Alfredo Pires é passageiro habitual do autocarro das seis da manhã que liga Bra-gança ao Porto. De quinze em quinze dias enfrenta uma viagem de mais de três ho-ras para ir a consultas ou fazer tratamentos ao Instituto Português de Oncologia. Há quatro anos que, duas vezes por mês, percorre mais de 230 quilómetros para tratar um cancro na garganta.
Nesta viagem tem a companhia do vi-zinho Veríssimo Costa, que há nove anos faz o mesmo percurso, mas menos amiú-de, por causa de um cancro na próstata. Mesmo sem a companhia um do outro nunca vão sozinhos, porque os autocarros que saem às seis da manhã de Bragança vão sempre cheios de passageiros para os hospitais do Porto, sobretudo para o IPO.
Justificando estas idas ao Porto, Verís-simo Costa lamenta: “nós aqui (em Bra-gança), não temos máquinas”. “Nem técnicos”, acrescenta Alfredo à agência Lusa.
Faltavam dez minutos para as seis da manhã quando Veríssimo, de 73 anos, e Alfredo, de 69, chegaram à central rodo-viária de Bragança com bilhetes comprados de véspera. A maioria dos passagei-ros do autocarro são idosos e estas carreiras para o Porto seguem o destino dos passageiros, fazendo paragens junto ao Hospital de São João e ao IPO antes de chegarem à central de camionagem.
Quando amanhece, os dois já levam mais de uma hora de viagem, com paragem em Macedo de Cavaleiros e Mirande-la, onde vai entrando mais gente com o mesmo destino.
Duas horas depois de ter saído de Bra-gança, e ainda a mais de 80 quilómetros do Porto, Veríssimo cede ao sono. Alfredo mantém-se desperto e distribui rebuçados para enganar os estômagos e aliviar o en-joo provocado pelo balanço do autocarro. “Viajava-se melhor no comboio, a gente não enjoava, mas acabaram com ele”, in-forma Veríssimo. “Demorava mais, é verdade, mas era mais confortável”, acrescenta.
Para lá do Marão, tudo fica mais fácil, com os últimos 50 quilómetros a serem feitos em auto-estrada. O regresso, esse, não os preocupa muito. “Até às nove da noite há sempre autocarros”, diz Alfredo.
Em cada deslocação, estes homens gastam, pelo menos, 21,60 euros nos bi-lhetes de autocarro. Alfredo não faz contas à comida porque tudo o que come “tem de ser moído”. “Às vezes, dão-me lá de comer (no IPO)”, garante.
Em nove anos, Veríssimo tem pago todas as viagens do seu bolso, apesar de ser reformado da GNR e beneficiar do sub-sistema dos militares, a ADMG. “Primeiro disseram-me que era a ADMG que tinha de pagar, e lá só pagavam se o bilhete fos-se mais de dois contos (10 euros). O meu era um conto e meio (7,5 euros)”, afirma.
Alfredo trabalhou até à reforma na PT e tem sido reembolsado das viagens pelo IPO, mas “dantes eram certinhos, agora demoram muito a pagar, pelo menos três semanas”.
À chegada ao Porto, pouco depois das nove da manhã, alguns passageiros des-cem na paragem junto ao Hospital de São João. Um pouco mais à frente, no IPO, o autocarro fica quase vazio.
Ainda há tempo para uma passagem no bar, antes de apresentarem os cartões para confirmarem a consulta. A de Veríssimo é às 10 horas. As duas consultas de Alfredo são às 11.
O ar da manhã está arisco, mas o sol brilha e ajuda a levantar os ânimos e a esquecer o cansaço. “O pior é no Inverno, com chuva e com frio”.