Durante mais de um século após a Independência do Brasil, os emigrantes portugueses viveram uma condição singular: eram beneficiados, pois a legislação brasileira concedeu-lhes privilégios políticos e jurídicos, mas também sofreram perseguições motivadas por um forte sentimento anti-lusitano. Esta é uma das conclusões do livro «Laços de Sangue – Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945)», do professor universitário brasileiro José Sacchetta Ramos Mendes.
De acordo com o autor, o trabalho teve início nos arquivos do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, em Nova Iorque (Estados Unidos), onde esteve como pesquisador visitante. Posteriormente, dedicou-se a estudar as leis brasileiras entre 1822 e 1945 e a analisar a correspondência diplomática do Itamaraty (Ministério das relações Exteriores do Brasil) durante aquele período. Na etapa final, conseguiu também auxílio do Instituto Camões, em Lisboa, para realizar pesquisas no Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros e no Arquivo da Torre do Tombo.
O autor sublinha que os estudos imigratórios no Brasil centram-se principalmente nos italianos, japoneses, alemães e judeus e que a história do emigrante português nunca foi contada. As pesquisas que efectuou mostraram que, pelo menos desde a Independência, os portugueses eram tratados institucionalmente de maneira diferenciada. O autor revelou à agência de notícias brasileira FAPESP que ainda hoje a Constituição brasileira trata os portugueses de maneira diferenciada. Qualquer cidadão estrangeiro pode solicitar a naturalização depois de 15 anos ininterruptos de residência no Brasil. No caso dos portugueses e de outros povos lusófonos, um ano de residência comprovada já basta para a naturalização.
“Essa característica vem desde a Constituição de 1946, mas desde a primeira Constituição do país, em 1824, já havia diversas menções expressas aos portugueses”, afirmou.
Se os portugueses eram considerados “quase brasileiros” para a legislação, por outro lado representaram por muitos anos a própria encarnação da condição de estrangeiros, acrescenta o autor. “Durante um longo tempo havia pouca imigração de outras nacionalidades para o Brasil. O português era o estrangeiro por excelência. Por outro lado, era um estrangeiro que falava a mesma língua, tinha a mesma religião, era fisicamente familiar e tinha costumes parecidos”, explicou.
Apesar disso, era identificado com o processo de colonização. Com isso, a intolerância irrompia frequentemente. “Há inúmeros episódios de ataques contra portugueses em todas as províncias. Seria natural que a intolerância ocorresse durante o processo de independência, mas os ataques, embora não de forma contínua, seguiram ocorrendo pelo menos até o fim da década de 1920”, disse.
“Mas, algumas vezes, os ataques tomavam uma dimensão realmente violenta. No fim do século 19, por exemplo, houve na província do Mato Grosso uma chacina articulada simultaneamente em uma série de vilas e cidades. Em uma única noite, centenas de portugueses foram assassinados. A documentação sobre esses ataques foi destruída deliberadamente e só conhecemos esses factos a partir dos relatos de terceiros”, revelou.