95º DIA – O deserto produtivo de Antofagasta

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Continuámos a nossa navegação rumo a Antofagasta com “mar de fora”, uma ondulação longa e com cerca de 4 metros que, sendo atravessada, nos provocava um balanço incómodo. No dia 19, logo pela manhã, e perante um vento muito fresco de S a rondar para SW, voltámos a parar o motor. Foram mais 20 horas à vela até à madrugada seguinte. Ainda voltámos a utilizar o motor durante algumas horas mas tivemos sempre o pano todo em cima. A velocidade média para cumprir o ETA a Antofagasta era elevada e o vento não era suficiente. Após mais uma alvorada antecipada, às 06:30 de dia 20 lá estávamos no ponto rendez-vous com todos os outros veleiros excepto o J.S. de Elcano e o Europa que não iriam atracar neste porto. Desfilámos ao nascer do Sol e cruzámo-nos em postos de honras com uma flotilha de lanças lança mísseis. Cerca das 08:00 já estávamos rodeados de pequenos veleiros. Apenas a Sagres ia a todo o pano por já assim vir a navegar. E assim ganhámos as melhores fotos a aparecer sair da neblina matinal. Atracámos todos em fila cabendo-nos a manobra às 10:00. O brasileiro Cisne Branco ficou atracado de braço dado com a Sagres devido à falta de espaço no cais, ficando ainda o Simon Bolivar e o Glória por fora do Libertad e do Cuauhtemoc, respectivamente. Terminada a atracação recebemos o Almirante Comandante da IV Zona Naval acompanhado pela mulher e filhos que fizeram uma viagem de cinco horas para assistir a este espectáculo mas que tinham que regressar a Iquique devido às aulas.                           

O protocolo da chegada começou às 14:30 e constituiu-se de uma cerimónia no cais com o Esmeralda, o navio chileno, em fundo e com elementos das guarnições formados. Antes tínhamos tido uma conferência de imprensa conjunta com a presença de cerca de 15 órgãos de comunicação social. Discursou o Governador da Região de Antofagasta, a Alcaldesa da Cidade de Antofagasta e o Almirante. Houve actuação de grupos folclóricos e musicais e seguimos para a visita ao Intendente que é o representante do presidente Chileno para a província de Antofagasta. Uma foto de família junto ao monumento comemorativo do primeiro centenário, que é uma réplica do Big Ben oferecido pela comunidade Inglesa que explorava as minas de salitre.

O Jantar foi no Hotel Antofagasta, patrocinado pela Antofagasta Minerals, a grande patrocinadora do Encontro de Grandes Veleiros no Chile. Tanta Antofagasta e nós que só começámos a ouvir este nome há poucas semanas! Esta é a maior província do Chile e, apesar de extremamente desértica, tem contribuído muito para a economia do país. Tudo começou no século XIX com a extracção de salitre que era exportado para todo o mundo para a produção de pólvoras que alimentaram vários conflitos até à Primeira Guerra Mundial. Mas a invenção do salitre sintético em 1928 veio tornar economicamente inviável o transporte desde aqui, provocando uma crise. Entretanto desenvolvia-se a electricidade e a electrónica e outras actividades que aumentaram o consumo e o valor do cobre que é agora a grande fonte de riqueza da região. Inclusivamente, a aplicação das técnicas de extracção e separação do cobre, ao salitre, permitiram baixar custos e torna-lo competitivo com o sintético. Mas é o cobre que aflui para o porto da cidade de comboio ou camião, em placas de cerca de 1 x 1m empilhadas. Os nitratos também constituem uma fonte secundária de riqueza, sendo exportados para utilização na produção dos adubos que rejuvenescem os estafados campos agrícolas da Europa.

