84º DIA – A regata da solidariedade

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A pescaria fantástica a caminho de Vaparaíso

Passámos o Canal de Chacao praticamente no estofo da maré com uma corrente vazante, favorável, de 2,5 nós. Jantámos logo após a manobra de fundear na Baía de Ancud. O Ceviche cozinhado pelo fotógrafo Roberto Santandreu estava óptimo! Os nossos dois Conselheiros de Navegação, o Comandante Juan Ternicien e o Capitan Francisco Palma desembarcariam na manhã seguinte e contaram-nos que cá a bordo comeram a sua quota de peixe correspondente a dois anos. Apesar de o Chile ter uma grande produção de peixe, os chilenos preferem a carne à sua mesa. Aparentemente trata-se de um problema de culinária pois os pratos de peixe foram sempre apreciados pelos nossos convidados.

Aproveitámos o bom tempo para as nossas manutenções. Há muitas madeiras a precisar de novo verniz e muita ferrugem para tratar e pintar. São assim os navios! Suspendemos (içámos o ferro ou ancora) às 10:30 após receber a visita do Capitão do Porto que fez questão de nos visitar. Feitas as despedidas com a promessa de nos visitarem em Valparaiso, rumámos a Norte, em direcção a Talcahuano, local de encontro com os outros veleiros para inicio da Regata da Solidariedade. Talcahuano era para ser um dos três portos chilenos de paragem dos navios, mas o tsunami que se sucedeu ao sismo de 27 de Fevereiro deixou o porto destruído. Fez-se assim apenas a largada simbólica no porto que alberga a principal base naval do país, a qual também sofreu muitos estragos, tal como alguns dos navios da marinha, entre eles um navio hidrográfico que iria ter a cerimónia de baptismo no dia seguinte, sendo madrinha a Presidente.

O vento estava fraquíssimo. Variava entre aragens e fraco. A largada estava prevista para dia 8 de Abril às 15:00 e foi sendo adiada hora a hora enquanto se aguardavam melhorias. À noite resolveu-se adiar para o dia seguinte e fizemos uma reunião de Comandantes com o Júri a bordo do Esmeralda. O Júri navega embarcado no Patrulha Oceânico “Policarpo Toro”. Decidimos ir chegando a linha de largada para norte de forma a se conseguir acabar a regata em tempo útil se esta se realizasse. Nessa noite navegámos 60 milhas e assistimos ao adiar constante da largada até que se passou para o dia seguinte, outras 60 milhas ao Norte. Aproveitando o facto de estarmos a pairar o dia todo, os pescadores de bordo lançaram logo os seus anzóis e toneiras. Foi rápida a primeira picada. Fazia força, vergava a cana, mas não dava esticões fortes. Foi um susto quando apareceu junto à superfície o vulto de uma lula com cerca de um metro de comprimento e que depois a balança revelou ter 23 kg. Foi lenta a dança para a trazer para a tona de água, junto à borda. Quando estava a jeito foi arpoada com espingardas de caça submarina para ser içada para bordo. O que parecia ter sido um achado rapidamente se revelou um viveiro e, às 22:00 já havia nove exemplares semelhantes no convés. Muitas foram as que se perderam a meio caminho devido à inadequabilidade dos nossos apetrechos de pesca. Mas já estava garantida mais do que a quantidade suficiente para uma refeição para toda a guarnição. Pelo sim, pelo não, foi feito o teste de assar na chapa uma pequena parte da apanha, que se revelou saborosa e macia.

Este foi também um dia de exames. A Marinha tem um sistema de ensino à distância que permite ao pessoal embarcado completar os estudos secundários. Requisito para ascender às carreiras de Sargento e Oficial. Também muito importante para os que no final do contracto regressam à vida civil. Temos 8 alunos do Centro Naval de Ensino à Distância que recebem os conteúdos programáticos e os manuais. Estudam, fazem exercícios, aproveitam o apoio de alguém que conheça as matérias e, quando estão prontos para cada teste, solicitam a realização do mesmo. O Oficial Responsável pela Formação de bordo recebe os testes por mail e acompanha a sua realização enviando depois para correcção. É sempre um prazer ver o nosso pessoal a passar de ano lectivo.

Navegámos a noite até à nova largada da regata e, como o vento já atingia os 10 nós, e perante a impaciência de quem espera há quase dois dias, foi confirmado o seu inicio para as 09:00. O vento era de popa e nada agradável para nós. A nossa armação em barca, com o mastro Grande igual ao Traquete, faz com que, com o vento de popa, as velas do Traquete fiquem à sombra das do Grande e que o pano latino também não receba vento. Abrindo o vento para 30º com a popa, afastando-nos esse ângulo do nosso caminho, já os dois mastros ficam com o pano cheio mas ainda não chega para os latinos. Só aos 60º aberto com a popa é que o vento enche todas as 23 velas e começa a dar mais rendimento. O limite da bolina fica depois em 60º com a proa. Por outro lado, o nosso navio foi construído para ser robusto como se espera de um navio-escola e não ligeiro para competições. Temos uma área vélica de 2000m2 para 1900 toneladas de deslocamento. Menos que os 2200m2 do brasileiro Cisne Branco que, com 1100 toneladas é o vencedor incondicional destas regatas. É certo que há factores de correcção mas ainda não se conseguiu chegar a uma fórmula justa para todos. Apesar de tudo, o facto de estarmos em regata impõe um nível de prontidão muito mais elevado e o pessoal sabe que sempre que seja necessário haverá uma faina geral. O navio navega o mais afinado possível. Escrutina-se a meteorologia ao máximo. Controlam-se os movimentos dos adversários. Avalia-se sempre porque é que algum está a andar mais ou mais aproado ao destino do que nós. Há muita adrenalina e muito gozo pela competição.

