Ao dia primeiro do mês de Fevereiro do Ano Real de 1908, Dom Carlos I, El-Rei de Portugal, e Dom Luís Filipe II, o príncipe herdeiro, foram assassinados a tiro, na Praça do Comércio, em Lisboa. À época, os jornais noticiavam o “gravíssimo atentado” e a “tremenda tragédia”. Hoje, 100 anos depois, a carruagem em que o rei e o príncipe seguiam está exposta num museu, em Vila Viçosa. Um pouco por todo o país, diversas iniciativas assinalam o acontecimento. Todo este interesse pelos reis leva à pergunta: e se Portugal ainda fosse uma Monarquia?
Debates, uma missa, a inauguração de uma estátua e a exi-bição de um filme raro são algumas das iniciativas que assinalam o centenário da morte do Rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, no dia 1 de Fevereiro.
Os monárquicos recordam aquele que foi o primeiro Rei português do século XX com uma homenagem no Terreiro do Paço, em Lisboa, precisamente no local onde D. Carlos e o seu filho primogénito foram assassinados em 1908. A homenagem contará com a participação de elementos do Colégio Militar e de dois regi-mentos das Forças Armadas.
Ainda no dia 1 de Fevereiro, haverá uma missa presidida pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, seguindo-se um tributo nos túmulos do Rei e do príncipe, no Panteão Real, na Igreja de São Vicente de Fora.
Em Cascais, junto à Cidadela, será inaugurada uma estátua do monarca, da autoria do escultor Luís Valadares, com a presença do Presidente da República. No Aquário Vasco da Gama, no Dafundo, abre ao público uma exposição que revela a face-ta de oceanógrafo de D. Carlos.
Associando-se à efeméride, a Cinemateca exibirá, a partir do dia 1, um ciclo de cinema intitulado “Regicídios”, que começa com um pequeno filme mudo de autor desconhecido, que regista os funerais de D. Carlos e Luís Filipe, a 8 de Fevereiro de 1908.
Para os dias que antecedem a data exacta da efeméride, assim como para as semanas se-guintes, estão previstos vários colóquios e debates destinados a recordar a vida e a obra de D. Carlos e a reflectir sobre o papel da monarquia e sobre as implicações políticas do regicídio.
Duarte Pio de Bragança, actual Chefe da Casa Real Portuguesa, considera estas iniciativas da como uma homenagem a “um português que entregou a vida pela pátria”.
As dúvidas mantêm-se
Cem anos passados, o especialista em história contemporânea António Ventura conti-nua a ter dúvidas sobre o regicídio e a procurar saber se o plano visava o Rei D. Carlos ou o presi-dente do Governo, João Franco.
A falta de dados sobre o que aconteceu a 1 de Fevereiro de 1908 na Praça do Comércio, em Lisboa, suscita ainda a este professor universitário a dúvida sobre se não existiria um plano mais vasto para uma “revolução ou uma insurreição republicana”, o que não veio a suceder.
Para o historiador, “o melhor momento para uma revolta republicana teria sido logo a seguir à morte do Rei e do príncipe regente, porque a monarquia estava decapitada. Era um momento de caos, confusão e de comoção”.
O desaparecimento do “celebérrimo processo do regicídio” é lamentado pelo estudioso, pois a sua consulta permitiria uma me-lhor clarificação sobre o que su-cedeu, dado que “há muitas dúvidas e muitas interrogações”, para além da “falta de fontes”.
Este especialista tem, no entanto, esperança de que ainda venham a surgir documentos com testemunhos, apontamentos ou qualquer espólio “em algum sótão ou cave de algum velho republicano”.
A Monarquia caiu, mas…
Para António Ventura, o fracasso da monarquia ficou a dever-se, fundamentalmente, ao facto de, além de D. Carlos, ter também morrido no atentado o príncipe herdeiro, Luís Filipe, que estava preparado para governar. No trono ficou “um jovem inexperiente (D. Manuel II), demasiado jovem e ainda por cima numa época em que os partidos mo-nárquicos atravessaram uma gra-víssima crise”, contou o historiador.
“O regicídio veio apressar todo esse processo (fim da monarquia), pela morte do rei, pela morte do príncipe herdeiro e pela subida ao trono de um jovem sem grande experiência e envolvido nas lutas internas dos partidos monárquicos”, que aca-baram por não conseguir “ajudar o Rei a salvar o regime”, subli-nhou o historiador.
Abstendo-se de elaborar ce-nários sobre como estaria hoje o país caso não tivesse acontecido o regicídio, António Ventura limi-tou-se a dizer que, “eventualmente, a República teria surgido mais tarde”, justificando a opini-ão com a importância dos efeitos sociais e políticos da Iª Guerra Mundial na sociedade e política portuguesas da altura.
Sobre as comemorações do centenário do regicídio, o historiador acredita que devem ser aproveitadas “para, de uma forma desapaixonada, se olhar para o passado” e tentar compreen-der as suas motivações.
…e se Portugal ainda fosse uma monarquia?
Se tivermos em conta o que se passa nas outras democracias europeias, é difícil defender que Portugal ainda seria uma monarquia se o assassinato tivesse sido mal sucedido. De qualquer modo, traços monárquicos permanecem na sociedade portuguesa hoje em dia, não só através do Partido Monárquico, como também através de Duarte Pio, Duque de Bragança, chefe da Casa Real Portuguesa e, alega-se, legítimo herdeiro da Coroa Portuguesa.
Duarte Pio mantém ainda uma voz activa na sociedade política e civil e, comentando o centenário do regicídio, disse considerar que Portugal não tem ainda uma “democracia madura”, na qual os portugueses possam fazer uma escolha sobre o regime em que querem viver.
Para Duarte Pio, os portugueses deviam poder escolher “quais as alternativas na demo-cracia moderna, por exemplo: parlamentarismo republicano ou monárquico”.
O Duque de Bragança lamenta que, há 100 anos, estivesse “na moda o terrorismo político” e defende que “os assassinos republicanos não queriam matar o rei, mas queriam derrubar o regime e, como o primeiro golpe (28 de Janeiro de 1908) foi fa-lhado, as bases ficaram à solta”.
Em 1908, defende, Portugal “estava ao nível das outras monarquias na Europa, estava entre os países mais avançados e economicamente estava a meio da tabela” e o regicídio, assim como a proclamação da República dois anos depois, causou “um atraso em Portugal”. “Se conhecessem o Rei, estou convencido que não o mata-riam. D. Carlos era imensamente popular, mas foi vítima de uma propaganda de difamação”, lamenta Duarte Pio.
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