Tudo à nossa volta é deserto. Não se vê uma árvore ou arbusto nas montanhas. É o deserto do Atacama, o mais inóspito do mundo que, com as suas 330 noites limpas anuais, permitiu instalar no monte Paranal, a 2635 metros de altitude, o complexo do VLT (very large telescope) da Agência Espacial Europeia (ESA). Este sistema de telescópios permitiu já fazer grandes avanços na Astronomia e no estudo da origem do Universo. O planalto do Chanjnator, também no deserto do Atacama e a 5000 metros de altitude, constitui-se como um dos melhores locais do mundo para a rádio-astronomia devido à altitude e baixa humidade. Ali foi instalado o projecto ALMA numa associação entre a Europa, Estados Unidos, Japão em cooperação com o Chile. Um conjunto de 50 antenas permitem, com uma resolução inigualável, observar e estudar a origem do Universo, a formação das Galáxias, estrelas e Planetas. Esta região foi decretada Reserva Cientifica para evitar que as suas condições possam ser alteradas. Cientistas de todo o mundo regozijam-se quando conseguem o agendamento de algumas horas de observação nestes instrumentos tão especiais.

Há raios de luz que viajam milhares de milhões de anos até nós e que se perdem nos últimos milésimos de segundo devido à poluição luminosa das zonas habitadas do Mundo. Não é só energia que se perde a iluminar onde não é necessário mas também a privação dos habitantes de verem o céu estrelado e dos cientistas de o estudarem. A tecnologia da iluminação tem avançado muito e já há cidades com cuidados especiais para direccionar a iluminação pública para onde é necessária poupando energia e oferecendo o céu aos seus habitantes.

Mas no Atacama também se fizeram umas experiências que sem dúvida agradariam aos mais jovens. Foi aqui que se testou o NOMAD, o protótipo do veículo da NASA que seria utilizado para a exploração de Marte. Foi precisamente no Museu do Deserto do Atacama que viemos encontrar o veículo de testes original que aqui está emprestado desde 2009 a 2013. Este museu foi construído no recinto das ruínas de Huanchaca, ex fundição Playa Blanca para a preparação de lingotes com a prata proveniente de Potosi (Bolívia). Diga-se a propósito que esta região era, até há pouco mais de um século, território da Bolívia mas que interesses empresariais relacionados com as minas, retiraram àquele país o acesso ao Mar. O museu oferece aos visitantes muita informação sobre geologia e astronomia, com mostra de vários exemplares de minerais e descrição da evolução da exploração mineira ao longo dos últimos 150 anos. Para além do Museu do Deserto, ainda tivemos oportunidade de fazer mesmo um incursão no deserto para visitar a Mão do Deserto, obra do escultor chileno Mário Irárrazabal, construída em betão, com cerca de 10 metros de altura para saudar os viajantes que passam na estrada de e para Antofagasta. Curiosamente este foi também o autor de Mão na Praia que já havíamos visitado em Punta del Este, no Uruguai. Ainda houve, nestas visitas, momentos de boa disposição. O nosso condutor, o Billy (muitas das pessoas que conhecemos tinham nomes anglo-saxónicos), quando lhe perguntámos de que material era feita a mão, nos 75 km de caminho, respondeu que tinha sido esculpida pela natureza. Mas não se descaiu pois apesar de na visita já ser óbvia a sua construção ainda exclamou: “Las cosas que la naturaleza hace!”. Quando lhe perguntámos o que é que tinham sido as ruínas de Huanchaca, disse que era uma construção militar. Decidimos não o corrigir para dar a próximos visitantes a hilariante experiência que o convicto Billy nos deu.

Visitámos o Museu do Ferrocarril, o caminho de ferro do salitre e participámos num City Tour. 15 elementos da guarnição foram brindados com um passeio pelo deserto com visita às minas de cobre Tesoro, Esperanza e Michilla. Tesoro, 200 km a NE, a céu aberto com um raio de cerca de 5 km por 800 m de profundidade, tem uma estrada em espiral onde camiões com 360 t de capacidade de carga parecem formiguinhas na sua labuta de levar a terra rica em cobre para lhe ser extraído o fino produto que após um processo de electrólise resulta em valiosíssimas placas que são exportadas. Michilla, cerca de 120 km a Norte, na costa, é uma mina subterrânea com enormes túneis e galerias onde o autocarro circulou descendo a mais de 600 metros de profundidade. Nesta mina, abrem-se 15 km de túneis por ano. A rocha é transportada nos camiões para ser moída e extraído o cobre e alguma prata.

