Carla Couto: “Os nossos emigrantes são adeptos especiais”

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É impossível dissociar Carla Couto do futebol feminino em Portugal. A jogadora do 1º Dezembro e da Selecção Nacional já ganhou tudo a nível interno mas ainda quer voar mais alto. Em entrevista ao «O Emigrante/ Mundo Português» fala da sua carreira, dos seus sonhos e da selecção nacional. E não esquece os emigrantes portugueses fazendo questão de dizer que “nos apoiam sempre, muitas vezes quando menos esperamos”.   

Quando é que começou a jogar futebol?
Foi relativamente cedo. Acho que desde sempre joguei futebol. Com o meu pai que era uma coisa que ele gostava muito. Acho que nasci com o bichinho do futebol. Comecei a jogar por volta dos 10 anos nos Olivais. Jogava Futebol de 5 na Associação Cultural Luís de Camões.

Quando é pensou levar o futebol mais a sério?
Aos 18 anos por iniciativa do meu pai comecei no Sporting. A partir daí nunca mais larguei o futebol.

O futebol foi sempre a única paixão ou gostava de fazer desporto em geral?
Eu sempre estive ligada ao desporto. Antes mesmo de enveredar pelo futebol andei pelo atletismo, na natação, na ginástica. Também joguei andebol quando interrompi o futebol. Joguei no Liceu Paços Manuel e foi aí que o meu pai me pediu para ir para o Sporting fazer os treinos de captação.

Teve o apoio da sua família?
Sempre apoiaram e sempre me incentivaram à prática. Nesse aspecto tive muita sorte. Os meus pais sempre me acompanharam nos meus jogos.

Quando começou era tudo diferente…

Sim era. Comecei no Sporting e as condições eram outras. Nós jogávamos em pelado. Neste momento quase todas as equipas têm um relvado sintético portanto as condições têm melhorado. Até a qualidade das jogadoras. Não menosprezando as atletas daquela altura, a verdade é que agora já vêm de uma formação, algo que antigamente não havia, e que portanto permitem que o futebol tenha melhorado.

É só dinheiro que falta ao futebol feminino para dar o “salto”? Ou também de mentalidade?
Acho que das duas coisas. Passa pelas duas vertentes porque não é fácil manter uma equipa de futebol de 11 feminino. Não há instituições a apoiar e uma época de futebol de 11 requer algum dinheiro. São muitas atletas, muitas vezes de vários locais, as deslocações são a nível nacional e isso, como se sabe, é custoso. Nem todos os clubes têm essa capacidade. E depois é preciso mudar a nível de mentalidades. Ainda existem algumas pessoas que não vêem muito bem o futebol feminino. Não estão disponíveis para o futebol feminino.

Acha que se os três “grandes” ou pelo menos algumas das equipas com mais nome entrassem no campeonato feminino havia uma maior adesão?
Poderia ser diferente. Logicamente era uma motivação extra. Mesmo para as jogadoras seria diferente jogar num Sporting, num Benfica ou num Porto. Acho que sim, era uma mais-valia se os três “grandes” ou os clubes de maior dimensão aderissem.

A Carla Couto é uma referência para as jogadoras mais novas. Sente essa pressão?
Eu estou no futebol porque gosto muito. Graças a Deus tive a oportunidade de jogar no estrangeiro, de ser a atleta mais internacional… Isso não me preocupa, nem penso muito nisso.

Mas tenta ser um exemplo?
Não tento. Sou como sou. A sério. Mas claro que fico contente por gostarem da minha forma de estar e jogar futebol.

Experiência no estrangeiro

Jogou no estrangeiro. Como é que se proporcionou?
Foi num estágio da selecção em que o Professor Nuno Cristóvão nos colocou essa questão. A Federação Chinesa ia fazer pela primeira vez a Superliga e que queria convidar algumas atletas estrangeiras. Perguntou-me se eu estava disponível e eu disse logo que sim. Há sempre aquele sonho de ser profissional.

Tinha mais portuguesas a jogar consigo?
Nós fomos três portuguesas mas todas para equipas diferentes. Não foi fácil. Estive lá três meses mas que para mim quase que equivaleram a um ano. Eu estava sozinha, não conseguia entender ninguém e ninguém me entendia a mim. O primeiro mês foi muito complicado. Pensei muitas vezes em desistir. Telefonei muitas vezes para a minha mãe a dizer que me ia embora. O que acontecia é que eu sempre joguei por gosto e estava a ser muito difícil. A minha mãe lá me ia dizendo que era o meu sonho, para aguentar. Acabei por me habituar e superei. O que é um facto é que depois não fiquei mais tempo porque eles não conseguiram cobrir o vencimento que a federação me estava a dar. Eu era paga pela Federação Chinesa e o clube não tinha condições para me dar o que eu estava a receber.

