Ainda se vive a euforia da passagem do Cabo Horn!
Com as Comitivas VIP do SEDNAM e CEMA embarcadas, atingimos rapidamente o Canal Beagle e passámos a navegar sem ondas mas com ventos que variaram entre fracos e muito fortes, atingindo mais de 50 nós, dependendo do abrigo das cordilheiras.
Voltámos a passar a pequena vila chilena de Puerto Williams e a cidade argentina de Ushuaia, tendo entrado depois pelo braço NW do Beagle. Ali começaram a surgir os glaciares na margem Norte. São vales com gelos permanentes, azuis e compactos. Era 25 de Março e o dia estava bonito pelo que colocámos uma embarcação na água e fomos visitar o Itália. Tínhamos uma garrafa de uma bebida apropriada para experimentar naquele local com o gelo milenar – brindámos, os sete, num momento inesquecível. O mergulhador que nos acompanhava como medida de segurança, banhou-se no meio do gelo flutuante. Parecia uma foca. Embarcámos alguns blocos de gelo que flutuavam junto à margem para toda a guarnição o poder provar. Avançámos para o ventisquero seguinte, o Roménia, com uma cascata de água gelada, onde fomos encontrar um casal de leões-marinhos a namoriscar com uma cria por perto. Parecia que éramos uma equipa do National Geographic: parámos o motor e aproximámo-nos a remar sem ruído para obter fotos de perto.
As profundidades chegavam a passar os 300 metros e navegávamos com as margens muito alcantiladas a uma curta distância. Seguiu-se a passagem estreita Timbales, os canais Ballenero, Brecknock e Magdalena. O dia seguinte, 26 de Março, amanheceu muito húmido e frio. Iríamos entrar o Estreito de Magalhães pelo lado do Oceano Pacífico e, em pleno Paso del Hambre, prestámos as honras maiores à sua memória e ao seu feito: Guarnição estendida à borda, leitura de uma alocução evocativa, lançamento de uma coroa de flores pelo Secretário de Estado da Defesa, pelo Comandante da Marinha e pelo Comandante da Sagres, seguida de três vivas.
Navegávamos adiantados para precaver alguma surpresa do vento que por vezes nos dificulta o avanço. Passámos a noite de capa frente a Punta Arenas e, manhã cedo de dia 27, fizemos uma passagem com os navios em coluna com o navio Mexicano Cuahutemóc a salvar terra com 21 tiros.
Os navios ficaram atracados em três zonas da cidade, sendo a nossa muito central.
De imediato recebemos a bordo o Almirante Chileno Comandante da Zona Naval que apresentou cumprimentos às entidades embarcadas e as convidou a visitar as instalações locais para prestar honras e trocar lembranças.
Recebemos a bordo o Presidente da Câmara de Sabrosa e o Alcalde de Punta Arenas que veio conhecer o busto. Perante a Guarda formada e as entidades presentes, o Busto de Magalhães saiu ao apito de “Sentido”. Foi a despedida deste companheiro de viagem que ficará para sempre nesta bela cidade onde, mais uma vez, chegou por mar!
Seguiram-se, neste primeiro dia, os cumprimentos protocolares e troca de lembranças entre os Comandantes e a Governadora e o Alcalde, Conferência de Imprensa conjunta, “foto de família”, e almoço oferecido pela Armada do Chile no Club Naval de Campo, já com a presença do Embaixador de Portugal.
À tarde, visitámos duas escolas: a Escuela Portugal e a Escuela Hernando de Magallanes que receberam a importante comitiva portuguesa com espectáculos realizados pelos alunos, discursos e troca de lembranças. A ambas as escolas, o SEDNAM, Dr. Marcos Perestrello, ofereceu alguns computadores Magalhães e proferiu palavras de amizade e carinho. Na Escuela Portugal, a comitiva não pode deixar de tirar uma foto frente à placa comemorativa da visita de alguém que chegou antes de nós. O Presidente Mário Soares já por lá tinha passado. Ao jantar, o Município de Punta Arenas recebeu, num jantar muito agradável, a comitiva portuguesa que era composta ao todo por 11 pessoas, incluindo o SEDNAM, o CEMA, o Embaixador, o Presidente da CM Sabrosa e o Comandante da Sagres.
O dia 28 iniciou-se com uma Missa na Catedral de Punta Arenas em Memória das Vitimas do Sismo, que coincidiu com o Domingo de Ramos. Seguiu-se uma cerimónia militar na Plaza de Armas com apresentação das tripulações a que se seguiu a nossa cerimónia maior, a Recepção Oficial a Bordo da “Sagres”. Compareceram as entidades todas e foi um êxito.
À tarde realizou-se a inauguração do Busto de Magalhães com toda a pompa e circunstancia, na presença de todas as altas entidades, dos alunos das Escolas, dos Comandantes, das Guarnições, da Banda, etc. O busto ficou num local nobre virado para o estreito que há 490 descobriu.
Reservamos a noite para nós! Jantámos juntos no restaurante “Puerto Viejo” os Oficiais da Sagres (excepto o que estava de serviço) e o grupo que nos acompanhou nesta aventura entre Ushuaia – Cabo Horn – Punta Arenas. Cordero Magallanico! Muito saboroso e num jantar de despedida e agradecimento mutuo pela oportunidade.