Houve ainda a possibilidade de conhecer o símbolo de Antofagasta. A Portada é um arco esculpido pelo mar na rocha sedimentar que está presente em todos os postais da cidade. As praias são lindas mas, apesar de já termos apanhado Sol, ainda não temos temperaturas para banhos. O mar ainda está a 16ºC, mais agradável para os leões-marinhos que nos continuam a acompanhar de perto. Se formos pacientes, rapidamente passará os 26º.

Entretanto o navio abriu a visitas nos dois dias que esteve no porto. Foi muito pouco tempo para as dezenas de milhar de pessoas que nos quiseram visitar. O muito querido navio da casa, o Esmeralda, não vinha cá há 20 anos e, assim de repente, chega com mais oito grandes veleiros! O interesse foi geral e as escolas pararam para que os seus alunos nos visitassem de manhã, ficando a tarde e a noite para o restante público. Recebemos cerca de vinte mil por dia e muitos ficaram de fora. Até no cais e nos acessos ao porto tínhamos dificuldade em andar devido às enchentes. A este facto também não é alheia a centralidade do cais e o facto de ficar a menos de 200 metros de um grande centro comercial. Recordamos que a vinda a Antofagasta se ficou a dever ao cancelamento da paragem em Talcahuano motivada pela destruição do sismo e tsunami.

O jantar do dia 21 foi animado e teve a actuação dos Magic Twins que já tinham actuado no último jantar de Valparaiso com emocionantes números de magia que foram diferentes nas duas actuações. Noutra parte da cidade também estávamos representados no jantar dos Hermanos de la Costa, uma confraria de amigos do mar, com muitas tradições e camaradagem. Ontem, perante uma manhã e tarde menos ocupada, fomos turistas e fizemos a nossa corridinha pela marginal para desenferrujar as pernas. À noite tivemos a recepção a bordo do Esmeralda para a despedida do Chile e uma outra recepção no Clube de Iates de Antofagasta para Imediatos ou Segundos Comandantes. Esta manhã, numa cerimónia privada na Camarinha do Esmeralda, o Chefe do Estado-Maior da Armada do Chile despediu-se dos Comandantes agradecendo a presença dos navios e o apoio dado ao moral da população e às comemorações do Bicentenário. Seguidamente, participámos em mais uma cerimónia no cais, semelhante à da chegada, com palavras de despedida da senhora Alcaldesa e com muito público a assistir que não abandonou o cais enquanto não se despediu de cada navio que ia largando. A nossa mão gigante voltou a fazer sucesso nas despedidas a par da nossa potente sereia de nevoeiro. Largámos com rebocadores para a volta apertada de nos aproar à saída e caçámos rapidamente estai, bujarrona de dentro, bujarrona de fora, estai da gávea, estai do joanete, estai do gave-tope, mezena baixa e mezena alta. E assim passámos já a acenar para os milhares que se despediam no cais, no molhe e no centro comercial.

Navegamos em direcção a Callao, no Peru, onde atracaremos no dia 28 após um desfile a 27 e pernoita fundeado frente à cidade. Temos estado a fugir da calmaria junto á costa para apanhar um Sul de 20 nós que acaba de começar a fazer-se sentir. Vamos já largar pano redondo para ajudar.

Hoje é dia de festa porque o nosso Oficial Imediato, o Comandante Fonte Domingues faz anos. Já brindámos após o almoço com uma sabonária. À noite, o jantar é especial. A sabonária é uma bebida típica da Sagres, uma espécie de sangria que também leva cerveja.

Até breve!

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