Em Dezembro de 1999, as chuvas torrenciais que provocaram deslizamentos ao longo de quase 80 quilómetros de costa em Vargas, causaram a morte a cerca de 100 pessoas na comunidade lusa residente naquele estado da Venezuela. Dez anos depois, as marcas da tragédia não desapareceram. No passado dia 17, centenas de antigos moradores da desabitada localidade de Carmem de Úria, reencontraram-se para prestarem homenagem às vítimas.
“Depois de dez anos, todos os ente queridos que partiram (faleceram) rezam por nós, onde quer que estejam. O que hoje se passa aqui, este abraço caloroso, é realmente um sinal de que estão a pedir por todos nós”, explicou à Agência Lusa a portuguesa Dolores Cruz, que preside à associação «O Coração de Carmem de Úria ainda Palpita».
No dia 17 deste mês, centenas de antigos residentes de Carmem de Úria, reencontraram-se num emotivo momento para evocar a memória das cerca de 100 vítimas registadas na comunidade luso-descendente do Estado de Vargas. “Sonhávamos com este dia, com poder reencontrar a maior quantidade possível de moradores de Cármen de Úria, a região onde passou a ser proibido viver. Hoje estão aqui pessoas de todas as partes da Venezuela”, revelou.
Reconstrução da igreja
Dolores disse ainda que assumiu a missão de lutar pela reconstrução da igreja local para que fique como um ícone em memória dos falecidos e símbolo de esperança para os sobreviventes. “Sinto-me agradecida a Deus porque me salvou nesse dia, por salvar o meu marido, as minhas filhas e a minha mãe que estava cá de visita”, adiantou.
Em declarações à Lusa, Dolores Cruz referiu ter falado com o governador do Estado de Vargas, o luso-descendente Jorge Luís Garcia Carneiro, que lhe prometeu que em Janeiro próximo vão começar as obras de recuperação da igreja local.
A emigrante portuguesa fez ainda questão de sublinhar que “sente orgulho em ser portuguesa”, adiantando que há pessoas que não imaginam a grandeza da Venezuela. “Eu não tenho uma só pátria. Tenho duas pátrias dentro de um só coração: a Venezuela e Portugal”, enfatizou.
Dez anos depois das enxurradas, Dolores Cruz defendeu que a comunidade lusa local continua a lutar pela vida e recordou que o governo português concedeu uma linha de crédito bonificado que ajudou a muitas pessoas mas, lamentavelmente, não chegou a todos. “Houve algumas colaborações, mas não chegaram para todas as pessoas. Eu fui uma delas. Não tive nenhum tipo de apoio. Tivemos de começar a partir do zero. Demonstrámos que realmente também somos embaixadores do nosso país”, disse.
O encontro contou com a presença da cônsul-geral de Portugal em Caracas, Isabel Brilhante Pedrosa, que manifestou estar impressionada pela união da comunidade lusa e o modo como estão a reconstruir as suas vidas. “Foi uma cerimónia que achei particularmente comovente, que visou homenagear os amigos, os conhecidos, os familiares, as vítimas das enxurradas de 1999. Mas foi também, simultaneamente, um momento de muita união e de partilha entre todos”, disse à Agência Lusa.
Não existem dados oficiais sobre o número de portugueses mortos nas enxurradas, mas segundo fontes da comunidade terão morrido cerca de uma centena, 44 dos quais na localidade de Cármen de Úria. Sobre o total de vítimas, também não há números oficiais, tendo a comunicação social avançado, na altura, com mais de 100 mil mortos, número posteriormente corrigido pelas autoridades venezuelanas para mais de 10 mil.