«Há Raposas no Parque» ou a vida de uma portuguesa em Londres

Data:

O esforço de adaptação, as dificuldades do dia-a-dia, a descoberta de uma cultura muito diferente da sua, a adopção gradual de uma nova forma de estar e a compreensão da realidade britânica actual, foram questões sobre as quais a lisboeta Clara Macedo Cabral escreveu diariamente. “O que escrevia nem tinha um destinatário em concreto”, afirmou nem entrevista a O Emigrante/Mundo Português, explicando que na verdade, escrevia para si própria “para perceber o que se estava a passar, as dificuldades de integração, as preocupações”.
São relatos da sua experiência, e das diferenças culturais, os quais, como acabou por descobrir, poderiam ser reunidos num livro. “Percebi que poderia ser um testemunho interessante para os portugueses”, acrescentou. Quando finalmente decidiu enviar o livro a uma editora, descobriu, surpreendida, que havia interesse na sua publicação. Em 2009 a QuidNovi Editora lançou-o, sob o título «Há Raposas no Parque», que a autora escolheu por ter uma leitura que reflecte a sua percepção de que por vezes, “as coisas não correspondem àquilo que se vê”. Dividido em três capítulos – «Letters from the Euphorium» (cartas escritas num café local), «Letters from Highbury Fields» (cartas pensadas num parque local) e «Letters from the City in Crisis» (crónicas que analisam a repercussão da crise na vizinhança da City), o livro ajudou Clara Cabral a perceber o que poderia fazer em Inglaterra: “escrever e dar algum sentido à minha presença aqui”.
Foi o que fez. O segundo livro está praticamente concluído e reúne novas impressões e vivências. “Aquilo que me rodeia ainda me coloca tantas interrogações e às vezes ainda é tão agressivo, e a cultura que transporto é tão diferente, que eu gosto de o passar a escrito”, explica. Entre o primeiro e o segundo livro de crónicas, Clara Cabral escreveu um conto infantil, a pensar no filho de três anos que já nasceu em Inglaterra. A história passa-se na capital portuguesa e nela, Clara quis “reter aspectos de uma Lisboa” que pensa estar a desaparecer. “Ele talvez não tenha hipótese de ver essa Lisboa que daqui a 50 anos provavelmente estará desaparecida. Quis registá-la”, explicou.

Por quê escolheu este título?

Pelos vários parques que existem em Londres e vivo em frente a um deles, o Highbury Fields. E porque quando aqui cheguei apanhei o auge da expansão económica e vi depois o declínio. E portanto, as coisas em sempre correspondem àquilo que se vê. Quero ver para além do que está visível e também quero perceber o que está por trás da cultura onde estou integrada – os aspectos, a complexidade e as ambiguidades. Daí o título, que também é um bocado ambíguo e intriga o leitor.

Por que decidiu reunir as suas impressões pessoais, num livro?
Tudo começou sem o objectivo de escrever um livro, mas porque precisava preencher os meus dias. Já tinha uma forma de o fazer: tratar de um filho recém-nascido e realizar todas essas tarefas que se exigem de uma mãe. Mas para além disso sentia algum vazio, nessa altura ainda não tinha aqui uma rede de amigos e nos poucos pedacinhos de tempo de que dispunha, ia até ao café local, levava o meu computador e assim comecei a escrever. O que escrevia nem tinha um destinatário em concreto.
Chamei-lhe «Letter fron London» (Cartas de Londres) e eram relatos da minha experiência, muito sobre a minha própria cultura. Escrevia para me encontrar a mim própria, para perceber o que se estava a passar, as dificuldades de integração, as minhas preocupações. Fui desabafando, era como um diário que acompanhava os meus dias. Entretanto, enviei as crónicas a vários amigos e comecei a ponderar publicar. Quando finalmente enviei a uma editora, demonstraram um interesse imediato e publicaram o livro. Foi uma sorte ter recebido logo um feedback.

Em que altura percebeu que já não era um diário, mas sim um livro?
O livro é constituído por três capítulos e deve ter sido na altura em que senti a transição do «boom» económico para a crise. Percebi que poderia ser um testemunho interessante para os portugueses. É um pouco da minha vida «interior», mas também está lá a minha observação externa com factos concretos.

De alguma forma, o livro ajudou-a no seu processo de integração?

A ajuda chega à medida que vou escrevendo. Estou a desbravar um caminho para perceber a cultura na qual estou integrada. Quando o livro foi publicado, ajudou-me de alguma maneira a perceber o que poderia fazer neste país, que é escrever e dar algum sentido à minha presença aqui. E é o que tenho feito.

Que reacções teve ao livro?
Foram uma surpresa, fiquei muito agradada. Houve pessoas que me enviaram e-mails e muita gente pediu-me um segundo livro. Como o primeiro foi muito bem recebido e vendeu bem, isso foi um estímulo para escrever um segundo e traçar a partir daí o meu percurso.

O segundo livro é também um agrupar de impressões e reflexões?