O vento à largada estava de 10 nós, cerca de 20º aberto para EB relativamente à popa no rumo directo. Colocámo-nos três milhas a Sul do centro da linha e optámos por marear com 120º EB para ganhar mais velocidade e afinar melhor o pano. Antigamente havia uma hora de largada e os navios tentavam vir embalados e cruzar a linha nos primeiros segundos após o toque. Houve vários incidentes e acidentes. Por vezes graves e com fatalidades, o que levou a que a regra fosse alterada e agora haja uma janela de 20 minutos em que os navios são livres de largar ficando cada um com o seu tempo de inicio de regata. Esta regra não invalidou os mais malandros de correrem com direito a rumo ao longo da linha, obrigando os que apanhavam pela frente a manobras que fazem perder velocidade e desafinam o aparelho.

Largámos às 09:04:50 num grupo muito apertado constituído pelo Simón Bolivar, Cuauhtemóc e Glória. A ré do Cuauhtemoc, passámos o Simón Bolivar por barlavento, desventando-o e aproximámo-nos do Glória por sotavento na esperança de que a diferença entre a nossa área vélica não fosse suficiente para ele nos desventar. Não temos hélice de passo variável e, com o motor parado, deixamos o veio rodar livremente para reduzir o atrito. Aconteceu que o Oficial de Quarto, previdente, mandou preparar a máquina para alguma eventual necessidade. Travaram o veio no pior momento e foi ver o Glória que estava a ser passado passar à posição de ganhador. Arribámos para perder mais velocidade e ganhar espaço. Voltámos a orçar soltando o veio e passámos rapidamente para barlavento do Gloria para seguir a nossa táctica sem interferências.

O nosso peso e configuração vélica estava a obrigar-nos a aproximar mais de terra do que aos outros. A meteorologia mostrava-nos vento mais forte ao largo. O vento SSW iria rodar mais para S. Era o momento para tentar uma opção diferente dos outros porque a nossa situação estava a levar-nos para uma posição desfavorável. Virámos de bordo às 16:00 para afastar de terra. Nos cruzamentos que se seguiram estávamos à frente do Esmeralda e do Glória que passaram pela nossa popa à distância de uma bela foto e de verem o nosso adeus com uma mão gigante que construímos para o efeito.

Às 18.30 virámos de bordo para o rumo que nos levaria directo para a linha de chegada. Quando começámos a convergir verificámos que tínhamos perdido para o Cuahutemóc e para o Simón Bolivar. Terminámos a regata às 23:23:27, ficando a meia tabela na nossa classe. Em gozo e sentido de tudo fazer para gozar a oportunidade de nos batermos contra 10 navios do nosso género, ficámos todos em primeiro.

Esta foi uma regata muito curta, de apenas 120 milhas, pelo que não havia lugar a poupança de esforços. Fizemos 5 fainas gerais de mastros …

Passámos a noite a navegar na Baía de Valparaíso, com muito balanço devido à ondulação que contornava a Punta Angels e se espalhava. A cidade, construída numa encosta, é linda com a sua iluminação quando vista do mar.

Por segurança aguardámos pela manhã para ir fundear em Concón, uma cidade de veraneio com uma pequena baía e uma marina que lembram a nossa Cascais. Ainda com um ligeiro balanço, aproveitámos para trabalhar na barca sem ter o peso das funções de navio a navegar.

Neste fundeadouro de Concón ficámos a Sagres, o Glória e o Capitán Miranda. Mais tarde, chegou o Cisne Branco. Os comandantes dos três primeiros foram convidados para almoçar no Club de Yates Higuerillas, aqui em Concón. Um clube com muita actividade regatista como se pôde ver pelos cerca de 20 barcos que chegaram de uma regata disputada em Valparaiso naquela manhã. O almoço incluía as incontornáveis empanadas (empadas) e o peixe congro. Retribuímos o convite com uma visita à Sagres e, ao pôr-do-sol, com os espectáculo da nossa iluminação de gala a ornamentar a baía.

Hoje, segunda-feira, foi dia de arranjos finais para a estadia. Muitas pinturas, amarelos e reparações. Foi também dia de contactos para Lisboa para resolver assuntos pendentes e as necessidades de apoio logístico que vão surgindo. À tarde fizemos a fotografia geral da guarnição e a dos vários serviços de bordo. Fica assim registado para a posteridade este grupo que já passou por terras do fim do mundo e segue a caminho do velho mundo pelo caminho mais longo.

O nosso Oficial de Ligação veio almoçar a bordo e fazer os acertos finais do nosso plano de estadia. Como até aqui, vai ser muito preenchido!

O tempo está longe dos nossos dias de primavera mas vai melhorando e já se suporta com roupas normais.

Amanhã madrugaremos para o desfile e honras à entrada do porto de Valparaiso! Até breve!

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