Açores: Trezentos e dez anos de fé nas Festas do Santo Cristo

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É sem dúvida a maior procissão religiosa que se realiza em Portugal e a mais antiga, já que desde 1750 os açorianos depositam toda a sua fé nas festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Mesmo com a vinda de Sua Santidade o Papa a Portugal e com o fecho do espaço aéreo dos Açores devido às cinzas vulcânicas, milhares de fiéis ocorreram à cidade de Ponta Delgada, vindos dos países onde a Diáspora açoriana está presente e muitos idos do continente, para ver a grandiosidade das festas e as belezas de uma ilha “paradisíaca”…

Uma capa em veludo de seda carmim, bordada a ouro, com aplicações de jóias, oferecida por emigrantes açorianos nos EUA, cobria a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres na procissão que se realiza no domingo em Ponta Delgada.  
“A capa foi oferta de uma família de emigrantes que residem nos EUA”, revelava a irmã Margarida Borges, responsável pela imagem, numa conferência de imprensa em Ponta Delgada, onde todos os anos se aguarda com expectativa a divulgação da capa que será utilizada.
“As capas são, na maioria dos casos, ofertas dos devotos do Santo Cristo, seja por uma graça recebida, por uma promessa ou simplesmente uma oferta. Todas estão impregnadas de fé e de devoção de um povo, que, mesmo estando longe da sua terra natal, não esquece o Senhor Santo Cristo”, afirmou a religiosa.
O Tesouro do Santo Cristo inclui 26 capas, algumas do século XVII, sendo todos os anos escolhida uma para cobrir a imagem que sai na procissão de domingo, que reúne milhares de pessoas nas ruas de Ponta Delgada.
As Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres são uma das mais expressivas manifestações de fé no arquipélago, realizando-se a procissão no quinto domingo depois da Páscoa desde 1700. No centro das atenções está uma imagem do ‘Ecce Homo’ com mais de 400 anos, oferecida às freiras clarissas pelo Papa Paulo III. A fragilidade e o grau de degradação da imagem obrigam a cuidados especiais de manutenção, sendo um pincel muito fino e um pano de algodão, comprados propositadamente em Espanha, os únicos materiais usados na sua limpeza.
António Costa Santos, Provedor da Irmandade do Santo Cristo, recordou que a mais antiga tradição religiosa dos Açores celebrou este ano 310 anos de “inabalável fé”, salientando a sua importância para todos os açorianos, seja os que se encontram no arquipélago ou os que emigraram, porém estas festas são cada vez motivo de visita de cidadãos do continente e emigrantes que aproveitam as festividades para conhecer a ilha e ao mesmo tempo prestar a sua fé, ou cumprir promessas, ma mais antiga procissão religiosa que se realiza em Portugal e talvez no mundo.A procissão com a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres só sai a meio da tarde de hoje, mas desde as primeiras horas da manhã que as ruas de Ponta Delgada registam grande azáfama na sua preparação.

Colchas festivas e tapetes de flores

Por todas as ruas da baixa da cidade centenas de pessoas começam, ao nascer do sol, a montar os quilómetros de tapetes de flores e de verduras por onde vai passar um cortejo que se realiza no maior centro urbano dos Açores desde 1700. Os trabalhadores da Câmara de Ponta Delgada,  numa equipa de cerca de 20 homens não pára um segundo. Vê-se no rosto destes homens uma alegria em ornamentar a sua cidade de trabalhar para o Santo Cristo dos Milagres.
As flores, verduras, serradura ou fitas de madeira que garantem frescura e colorido aos tapetes são colhidas ou pintadas nos dias anteriores às festas em vários pontos da ilha de S. Miguel.
À tarde, quando a imagem do “Ecce Homo” saíu à rua na procissão incorporada por milhares de pessoas, via-se nos passeios uma moldura humana de residentes e forasteiros, sobretudo emigrantes que acreditam nos seus poderes milagrosos. As varandas e janelas de Ponta Delgada vão  também ornamentadas por colchas festivas. O dia maior das festas começou com uma missa campal no “Campo do Senhor”, encerrando pela noite dentro com arraiais e diversas iniciativas profanas desenvolvidas por toda a cidade.
Nas imediações do Convento da Esperança, que acolhe a imagem do Senhor Santo Cristo, pela noite dentro centenas de peregrinos dão voltas e voltas ao campo, de joelhos, sob a calçada, cumprindo a sua promessa, ou transportando pesados “círios”. Aqui respira-se um ambiente de muita fé, de uma fé antiga, enraizada e sem contornos de vendas comerciais como por vezes se assiste junto de alguns santuários. É o povo açoriano na sua máxima fé, uma fé inabalável e que passa séculos e séculos.
Numa ilha de vulcões em actividade constante e de sismos frequentes, a devoção era o único refúgio do povo, através do culto do Divino Espírito Santo e ao Senhor Santo Cristo dos Milagres.  A devoção que Teresa da Anunciada, venerável religiosa do convento de Nossa Senhora da Esperança, tão intensamente sentiu por Cristo, marcou profundamente a alma do povo, de tal modo que o culto ao Senhor, através da procissão com a imagem, se expandiu e fortaleceu ao longo dos séculos.  No coração de cada açoriano, disperso pelo mundo, há um altar de culto eterno ao Senhor Santo Cristo, onde as suas preces mantêm permanentemente acesas místicas velas de imperecível devoção e saudade. Daí a presença de milhares de açorianos que vêm participar, todos os anos, de Portugal, dos Estados Unidos da América, do Canadá e, naturalmente, das outras ilhas, nas grandes festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, numa autêntica e profunda manifestação de fé e devoção. Semanas antes da procissão, o mosteiro da Esperança e a praça 5 de Outubro foram preparados e enfeitados festivamente com milhares de lâmpadas multicores, mastros e bandeiras, flores de todas as espécies e cores que conferem ao recinto um deslumbrante ar de festa.
A procissão, é o maior sinal de fé que se pode observar. A abrir, o guião, com a coroa de espinhos dourada, depois duas longas filas de homens com opas, muitos com grossos círios votivos, outros descalços, no cumprimento de promessas, interrompidos por grupos de filarmónicas. Seguem-se associações juvenis transportando guiões de cores garridas, crianças vestidas de anjos, alunos do seminário, o clero micaelense e alguns sacerdotes convidados, todos eles a precederem a venerando imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.

