19º DIA
Finalmente a chegar ao Brasil depois do terror dos gansos patolas
Normalmente faríamos uma passagem pelos Penedos de S. Pedro e S. Paulo mas havia por lá muita turbulência e aguaceiros. Por outro lado iríamos perder barlavento! Os penedos são pequenas aflorações rochosas junto ao Equador onde Gago Coutinho amarou na Travessia Aérea do Atlântico Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro (1922). Na realidade foi um amarar forçado porque o hidroavião se danificou e se perdeu. Aquela viagem serviu para demonstrar a todo o mundo o valor dos instrumentos e métodos por si desenvolvidos para a navegação aérea.
Navegamos à vela há já seis dias seguidos e estamos a cumprir o exigente planeamento com 50% de tempo de navegação exclusivamente à vela. Navegámos também cerca de 35% mistos vela/motor. Já temos uma oportunidade para concorrer ao Boston Teapot Trophy de 2010 mas a distância percorrida não foi grande coisa.
Há três noites tivemos aguaceiros fortes mas conseguimos resolver a situação apenas com o pessoal de quarto. Ao amanhecer houve uma aberta e fizemos um treino de vela mais puxado. Começámos por carregar o pano todo de tacada, em duas fases: primeiro o pano redondo; depois o pano latino. Esta é uma manobra de bom efeito visual e muito importante para a segurança do navio quando navega dentro de portos ou com vários navios nas proximidades. Seguiu-se o caçar de todo o pano até aos médios e duas viragens seguidas em roda. Estamos a criar os automatismos necessários!
Nessa tarde jantámos todos no poço. Jantar comemorativo do Rei dos Mares! O marinheiro Magalhães, verdadeiro entretainer, montou o seu órgão electrónico e animou o serão. Houve ainda oportunidade de ouvir o Ferreira “Katsu” a cantar alguns fados e a coisa ficou melancólica. Terminou-se a noite com marchas populares.
O tempo continua quente e húmido. No meu bonsai, pequena mascote viva, qual tamagoshi, começaram a nascer folhas novas em grande quantidade, depois de alguns meses sem necessitar de poda. Isto explica porque é que a Amazónia, aqui tão perto, produz tanta vegetação.
Apareceram também umas aves de má memória! Os Gansos Patolas que fizeram a vida negra ao Imediato e aos Manobras desta barca ao longo da costa americana do Pacífico em 1992. Nessa altura o navio não tinha Ar Condicionado e navegava com cerca de 250 pessoas. Como fazia muito calor, muitos dormiam no exterior e até se discutia a reserva dos espaços para cada um. Ora, estes pássaros chegavam ao pôr-do-sol para pernoitar nas vergas, sujando estas e tudo o que estivesse no convés durante a noite! Houve ódios viscerais e planos de exterminação muito elaborados! Desta vez eram poucos. Deixaram a sua assinatura mas já se foram embora!
O avistamento de vida marinha tem sido anormalmente fraco. Penso que tal se poderá dever à época do ano em que estamos a fazer a travessia. Avistámos peixes voadores todos os dias. Houve até um que aterrou a bordo. Estes fazem grandes voos junto à superfície. Por vezes 100 metros! Devem estar a fugir de peixes maiores! Esta tarde fomos finalmente brindados com a presença de algumas dezenas de golfinhos que vinham de todas as direcções e se mantiveram connosco cerca de meia hora.
No Recife são três horas mais cedo do que em Lisboa mas só mudámos a hora de bordo ontem e hoje. As tardes duraram mais uma hora que nos permitiu dar um grande avanço nos trabalhos. Por outro lado mantivemos o anoitecer mais tarde. Amanhã atracaremos às 10:00 de bordo que passarão a ser 09:00 locais. Mais tempo para preparações antes da atracação!
Hoje, tal como ontem, trabalhou-se de manhã e de tarde. Claro está que isto é para além dos quartos. Pinturas e amarelos! Foram também realizadas as palestras de segurança e de saúde com conselhos dos cuidados a ter para evitar problemas. Ao final da tarde, e como estamos ligeiramente adiantados, já ferrámos a preceito os Sobres, Joanetes, Gáveas Altas, Entre-mastros Médios e Altos. Assim poupa-se trabalho na azáfama do primeiro dia de porto. A entrada é muito apertada e não dá para mostrar as velas.
Antes da Faina Geral de Mastros convidei o Nuno Melo, Pigafeta ao serviço da Santa Casa, para ir lá fora fotografar o navio. Íamos um pouco rápido de mais pelo que orçámos para perder velocidade, o suficiente para colocar a embarcação na água e nos afastarmos. Apesar das ondas de 2 metros e da elevada velocidade do navio, o marinheiro Belo, patrão da embarcação e o Ferreira, proeiro, conduziram-nos de forma exímia! É linda vista de fora!
O jantar de hoje, sábado, foi de apresentação do Engº Rosado Gaspar! É uma tradição naval. Quem chega apresenta-se na primeira oportunidade oferecendo um jantar especial aos restantes oficiais. Quando se despede, são os restantes oficiais que oferecem o jantar de despedida.
O plano da estadia já está fechado: visitas em apenas dois dias e por especial favor em virtude das regras de segurança do porto, apresentarei cumprimentos às autoridades locais no segundo dia. Haverá um almoço com as autoridades locais aqui na minha Camarinha e uma Recepção para 150 convidados representantes das autoridades locais, da sociedade, do corpo consular e da comunidade portuguesa. O Embaixador de Portugal estará nestes dois últimos eventos. Já todos revelamos a fadiga de uma longa tirada com muitos trabalhos de manutenção. O regime de navegação, por si só, já é fatigante. O balanço, o horário contínuo, as saudades, o calor, tudo contribui para um certo desgaste. Pretendo que este seja um porto para recarregar baterias a estes marinheirões que tanto deram de si nesta longa primeira tirada. Para tal, estamos a tentar arranjar transporte para que todos possam ir passar um dia inteiro a Porto Galinhas.
Até breve!