Bernardo Teixeira não admitia outra hipótese, que não fosse a condenação dos acusados. “Eu sei que é hoje” e que a juíza Ana Peres “vai condená-los”, vincava de manhã à Agência Lusa, esta vítima de abusos na Casa Pia e uma das testemunhas do processo cuja sentença foi hoje lida.
Nervoso e mal dormido. Foi assim que a agência Lusa encontrou Bernardo Teixeira, às oito da manhã, numa esplanada em Campo de Ourique, Lisboa. Residente no Algarve, ficou em casa de uma amiga. “Adormeci às seis da manhã. Quando não estou a dormir, a essa hora costumo estar na discoteca e não a rolar na cama”, contou.
Atrasou-se, não conseguiu comer nada, bebeu um sumo “só para poder fumar”. Trazia dois maços de tabaco. No pulso, uma pulseira com o nome “Raquel”, uma amiga a quem deu outra em troca. Pede: “Não me faças chorar”. Fala com a antiga provedora da Casa Pia Catalina Pestana. Para cada noticiário da rádio, suspira, “é hoje”.
Recorda o “sonho de menino” de ser advogado. Entretanto a Justiça desiludiu-o, mas deixa a porta aberta para concretizar “pelo menos esse sonho”. Lembra um jantar organizado pela Casa Pia que juntou as vítimas. “Fui ao primeiro, mas depois não fui mais. Éramos actores. Não se falava do processo, não se mostravam sentimentos, mas todos estávamos a pensar no assunto”, relata.
O futuro, para Bernardo, é já daqui a nada, porque, acredita, vai ficar resolvido já hoje. Vai voltar a sair pela porta principal e, se quiserem saber o que pensa, vai dizer: “Viu como eu não estava a mentir? Eles são pedófilos. Até agora nunca pude dizer esta palavra”.
De manhã, Bernardo antecipava cenários. “Se não for hoje, nunca mais cá venho” e, “se houver absolvição, levanto-me e grito”. E tem pena que nem todos os “culpados” estejam a ser julgados. “Falta muita gente, há gente demasiado importante e gente menos importante que, por erros da polícia e do Estado, foi ilibada”, lamentava.
Nunca pensou noutra hipótese que não fosse “entrar pela porta da frente”, porque “as pessoas precisam de ver que este processo tem vítimas de carne e osso”. Entrou no Campus da Justiça, passou por vários jornalistas, ninguém reparou. Olhou para todo o lado, em busca de “uma cara conhecida”. Não encontra, dirige-se à porta, ninguém o vê.
“Também quero que a minha palavra se oiça, para contrapor à dos arguidos”, tinha dito minutos antes.
Já lá dentro, conta à Lusa por sms: “Ainda não começou, a sala ainda não está cheia. A juíza ainda não entrou.” Oito minutos depois: “A sala é pequena. Somos cinco vítimas. Os arguidos não param de olhar para nós. Os advogados deles olham para intimidar. Está muito abafado e o clima muito tenso.” Dezoito minutos depois: “3,2,1 – começa a leitura”.