão manter-se dentro de limites razoáveis.
Afinal, o objectivo destas taxas moderadoras não é financiar o sistema (arrecadando receitas), mas sim prevenir consumos excessivos, resultantes em mais despesa pública.
As taxas moderadoras têm como objectivo evitar abusos de utilização, e por esse motivo não é expectável que subam para valores muito elevados (na Grécia por exemplo, a taxa moderadora é ainda mais baixa do que em Portugal, mesmo após um aumento).
Seguro de saúde por dedução fiscal
Os benefícios fiscais constituem um “seguro de saúde implícito” oferecido pelo Estado.
Sobre este seguro incidem duas medidas distintas:
• A dedução em todos os benefícios fiscais é determinada de acordo com o escalão de taxa marginal de imposto, sendo zero para o escalão mais elevado;
• Introdução de um limite às deduções com despesas de saúde.
Estas duas medidas têm consequências positivas e negativas.
Do lado positivo, reduzem a regressividade que é introduzida por estes benefícios fiscais, evidenciada em vários documentos e resultante em grande medida de os mais pobres não terem de pagar IRS e por isso não terem possibilidade de deduzir despesas de saúde (suportando-as por inteiro). Do lado negativo, corresponderão a um aumento dos co-pagamentos efectivos da população portuguesa, podendo diminuir o interesse em solicitar aos prestadores de cuidados de saúde recibos do serviço recebido (favorecendo assim uma eventual evasão fiscal). O corte proposto é de 2/3 do benefício fiscal. Presume-se que – sendo actualmente elegíveis 30% das despesas privadas em saúde para crédito fiscal
– esse valor baixará para os 10%.Uma medida similar tinha já sido proposta em 2006, pela Comissão para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde. A opção pela redução e não pela eliminação radica num argumento simples: “o valor deverá realizar um balanço entre redução do benefício fiscal e a manutenção da eficiência fiscal associada à sua existência (desincentivando a evasão fiscal.
Redução dos subsistemas públicos
O objectivo é que 50% dos custos com subsistemas de saúde públicos sejam suportados pelos seus beneficiários. Propõe-se por isso uma redução dos benefícios. Com uma redacção distinta, já em 2006 tinha sido apresentada ideia semelhante: “recomendação nº 7 – retirar do espaço orçamental os subsistemas públicos, sendo evoluções possíveis a sua eliminação ou a sua autosustentação financeira”.
A discussão à volta dos subsistemas públicos tem-se centrado, em parte, no argumento que não é justo todos contribuírem via impostos para algo que apenas alguns usufruem. Mas este argumento não tem em conta o lado das empresas que – incluindo nos seus custos o custo com estes seguros de saúde – beneficiam de um crédito fiscal. Pelo menos esse valor de crédito fiscal com os seguros de saúde deverá ser retomado.
Enquadramento
plurinanual
Exercício de apresentação de um enquadramento orçamental das despesas públicas em saúde, de 3 a 5 anos – esta é uma medida que já tem sido apontada de diversos lados, e que contribuirá para um melhor planeamento público. Apesar de não ser especificamente referido, afigura-se de toda a vantagem que nesse enquadramento local, medidas de esforço agregado – como o PIB – sejam apresentadas em contraponto com o PIB tendencial, e não o verificado, para que a leitura de evolução das contas públicas não seja influenciada por oscilações de ciclo económico da economia. Esta medida deverá ser implementada tendo em mente desde o início a sua aplicação para além do período a que este Memorando de Entendimento diz respeito. Este enquadramento plurianual fornece ainda ao Ministro da Saúde um argumento técnico na negociação de verbas dentro do próprio Governo, na afectação dos recursos disponíveis entre as diferentes áreas.
Sector do Medicamento
Na área do medicamento existem três medidas relevantes: preço máximo do novo genérico (60% do medicamento de origem respectivo), alteração do sistema de preços por referenciação internacional para passar a seguir o preço mais baixo, e um objectivo de despesa pública em medicamentos de 1,25 e 1% do PIB de despesa pública para o sector.
Seguir o preço mais baixo dos países de referência é susceptível de agravar – ou pelo menos não melhorar – o registo de introdução de novos produtos no mercado, com desfasamento temporal (que pode chegar a vários anos de atraso).
O objectivo de proporção do PIB em medicamentos é simples, mas na verdade pouco relevante, uma vez que nada nos diz que a média europeia é um bom ponto de referência.
No caso das farmácias, prevê-se uma redução da margem segundo o escalão de despesa. Esta pode ser uma oportunidade para rever a própria estrutura, reduzindo o peso da componente proporcional para dar lugar a um valor fixo por acto de dispensa.
Prescrição electrónica e qualidade da prescrição
É defendida a sua introdução. É um tema pacífico. Mas é também adicionada uma teia de acções que pretende fazer uma avaliação permanente dos padrões de prescrição ao nível médico, com base primeiro em regularidades estatísticas, e depois em identificação dos casos anómalos, com indicação de informação de retorno ao médico. De algum modo esta mesma preocupação esteve já presente nos trabalhos da Comissão para a Sustentabilidade Financeira do SNS.
Eficiência
Várias medidas neste campo foram sendo propostas. Na procura de poupanças, a recolha de economias de escala é algo obviamente desejável. Papel central de um mecanismo centralizado de compras do Estado. Reduções de preços junto das entidades privadas que fornecem serviços de diagnóstico e terapêutica ao sector público. Reafirmação da aposta nos cuidados de saúde primários. Construção de um sistema de avaliação por comparação de desempenho (benchmark) dos hospitais, e adopção de medidas para evitar situações de dívidas a fornecedores com prazos muito elevados. Continuação da reorganização e racionalização da rede hospitalar.
Uma análise rápida mostra que, no essencial, os principais problemas estavam já delineados: “recomendação nº2 – maior eficiência na prestação de cuidados de saúde, traduzida quer por uma menor despesa, quer por uma menor taxa de crescimento da despesa pública em saúde”.
Evolução do número e disponibilidade de médicos
Prevê a actualização dos números referentes a total de médicos em especialidade, idade, sexo, etc., um aspecto que estava já discutido no documento de 2006, embora referente a todas as profissões, e não apenas aos médicos. Já a introdução de mobilidade geográfica de médicos (de profissionais de saúde, num sentido mais geral) é um aspecto relevante para contrariar a má distribuição geográfica de pormenores.