Padre António Vieira: Um homem de todos os tempos

Data:

 António Vieira nasceu em Lisboa, a 6 de Fevereiro de 1608 e morreu no Brasil, no dia 18 de Julho de 1697.
Este ano, comemoram-se os quatro séculos passados sobre o nascimento de um dos homens mais notáveis de Portugal, um dos mestres da língua Portuguesa e um dos primeiros pregadores do seu tempo.
 

António Vieira era filho de Cristóvão Vieira Ravasco, fidalgo de ascendência nobre, e de D. Maria de Azevedo. Nos fins de 1615 partiu com a sua família para o estado da Baía, no Brasil, provavelmente pelo facto do seu pai ter sido nomeado secretário do governo da Baía, cargo que exerceu durante muito. A 20 de Janeiro de 1616 a família quase naufragou nos baixos da Paraíba, a caminho da Baía, salvando-se quase milagrosamente.
Começou a estudar no colégio da Companhia de Jesus, mas a vocação religiosa, segundo revelou o próprio António Vieira, «surgiu» numa tarde de Março de 1623, ao ouvir o padre Manuel do Carmo pregar, fazendo uma descrição do inferno.
Um dia terá manifestado aos pais a vontade de se professar, desejo a que estes se opuseram terminantemente. Procuraram por todas as formas dissuadi-lo, Cristóvão Ravasco manteve-se firme na recusa, e o filho esperou que o tempo o ajudasse a mudar de opinião. Como tal não aconteceu, António Vieira fugiu de casa na noite de 5 de Maio de 1623, tendo se refugiado no colégio dos jesuítas. Apesar dos esforços dos pais para o afastarem da influência dos jesuítas, António Vieira fez os primeiros votos, após dois anos de noviciado, e a 6 de Maio de 1625 passou à classe dos escolares, ligando-se então por votos secretos e assumindo as obrigações do ensino.
Aos 17 anos de idade já era encarregado de escrever em latim as anuas que eram enviadas da província ao geral de Roma, e aos 18 era mandado leccionar retórica no colégio de Olinda, cidade do estado de Pernambuco, e depois filosofia dialéctica. Aos 20 anos frequentava teologia, e os superiores lhe permitiam redigir uma apostilha para as suas próprias lições; aos 30 era nomeado mestre de teologia. Passou ao 3.º grau da Companhia, dos coadjutores espirituais, e depois de ter dito a primeira missa, em 1635, começou a exercer as funções de pregador, inerentes ao seu grau.

Dotes de pregados

Como pregador, revelou desde cedo os dotes oratórios que o distinguiam. Logo nos primeiros sermões. Em 1640 pregou o seu famoso «Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda». As circunstâncias eram as piores para o reino: a Baía já fora ameaçada pelas armas de Maurício de Nassau, e os desastres sucediam-se uns aos outros com a maior rapidez. Foi então que na catedral da Baía se começaram a fazer preces pelo sucesso das armas portuguesas. Num dos dias, coube ao padre António Vieira a vez de pregar. De início o Sermão faz alusão a um trecho dos Salmos da Bíblia, em que o autor, pressionado pelas circunstâncias, muito mais que clamar, ‘«exige»’ de Deus um livramento imediato: ‘‘Desperta! Por que dormes, Senhor… Levanta-te em nosso auxílio, e resgata-nos por amor das tuas misericórdias”. E Vieira faz uso da mesma passagem bíblica para fazer um paralelo à situação enfrentada pelos portugueses com a invasão holandesa.
Pouco tempo depois chegou à Baía a notícia da Restauração de Portugal e da aclamação de D. João IV. Por isso, em 1641 veio a Lisboa, integrado numa delegação que trouxe a adesão do Brasil ao monarca português, que acaba por nomeá-lo seu conselheiro. António Vieira conquistou a estima do rei, que o fez seu confessor, conselheiro e pregador da corte, e o encarregou de algumas embaixadas na Europa, ocupando, assim, um lugar de destaque na vida do país. A sua intervenção na política nacional através da actividade de pregador, que se saldara já por denúncias e críticas à injustiça e à corrupção de colonos e administradores no Brasil, prosseguiu então, com o estímulo do combate à coroa espanhola.
Era com os seus sermões – muitas vezes verdadeiros discursos políticos – que procurava fazer triunfar na opinião publica as medidas que se pretendiam adoptar. Foi o caso do notável sermão de Santo António, pregado quando estavam reunidas as cortes em Lisboa, para conseguir que todos, nobreza, clero e povo, contribuíssem com o pagamento dos impostos para se acudir ao perigo geral. 
Segundo António Vieira, deveria proceder-se com maior moderação na perseguição da Inquisição aos cristãos-novos, de forma a salvaguardar os capitais destes e a sua contribuição para a guerra de independência. Tal posição valeu-lhe alguns ódios e o rancor dos inquisidores.
A sua luta em prol dos direitos dos índios brasileiros originou também reacções por parte dos colonos, evidentes no seu célebre «Sermão de Santo António aos Peixes», pregado, a 13 de Junho de 1654, na cidade de São Luís do Maranhão (nordeste do Brasil), «três dias antes de embarcar ocultamente para o Reino, a procurar o remédio da salvação dos Índios». De regresso ao Brasil em 1652, Vieira foi portador de um decreto de libertação dos índios. Foi esta a sua fase de mais intensa acção evangélica.
A sua actividade de catequista junta-se à denúncia dos abusos dos colonos nas suas relações com o índio. Obrigado a voltar à metrópole em 1661, justifica a acção da Companhia de Jesus e acusa os colonos num sermão pregado na capela real. A Inquisição persegue-o e obriga-o ao recolhimento, ao tachá-lo de herege, com fundamento num manuscrito da autoria de António Vieira em que este manifesta a sua crença no Quinto Império e na ressurreição de D. João IV.
Posto em liberdade, segue para Roma, em 1669. Aí se distingue como pregador em italiano. E consegue que a Santa Sé peça contas ao Santo Oficio do modo como decorrem os julgamentos dos cristãos-novos. Em 1674 regressa a Portugal, depois de ter recebido em Roma as mais lisonjeiras manifestações de apreço e de entusiasmo. Passou ainda cinco anos em Portugal, conservando e ampliando cada vez mais a sua reputação de orador sagrado, mas sem tornar a representar na política o papel que tanto ambicionava. E sente-se dominado pelo desânimo, ostensivamente afastado pela corte de todos os negócios públicos. Em 1681 volta definitivamente para o Brasil, e recolheu-se à quinta do Tanque, na convivência do seu inseparável companheiro, padre José Soares, que o incitava à compilação completa de todos os seus sermões e escritos morais. 
Em 1688, a Companhia de Jesus nomeia-o visitador da província do Brasil, cargo em que tinha de despender uma energia superior às suas forças, muito enfraquecidas pela velhice. Teve então de abandonar a sua quinta do Tanque, e recolher-se ao colégio da ordem da cidade. Ainda assim exerceu dois anos. Morreu com perto de 90 anos, e tanto na Baía como em Lisboa, as exéquias realizaram-se com muita pompa.
Padre António Vieira empenha-se seriamente na edição completa dos «Sermões», obra que reúne quinze volumes – publicada entre 1679 e 1748 – e que só ficará terminada depois da sua morte. Os seus textos revelam ainda um grande virtuosismo no domínio da língua e dos seus efeitos no auditório. Conservam-se também as «Cartas» (1735), a «História do Futuro», «Livro Ante-Primeiro» (1718) e uma «Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício» (1957).

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