O que guardou da China?
Foi muito gratificante. Conheci uma realidade completamente diferente tanto a nível táctico, como técnico. Apesar de eu não perceber muitas coisas. Por exemplo, o treinador escrevia no quadro o meu nome, fazia as setas para onde eu tinha que ir e eu jogava.
Tive métodos de trabalho completamente diferentes, a carga diária era diferente. Lá treinava duas vezes por dia e em Portugal treino três vezes por semana. Foi uma experiência completamente diferente que eu gostei muito e que infelizmente não pude continuar a usufruir dela.

Também esteve em Inglaterra…
Estive duas semanas no Arsenal mas aí não chegámos a acordo. Eles queriam que eu ficasse mas com um contrato por objectivos. Na altura tinha 28 anos e acabou por ser complicado. Eu vinha de uma experiência profissional na China e ali era diferente. Tinha que trabalhar, pagar uma casa, e havia ainda o facto de que a equipa do Arsenal era bem mais competitiva. Podia não jogar. Acabei por dizer que não porque não era nada certo e sair de Portugal sem uma coisa certa não. Não quis arriscar.

Acha que em Portugal vamos ter uma liga profissional?
Não. Sinceramente acho que não. Não há condições. Basta ver como está o futebol masculino em Portugal. Algumas equipas com nome não têm capacidade para pagar os ordenados aos jogadores quanto mais formar uma liga profissional feminina. Não vejo condições para isso.

Como vê a saída de algumas jogadoras para outros países?
Não é só pela questão financeira. A verdade é que Portugal teve alguns bons resultados nos últimos anos e isso chamou a atenção de outros treinadores.

Voltou a pensar em sair?
Há dois, três anos fui convidada para ir para Suécia jogar mas na altura não achei que fizesse sentido. O que iria receber lá era o que praticamente recebia cá e estar a deixar Portugal e a minha vida cá sem ser compensada não fazia sentido.

Nota-se na selecção essa diferença de futebol?
Nós temos jogadoras de grande valia a jogar em Portugal. Mas nota-se na selecção a evolução de quem joga lá fora. Elas têm um trabalho muito mais exigente. Porque treinam mais vezes, o campeonato é mais competitivo, e isso depois reflecte-se nas prestações da selecção nacional.

Já ganhou tudo a nível nacional. O que ainda a faz correr?
O gosto. E porque ainda tenho um grande objectivo enquanto atleta que é superar as internacionalizações do Luís Figo e ser eu a atleta mais internacional do país. Já só me faltam 13 jogos portanto ainda vou tentar. Vou vivendo a minha carreira ano a ano porque já começam a pesar algumas situações. Mas como me sinto capaz de dar o meu contributo ao 1º de Dezembro e à Selecção Nacional ainda vou apostar mais um ano.

Para ultrapassar esse recorde tem que fazer mais do que um ano…
Vamos ver. Agora penso em mais um ano, depois logo se verá.

1º de Dezembro

O 1º de Dezembro voltou a ser campeão. Quais os objectivos para a nova época?
Neste momento o objectivo é a Liga dos Campeões. O nosso treinador, o Professor Nuno Cristóvão, tem uma opinião que eu compartilho: a nossa obrigação é sermos campeãs e vencermos a Taça. A Liga dos Campeões é outra coisa.

É uma experiência diferente…
É sempre bom termos equipas portuguesas a participar. Todo o desporto tem um processo. Nós andamos a trabalhar toda uma época para sermos campeãs mas o expoente máximo do 1º de Dezembro é participar na Liga dos Campeões. E um dia passar à fase seguinte.

Acredita na passagem?
Sabemos das dificuldades mas vamos trabalhar. Se não acreditarmos que podemos passar ou que vamos passar não faz sentido andarmos a trabalhar. Todos estão parados a gozar as suas férias e nós estamos a treinar.

Como é que se prepara para os jogos?
Os anos que tenho de competição acabam por me deixar menos ansiosa que as mais novas. Mas cada jogo é um jogo, tem a sua particularidade. Gosto de ouvir música, gosto de estar na conversa. Não digo que não fico ansiosa porque fico. Por exemplo, não como muito antes dos jogos internacionais. Quero é que chegue depressa para jogar e ganhar (risos).

Ana Rita Almeida

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