No início tinha essa necessidade de escrever, que ainda me acompanha. A escrever o segundo livro, sinto diariamente essa necessidade de fazer uma introspecção. Porque aquilo que me rodeia ainda me coloca tantas interrogações e às vezes ainda é tão agressivo, e a cultura que transporto é tão diferente, que eu gosto de o passar a escrito. No primeiro livro comecei a focar o início da crise económica, que aprofundo mais no segundo, onde falo de temas como a guerra no Afeganistão.
Há tantas coisas a acontecer e sou testemunha de tudo isso.
Mas ao mesmo tempo faço uma análise da minha cultura e da cultura inglesa. Não consigo fugir ao facto de (o que escrevo) ser o olhar de uma portuguesa que reside na Inglaterra. Nós somos o nosso próprio país e a nossa cultura, e só nos apercebemos verdadeiramente disso quando vivemos no estrangeiro. Neste parque, em frente ao qual eu vivo e onde conheci outras mães, de outras nacionalidades, apercebo-me muito disso. Vejo como somos tanto o produto da nossa cultura.

A conclusão está para breve?
Está já na fase de conclusão e de começar a abordar editoras para encontrar uma que esteja interessada em publicá-lo. O título ainda não está definido, tenho já um em mente que pode sempre ser alterado. Dependerá muito da aprovação editorial. Mas terá o mesmo registo do primeiro: serão crónicas e os leitores encontrarão alguns dos personagens que já tinha retratado no primeiro livro.

Neste livro já se nota uma Clara melhor adaptada à cultura e ao modo de vida britânicos?
Se estivesse integrada talvez não tivesse que escrever, de modo que é muito bom para um escritor, não viver no local ideal. Aqui a vida é muito mais isolada, mais por força da própria cidade do que da minha condição de emigrante. A adaptação é um processo longo. Por muitos anos que uma pessoa viva noutro país, nunca estará totalmente adaptada. Eu já compreendo as subtilezas desta cultura, mas sempre tive um grande apreço por ela, o que facilita. Acho que os leitores vão perceber que esta adaptação é um processo infindável. Se vivesse em Portugal não escreveria certamente o que estou a escrever, mas sempre escrevi, quando aí vivi.

Entre Livros
Clara Cabral diz que a literatura sempre foi muito importante na sua vida. Eça de Queirós, Clarice Lispector, Virgínia Wolf, Katherine Mansfield, Kingsley e Martin Amis, Tchekhov, Graham Green e Joseph Conrad são alguns dos seus escritores de referência aos quais passou a juntar mais recentemente, autores japoneses como Haruki Murakami, Shusaku End e o Nobel de Literatura Yasunari Kawabata.
O curso de Direito foi uma escolha que nunca lhe deu uma grande gratificação a nível profissional. Essa, sentiu-a quando concluiu o mestrado em Estudos Portugueses, Literatura Comparada, na Universidade Nova de Lisboa. Vê-se mais orientada para a literatura de adultos, numa mistura de géneros entre literária e generalista, ficção e não-ficção.
Para já, a única certeza é de que o seu futuro passará por Londres, nos próximos anos. “Não me vejo a regressar brevemente a Portugal, por uma conjuntura familiar, mas também económica, que não favorece um regresso”.

Ana Grácio Pinto
apinto@mundoportugues.org

Em 2005, Clara Macedo Cabral foi viver para Londres, Inglaterra. Para trás ficaram os dez anos de trabalho como jurista e um modo de vida bem português. Porque precisava “preencher” o tempo, numa altura em que ainda não tinha estabelecido uma rede de amigos, resolveu fazer algo que para alem de ocupar o tempo, lhe dava prazer: escrever. “Fui desabafando, era como um diário que acompanhava os meus dias”, revelou a O Emigrante/Mundo Português. O diário acabou por dar origem ao livro «Há Raposas no Parque», muito bem recebido pela crítica e pelos leitores.   

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Share post:

Popular

Nóticias Relacionads
RELACIONADAS

Compal lança nova gama Vital Bom Dia!

Disponível em três sabores: Frutos Vermelhos Aveia e Canela, Frutos Tropicais Chia e Alfarroba e Frutos Amarelos Chia e Curcuma estão disponíveis nos formatos Tetra Pak 1L, Tetra Pak 0,33L e ainda no formato garrafa de vidro 0,20L.

Super Bock lança edição limitada que celebra as relações de amizade mais autênticas

São dez rótulos numa edição limitada da Super Bock no âmbito da campanha “Para amigos amigos, uma cerveja cerveja”

Exportações de vinhos para Angola crescem 20% desde o início do ano

As exportações de vinho para Angola cresceram 20% entre janeiro e abril deste ano, revelou o presidente da ViniPortugal, mostrando-se otimista quanto à recuperação neste mercado, face à melhoria da economia.

Área de arroz recua 5% e produção de batata, cereais, cereja e pêssego cai 10% a 15%

A área de arroz deverá diminuir 5% este ano face ao anterior, enquanto a área de batata e a produtividade dos cereais de outono-inverno, da cereja e do pêssego deverão recuar 10% a 15%, informou o INE.