29 de Março começou com uma formatura geral da Guarnição e palavras de despedida do Comandante, do Almirante CEMA e do SEDNAM. Assinatura do Livro de Honra de bordo, que ficou mais rico, e Postos de Honras Militares para a despedida formal da Guarnição ao Comandante da Marinha e ao Secretário de Estado. Ainda passámos todos pelo Município onde, em cerimónia da Assembleia Municipal, foram entregues as Chaves da Cidade às altas entidades de Portugal. E assim terminou a visita oficial que abrilhantou a presença em Ushuaia e Punta Arenas e teve um destaque especial nas Autoridades, nos média e no público. Pela nossa parte, foi uma oportunidade de mostrar como é que a nossa barca cumpre as suas missões e o potencial que tem. Despedimo-nos no aeroporto agradecendo o tónico que foi para estes militares a visita dos seus chefes militar e civil, que dispuseram de toda uma semana para nos acompanhar.
Ontem ainda houve uma recepção aos comandantes no riquíssimo palácio do Club la Unión de Punta Arenas cuja construção se ficou a dever à fortuna do investidor português Don José Nogueira, proprietário de uma frota pesqueira e de ganadarias nos tempos áureos da cidade e do estreito. Esta foi uma zona muito próspera entre meados do século XIX e a abertura do Canal do Panamá, no inicio do século XX. Foi a este palácio e na sala onde estivemos reunidos que Sir Ernest Shackleton veio pedir apoio financeiro para ir resgatar o seu navio Endurance e a sua tripulação que ficaram presos no gelo durante a sua expedição de 1914 à Antárctida.
Seguiu-se um almoço oferecido pelo Alcalde de Punta Arenas, Vladimiro Cárcamo, ao Comando da Sagres e comitiva de Sabrosa, constituída pelo seu Presidente, José Marques, por uma vereadora e pelo Presidente da Assembleia Municipal. Ainda deu para ir visitar uma nau em construção com a boa madeira local, a Lenga. Com cerca de 30 metros, é um projecto privado e vai ser utilizada para fins turísticos. Jantámos na recepção do Libertad e estamos a escrever esta crónica desde o serão de ontem.
Hoje já recebemos a bordo os dois Presidentes de Câmara e comitivas para um almoço de despedida e recebemos várias escolas a bordo. Também cá esteve o Comandante Ignácio Mordones, do Esmeralda e a nossa convidada especial, a Tania, filha do presidente Vladimiro Cárcamo que sofre de uma doença grave e limitadora mas que “devorou” o navio e nos contagiou com a sua felicidade em nos visitar. Oferecemos-lhe uma foto com dedicatória para ela e outra para os seus companheiros de escola. Que seja muito feliz!
O almoço foi muito especial. A convite do Comandante do navio espanhol Juan Sebastian de Elcano, Manuel de la Ponte, juntámo-nos todos os Comandantes para celebrar a nossa amizade e passar uns momentos de descontracção e estreitamento de laços. É um grupo espectacular e relacionamo-nos como se já nos conhecêssemos há vários anos. Temos missões semelhantes, navios semelhantes, problemas semelhantes e uma formação de base semelhante! Continuamos a tentar formar a nossa confraria e andamos todos com o botão superior direito do jaquetão desabotoado. Símbolo de que comandámos um navio a passar à vela o Cabo Horn – o brinco não se aplica a nós! Ainda procuramos um objecto que nos distinga, que seja único e que possamos ostentar. Procuram-se ideias de baixo custo!
Bom, a crónica foi várias vezes interrompida e a última foi para uma corrida pela marginal do Estreito. Só o Comandante e o Imediato para pôr a escrita em dia pois temos andado um pouco afastados, um a tratar da barca e outro na representação externa. Sabe sempre muito bem uma corridinha e resolvem-se muitos problemas que nem o chegam a ser!
Punta Arenas foi um bom porto! A Marinha Chilena colocou à nossa disposição os meios necessários para cumprirmos com o pesado programa e geriu com êxito esta complexa operação. Os nossos militares participaram em vários desfiles, festas e cerimónias. Realizaram passeios turísticos e fizeram compras de ocasião! Recebemos vários milhares de visitas que justificaram e pagaram o nosso esforço para ter o navio sempre impecável para o efeito. O tempo esteve bom. Dizem que não se lembram de uma sequência de quatro dias tão bons. Aqui, o vento é por vezes tão forte que colocam cabos na rua para as pessoas se agarrarem e não serem levadas, como nós fazemos no convés e tombadilho quando está mau tempo.
Já estamos prontos para a nova tirada que inclui cerca de 900 milhas em canais interiores a que se seguirá uma regata entre Talcahuano e Valparaíso, a Regata de la Solidaridad!
Sobre o sismo, aqui não há vestígios mas já temos programadas as acções de solidariedade e a entrega dos apoios recolhidos, em Valparaíso.
Largamos amanhã ás 07:45, 4 horas mais cedo que em Lisboa e desfilaremos antes do almoço frente à cidade de Punta Arenas, a todo o pano porque merecem uma compensação pela hospitalidade e carinho.
Até breve!