Antigos prisioneiros de guerra portugueses vão reunir-se amanhã, 29 de Maio, em Abrunhosa-a-Velha, concelho de Mangualde, para antecipar o 40.º aniversário da libertação das prisões na República da Guiné, disse à Agência Lusa um dos organizadores da iniciativa.
Júlio Rosa, 64 anos e alferes miliciano em 1968, quando foi feito prisioneiro pela guerrilha do PAIGC, confessou que já consegue olhar para o passado sem sobressaltos. A receita para quem ainda vive “com esses pesadelos, que tem isso recalcado lá dentro”, é procurar com quem falar, porque, frisou, certamente sentirá alívio.
Prisioneiro de guerra com 21 anos e apenas dois meses de estada na Guiné, somente a partir de 1997 conseguiu enfrentar o passado, quando os antigos militares se reencontraram para contar pela primeira vez a história da Operação «Mar Verde».
Comandada por Alpoim Calvão em 22 de Novembro de 1970, a operação consistiu num ataque anfíbio a Conacri para libertar os prisioneiros de guerra portugueses, destruir lanchas do PAIGC e matar o Presidente Sekou Touré. Todos os objectivos foram atingidos, à excepção da eliminação de Touré, ausente do país.
Depois do reencontro em Novembro de 1997, os antigos prisioneiros de guerra passaram a reunir-se anualmente. “Este ano vão 10 antigos prisioneiros de guerra. E mais três pessoas muito importantes nas nossas vidas: o comandante Alpoim, que comandou a Operação «Mar Verde», o comandante Cunha e Silva, que dirigiu o ataque à prisão, e o (presidente da Câmara de Coimbra) Carlos Encarnação, porque foi através dele que tivemos direito à contagem e pagamento da pensão”.
Só a partir de 1997 os antigos prisioneiros viram reconhecidos os direitos na íntegra, com o período de detenção em Conacri a ser contabilizado a 100 por cento, e não como serviço militar cumprido num quartel do continente.
Quanto à Guiné, as notícias actuais sobre aquele país deixam o ex-militar triste. “Fiquei sempre com uma certa simpatia pela Guiné. E faz-me pena que aquela gente não se entenda. Faz-me pena que possa haver interesses que estejam acima da vontade do povo”, lamentou.
Se os acontecimentos que o levaram à prisão já não o sobressaltam, é a memória dos primeiros dias depois da libertação, já em Portugal, que ainda o revoltam. Como Portugal nunca assumiu a invasão, os antigos prisioneiros foram mantidos incomunicáveis no Forte de Catalazete, em Oeiras, durante 10 dias, à guarda de agentes da PIDE. “Parece incrível para quem tinha estado tanto tempo preso ficar mais 10 dias preso, ao fim e ao cabo pela PIDE, para dar fundamento a uma aldrabice do nosso governo. Não podíamos dizer que houve portugueses que arriscaram as vidas para nos libertar”, frisou.
Mas os pais de Júlio Rosa souberam da libertação do filho um dia depois da operação. A bordo do Cassiopeia, um dos seis navios da marinha de guerra portuguesa envolvidos na operação, o sargento de transmissões desafiou o então alferes Rosa a mandar uma mensagem para Abrunhosa-a-Velha. “Só escrevi: ‘Estou livre. Estou bem de saúde. Em breve terão notícias minhas'”, recordou.