Tesouro incalculável

Após a venerando imagem, seguem-se os dignatários da Igreja Católica, representantes das congregações religiosas sediadas em S. Miguel e muitos milhares de senhoras, no cumprimento de promessas.
A fechar o extenso cortejo, seguem-se as mais altas autoridades militares e civis, representações e associações sociais e desportivas.
A grande procissão recolhe, já quase noite, após cinco horas de circulação pelas principais ruas de Ponta Delgada.  O corpo principal do tesouro do Senhor Santo Cristo dos Milagres é constituído pelas seguintes jóias: o Resplendor, a Coroa, o Relicário, o Ceptro e as Cordas.  Frutos dos mistérios da Fé, sinais da gratidão dos mortais pelos milagres que os ajudam a caminhar pela vida, o Ex-Libris do Tesouro, o RESPLENDOR é a peça mais rica do espólio. Fotografado e documentado por especialistas internacionais em arte, foi recentemente considerado, num congresso em Valladolid, Espanha, a peça mais valiosa do seu género em toda a Península Ibérica.  O RESPLENDOR, em platina cromada de ouro, pesa 4,850 gramas e está incrustado de 6.842 pedras preciosas de todas as qualidades: topázios, rubis, ametistas, safiras, etc. Além do valor artístico, esta jóia está carregada de elementos simbólicos ligados à teologia. O primeiro é a da Santíssima Trindade, representada por um triângulo no centro que contém três caracteres com o seguinte significado: “Sou o que Sou” e também “Pai, Filho e Espírito Santo”.
Deste triângulo irradiam os resplendores para as extremidades da peça. O segundo elemento é a Redenção de Cristo, representada pelo cordeiro sobre a cruz e pelo livro dos Sete Selos do Apocalipse. Um terceiro é a Eucaristia, simbolizada por uma ave, o pelicano, pelo cálice e pelo cibório. O último elemento simbólico do RESPLENDOR é a Paixão de Cristo passando pela coroa representada em pormenor: desde a túnica ao galo da Paixão, passando pela coroa de espinhos integralmente feita de esmeraldas. Se o Resplendor é a jóia mais rica do Tesouro, a COROA é a sua peça mais delicada. Em ouro, pesando apenas 800 gramas, possui 1.082 pedras preciosas, todas elas trabalhadas com minúcia, onde os próprios espinhos são pequeníssimas pedras que diminuem de tamanho nas extremidades.  O RELICÁRIO é, por outro lado, a peça mais enigmática do Tesouro. É a única que está permanentemente colocada no peito da imagem e serve para guardar o Santo Lenho, que se crê ser uma farpa da verdadeira cruz em que Jesus foi crucificado. O CEPTRO, a quarta peça do Tesouro, é constituída por 2.000 pérolas que formam uma maçaroca de cana, 993 pedras preciosas ao longo do tronco e no conjunto de brilhantes com renda de ouro na base, onde está colocada a Cruz de Cristo. Finalmente, as CORDAS, com 5,20 metros de comprimento, constituem a quinta peça do corpo principal do Tesouro. São duas voltas de pérolas e pedras preciosas enroladas em fio de ouro. 
Estas jóias possuem um valor incalculável. As Jóias do Senhor Santo Cristo dos Milagres, como também a colecção de capas usadas pela imagem, podem ser admiradas no Convento de Nossa Senhora da Esperança. No ano de 1700, a Ilha de S. Miguel foi abalada por fortes e repetidos tremores de terra e os açorianos vendo que os terramotos não cessavam, resolveram ir ao Mosteiro da Esperança para levarem em procissão a Imagem do Santo Cristo. Reza a história que após a procissão a “fúria da natureza se aplacou”. Desde então todos os anos a imagem do Santo Cristo dos Milagres sai à rua em Ponta Delgada no 5º domingo após a Páscoa.
António Freitas

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