Balneário público de Alcântara fornece quinhentos banhos gratuitos por semana

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Em pleno 2007, tomar banho é ainda um “luxo” para muitas pessoas em Lisboa, residentes ou sem-abrigo, que encontram no balneário público de Alcântara, além de duche diário e roupa lavada, apoio e companhia nas horas de solidão. Os ‘banhos’ recebem um grande número de pessoas com diferentes necessidades que sabem que em Alcântara há um lugar solidário para com todos.

Construído na década de 30, durante o Estado Novo, o balneário público de Alcântara fornece actualmente uma média semanal de quinhentos banhos gratuitos, trezentos a homens e cento e setenta a mulheres, sendo que a maioria dos utilizadores deste serviço são pessoas sem-abrigo.

A maior parte dos utentes não reside na freguesia – 60 por cento -, seguindo-se os residentes em Alcântara – 40 por cento – e alguns estrangeiros – 10 por cento.

Pessoas

 

Aos 84 anos, Amarilis, uma moradora da Picheleira, já não se lembra há quanto tempo associou o ritual do banho no balneário da Rua Padre Adriano Botelho ao seu quotidiano, sabe apenas que foi há muitos anos. “Tenho condições para tomar banho em casa, mas o duche daqui é melhor”, disse esta utente em declarações à agência Lusa, deixando perceber que além do banho, quer é “limpar” parte da solidão que lhe preenche os dias.

É por isso que, “sempre que pode”, atravessa meia Lisboa para tomar ba-nho com a ajuda da Dona Rosa, a res-ponsável pela área do balneário reservada às mulheres, que é para Amarilis uma “espécie de enfermeira particular” que lhe lava as costas e a ajuda a vestir-se. “A seguir vou ao cabeleireiro”, diz, ciosa da importância de ter uma imagem cuidada.

Situado no terceiro piso do edifício, o balneário feminino é frequentado principalmente por “raparigas da rua e pessoas idosas que ou não têm condições para se lavar ou precisam de ajuda”, explicou a Dona Rosa, de 63 anos, mais de 14 dos quais a trabalhar no balneário.

Números

 

Durante a semana, estas instalações – que funcionam diariamente das 7:00 às 13:00 horas – recebem uma média de trinta mulheres, sendo que ao fim-de-semana o número aumenta para cerca de cento e cinquenta banhos femininos.

O mesmo aumento verifica-se no número de banhos masculinos, que durante a semana são cerca de quarenta e cinco e ao fim-de-semana sobem para cerca de duzentos e trinta a duzentos e quarenta.

“Na maioria são sem-abrigo que chegam também de outros concelhos como a Amadora, Oeiras e Almada”, disse à agência Lusa Vítor Cruz, de 61 anos, que há 8 “gere” a área masculina do balneário e a lavandaria social. “Mais de sessenta por cento das pessoas que aqui vêm não trazem toalha nem sabão e verificámos que, por vezes, se lavavam e depois vestiam a roupa suja. Foi assim que nasceu a lavandaria social que funciona com roupa dada ao balneário, que depois a distribui pelos utentes”, explicou Vítor Cruz.

Com recurso a um simples sistema de “papelinhos” que só ele percebe, Vítor Cruz recebe, lava, passa a ferro e separa a roupa que lhe chega, tanto a proveniente dos donativos como a dos próprios utentes e assegura-se que todos saem do balneário com roupa limpa e apresentável.

Necessidades

 

Mário Mateus, de 34 anos, vive na rua e “pára ali para os lados do Estoril”, mas é a Lisboa que vem “quase todos os dias” para tomar banho e trocar de roupa.

Com o corpo marcado por anos de consumo de drogas, Mário recusa desleixar-se na higiene pessoal. “Não é por vivermos na rua que temos que ser porcos”, disse Mário à agência Lusa, considerando “essencial” para os sem-abrigo um serviço como este, que funciona também muitas vezes como armazém.

“Como não têm onde deixar as coisas, deixam-nas aqui e depois vêm buscá-las”, referiu Vítor Cruz, que não consegue dei-xar de se envolver pela má sorte desta gente. “Às vezes a miséria é tanta que tiro do meu bolso para dar a quem me aparece aqui. Compro sempre pão para levar para casa, mas a maior parte das vezes não chega lá, fica por aqui. Há muita miséria, cada vez mais e aparecem aqui sobretudo muitas pessoas sozinhas”, lamenta, adian-tando que ultimamente até aparece no balneário gente a pedir mercearias e comida.

Solidariedade

 

O presidente da Junta de Freguesia de Alcântara, José Godinho, que desde 1982 lidera a autarquia, não esconde a “mágoa” que lhe causa saber que nas zonas mais antigas de Alcântara e do Alto de Santo Amaro ainda há muita gente com casas sem condições para tomar banho. “Gastámos cerca de 30 mil contos (dados avançados pela autarquia) para construir instalações sanitárias nas casas das pessoas, mas desde que o Santana Lopes esteve na Câmara que não recebemos nada”, disse José Godinho, lamentando que ainda haja gente que não tem uma coisa “tão primária” como habitação com casa de banho.

O balneário público de Alcântara pertence à Câmara Municipal de Lisboa, que assegura parte das despesas de funcionamento e manutenção, e a sua gestão está a cargo da Junta de Freguesia de Alcântara, que tem vindo a fazer melhorias, designadamente com a instalação de cabinas especiais para deficientes e pessoas obesas.

Melhoramentos que não satisfazem completamente José Godinho, que quer também substituir a caldeira, que ainda funciona a gasóleo, e revestir os balneários com azulejos.

Mas nem todos os que chegam ao balneário o fazem por falta de lugar para tomar banho em casa.

Há lugar para todos

 

Carlos Pinto, de 52 anos, empregado de armazém e a residir na zona da Avenida Duque de Loulé, vai diariamente a Alcântara para tomar banho porque há um ano que está de baixa e não conse-gue pagar as contas da água e do gás. “Apesar de ter condições em casa para tomar banho, a baixa leva-me o rendimento quase todo e não tenho dinheiro. Venho por pobreza e necessidade e apesar de ser um balneário público consigo ter privacidade”, testemunhou à agência Lusa.

Também José Godinho garante que já viu sair uma família inteira de dentro de um BMW para ir ao balneário. “Não se pode falar em pobreza escondida porque quem tem um BMW não é pobre, mas é uma pobreza envergonhada”, sustentou.

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